sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Terra Basca

Terra Basca e Liberdade
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Texto de Jorge Pinheiro e fotos de Naira Di Giuseppe, de Hendaye, França


A história do povo basco é coberta de mistério e alguns arriscam dizer que ocuparam uma única região da Europa por muito mais tempo que qualquer outro grupo étnico.

Foto de Naira Di Giuseppe

A Europa é um espaço de conflito de ideias e projetos civilizatórios. É e sempre foi assim. Talvez os motivos disso sejam a presenca de culturas e povos diferentes aí instalados, a plantação beligerante dos monoteísmos, cujas mensagens de paz estão embainhadas na espada, e a dificuldade para se harmonizar tanta diversidade.

Somos obrigados a pensar nisso quando chegamos a Hendaye, cidadezinha linda, com apenas 15 mil habitantes, um balneário para a alegria dos turistas que se bronzeiam na praia. Situada no meio do País Basco, às portas da Espanha, Hendaye é banhada por duas águas, aquelas do oceano Atlântico e as da baía de Txingudi. A cidade é um ponto para os esportes náuticos. E para quem gosta de natureza preservada, há o complexo de Serge Blanco e o domínio d'Abbadia.

Como disse Naira, a partir de suas perambulações pela cidade, “Hendaye é diferente do que estamos acostumados a ver em nossas passagens pela Europa. As casas têm nomes, talvez até vejamos isso em algumas cidadezinhas brasileiras, mas aqui os nomes são de qualquer modo diferentes, estão numa língua estranha para mim, em basco. As placas e indicações da cidade também aparecem em basco, mas também em francês. Então tentei aprender esse novo idioma, deduzir pelo francês e pela repetição dos termos, o que era, por exemplo, `karrika´, `rua´.”

Outra coisa interessante, além da arquitetura e das fachadas das casas, de acordo com as observações de Naira, é que está próxima a cidades de praias famosas. Biarritz, por exemplo, parece que não está muito longe daqui. Mas Hendaye nos leva à estação de esqui, pois está ao sopé da montanha, nos Pirineus. E vimos gente com esquis nas mãos. Ela comentou: “É claro que nesta época do ano, verão, não há neve aqui embaixo, por isso achei meio estranho o pessoal com esquis – mas lá em cima é diferente. E você vai encontrar placas: Ongi etorri Euskal mendietarat! Bienvenue dans la montagne basque! Ou seja, bem-vindo à montanha basca. E as águas da baía de Txingudi formam um belo conjunto de paisagem com a montanha ao fundo”.

Foto de Naira Di Giuseppe

Hendaye é uma comuna francesa. Comuna na França é uma unidade territorial grande, subdividida em arrondissement, departamento e região. No caso, Hendaye fica na região administrativa da Aquitânia, no departamento dos Pireneus Atlânticos. É uma cidade basca.

A história do povo basco é coberta de mistério e alguns arriscam dizer que ocuparam uma única região da Europa por muito mais tempo que qualquer outro grupo étnico. Estrabão, no século I, disse que a região onde hoje se localizam Navarra e Aragão, a leste da atual comunidade autônoma do País Basco, era habitada pelos vascones. Embora vascones lembre bascos, não se sabe se os vascones foram de fato os ancestrais dos bascos de hoje.

O movimento nacionalista basco nortista nasceu em 1963, teve uma atuação importante na região, mas nunca alcançou mais do que 15% dos votos. Conquistou, porém, uma vitória democrática importante quando, em 1997, a região basca na França foi reconhecida como “país”, e hoje recebe o nome de Pays Basque, com direitos culturais, mas sem orçamento próprio. Atualmene, aqui na região, cerca de 22% da população é bilíngue, 8% é francófona que entende basco, e os restantes 70% só falam francês.

Já no sul a situação foi bem diferente, por isso remonto à Guerra Civil Espanhola. Em 1937, na metade da guerra, as tropas do Governo Autônomo Basco, para nosso incômodo histórico, se renderam em Santoña às tropas italianas aliadas ao General Franco. Essa rendição partiu de um acordo: que a indústria pesada e a economia bascas não fossem atingidas. Para a esquerda isso foi uma traição, principalmente porque soldados bascos se uniram ao exército franquista no resto das batalhas no front norte.

Depois da guerra, Franco iniciou a consolidação da Espanha como estado-nação unificado. O regime introduziu leis contra as nacionalidades, e procurou acabar com a cultura e o idioma bascos. Considerou Biscaia e Guipúzcoa províncias traidoras, aboliu a autonomia, mas Navarra e Álava mantiveram pequenos privilégios.

A oposição a essas ações criou o movimento separatista basco e a Euskadi Ta Askatasuna/ ETA, que significa Terra Basca e Liberdade. A morte de Franco e a democratização espanhola levaram à criação da região autônoma, mas a luta separatista se manteve até 2005. Hoje, o País Basco no sul tem parlamento eleito, força policial, sistema educacional e coleta de impostos. E mais que nada, cultura e idioma livres e reconhecidos.

Voltando à viagem. Saia de Coimbra de trem, cruze parte do norte de Espanha, que tem cidades lindas, e apeie em Hendaye. Fique aí uns dias. É uma maneira deliciosa de entrar na França. Bidai ona izan! Bon voyage! Boa viagem!

30/7/2011

Fonte: ViaPolítica/O autor

Jorge Pinheiro é cientista da religião e teólogo. É doutor e mestre pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo. Pastor adjunto na Igreja Batista em Perdizes (SP). Nasceu no Rio de Janeiro, em 1945, foi dirigente estudantil secundarista e universitário. Ligou-se ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), de inspiração brizolista. Exilou-se no Chile, onde foi preso após a queda do governo de Salvador Allende. Ligou-se às correntes trotskistas internacionais, viveu em Portugal e, clandestinamente, no Brasil, sob a ditadura. Foi processado pelo regime militar e, em 1979, beneficiado pela Lei da Anistia. Exerceu o jornalismo na revista Manchete e no jornal Folha de S. Paulo, e foi um dos editores do jornal alternativo Versus, em sua última etapa, em São Paulo.

E-mail: jorgepinheiro.sanctus@gmail.com

Blog: http://jorgepinheirosanctus.blogspot.com/













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