sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Lula

Lula, o metalúrgico como o gringo gosta!
Um conjunto articulado de entrevistas e pronunciamentos de Lula – entrevista “exclusiva” ao “Fantástico”, entrevista à “Veja”, “pronunciamento” em cadeia nacional de rádio e televisão, há alguns dias, nos chamou a atenção. Lula tornou-se o queridinho da “mídia”, ou, traduzindo, o queridinho dos aparelhos ideológicos de Estado de informação e difusão. Esses fatos nos levaram a escrever este artigo para o Boletim do CeCAC e nele tentar “captar a mensagem” do presidente.
Como se pôde comprovar pelas entrevistas, consolidou-se o trabalho destes aparelhos ideológicos em “amarrar” Lula às posições das classes dominantes, processo que analisamos em nosso último Boletim. Estes aparelhos passaram a pautar Lula. Pautar Lula pelas posições ideológicas e políticas das classes dominantes e aos interesses, principalmente, do grande capital financeiro internacional e nacional que, integrados às demais classes dominantes nacionais, determinam as políticas de governo.
“Crise Social?”
Neste processo é importante denunciar a fabricação da “Crise Social” (anunciada na “Folha de S. Paulo”) por estes aparelhos ideológicos, a armação, o ardil dos aparelhos ideológicos com o propósito de criar uma imagem dos “movimentos sociais” de violência e ilegalidade, especialmente do MST. Caracterizar como ilegal, violenta e incontrolável as ações dos “movimentos sociais”, ao forjar notícias, maquiar fatos, para que se crie na “opinião pública” - as classes dominantes e as camadas médias, principalmente - a convicção de que se vive uma situação de instabilidade social, de “Crise Social”. O objetivo desta artimanha não é só e principalmente “criminalizar” o MST, porém “criminalizá-lo” para produzir fatos e situações que levem Lula a romper e reprimir o MST e os “movimentos sociais” ou intimidá-los, enquadrá-los e, assim, consumar seu casamento, de papel passado, com as classes dominantes.
É importante ler o artigo de Antonio Costa sobre a fabricação da “Crise Social” na revista Carta Capital, aliás, um dos raros meios de imprensa a denunciar o trabalho dos aparelhos ideológicos de Estado de informação e difusão. Depois de demonstrar que “O MST, na defensiva desde 2001,...” na melhor das hipóteses realizará neste ano 70% menos ocupações do que quatro anos atrás. Diz Costa em seu artigo: “Quem acompanha as primeiras páginas e os editoriais dos grandes jornais, rádio e telejornais terá, porém, a impressão de que os sem-terra, sem-teto e demais excluídos estão a realizar a maior ofensiva de todos os tempos e a um passo de marchar sobre o Palácio de Inverno, digo, do Planalto”. Aponta a crise financeira dos “meios de comunicação” no Brasil e conclui denunciando a “... decisão do governo Bush de reforçar sua aliança com os ramos mais conservadores da mídia e tentar facilitar a concentração do setor”. (Antonio Costa, "Dize-me com quem andas e...", Carta Capital, no. 254, pg. 26).
Contudo, se hoje a filiação da nomenklatura petista às classes dominantes se torna evidente, mesmo que se tentasse encobrir, já de há muito a política praticada pelo PT, no fundamental, sempre serviu a estes interesses. As classes dominantes por toda a história da luta de classes, desde o início do século passado quando não foi mais possível impedir a organização da classe operária, trabalham com a tática de sua divisão. Divisão na luta política e sindical, estimulando a criação para isto dos “partidos” social-democratas, tática através da qual a burguesia tenta anular a construção e atuação das organizações proletárias, pregando uma ideologia simples, subproduto da ideologia burguesa destinada às classes dominadas, uma ideologia pequeno-burguesa reformista apresentada no caso do Brasil sob tintura radical.
No Brasil foi o PT, concretamente, o instrumento da burguesia para alcançar este objetivo. Dividir a classe operária, afastá-la de sua teoria e de seu partido, não só levando o principal do movimento sindical para uma política de colaboração de classes, como obstaculizando a construção do partido que expresse os reais interesses do proletariado.
Toda esta conjuntura cobra dos setores progressistas e democráticos do país redobrar sua atenção na análise da situação concreta.
Da discussão que vimos realizando, aqui, no CeCAC, em torno dos rumos do governo Lula, ressaltam algumas questões do debate nacional sobre a política do governo (questões sistematizadas pelo companheiro Pedro Castro em seu artigo “Sobre as faces da moeda”, Inverta, 18 a 24/07/2003) que merecem ser retomadas. Segundo o companheiro Castro, a primeira delas é a de “que, logo mais, tanto a necessidade de maior clareza do significado de conceitos e expressões (...) quanto a ampliação da discussão das diferentes formas de luta estarão também na ordem do dia”. “(...) Nesse sentido, a precisão de idéias é uma das demandas cruciais que se impõem”.
Aclarar posições teóricas e políticas
Na verdade, é necessário que na tomada de posição em torno da política levada a cabo por Lula - porque no debate é disto que se trata - que se explicitem as posições teóricas e políticas de quem fala, porque só assim poderemos ter claro não só “conceitos e expressões”, como também as diferentes formas de luta com que as massas poderão enfrentar esta conjuntura.
Do nosso ponto de vista, podemos circunscrever, resumidamente, os críticos do governo Lula vindos do campo que se autodenomina de esquerda a dois grupos. O primeiro grupo, o dos que se acusam de marxistas, mas na verdade esquerdistas ou reformistas, resultam da pressão com que a ideologia dominante empurra incessantemente, como sabemos desde Lênin, o movimento operário, as classes dominadas, em direção a dois desvios: por um lado, o desvio economicista e por outro o esquerdismo, o desvio revolucionarista, sobretudo nesta conjuntura em que a agonia do imperialismo em sua crise coloca em primeiro plano as tarefas da luta antiimperialista.
Como expressão dos desvios desta luta, temos de um lado um conjunto de partidos e organizações que fazem sua crítica a partir do ponto de vista de um esquerdismo delirante - crítica que, no geral, se resume a uma verborragia radical sem ponto de contato com a realidade; de outro, temos a posição das diversas correntes e partidos reformistas, posições que vão daqueles que usam a terminologia marxista para uma crítica cosmética, assegurando seus cargos no governo, até as que propõem abertamente que de pequenas reformas em pequenas reformas faremos a revolução.
A segunda vertente de oposição à política do governo Lula - e esta tem grande repercussão entre os setores mais mobilizados das massas - parte de um grupo de intelectuais e militantes, grande parte deles filiados ao PT ou muito próximos deste, que defendem de forma séria a possibilidade e a necessidade que o governo Lula implemente uma outra política econômica, diversa, pois “Assim, o país retomaria o desenvolvimento, enfrentando o gravíssimo problema do desemprego e da péssima distribuição de renda”.
Entre outros - Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Francisco Oliveira, Fiori, etc.- temos neste grupo de críticos, Leda Maria Paulani, que teve publicado na Revista Reportagem, no. 44, de maio deste ano, artigo sob o título “Brasil Delivery”.
Em seu artigo, Leda Paulani demonstra de forma cabal e competente que a política do governo Lula não passa de uma reedição piorada da política do governo Fernando Henrique; que Lula, como diríamos nós, se porta como um leal administrador do capitalismo. Paulani desmonta item por item a argumentação dos mentores imediatos da política do governo (Palocci, Meireles, Dirceu, Genuíno, etc, e do mentor-mor desta política, Lula) de que: primeiro, esta é a única política possível; segundo, é pré-requisito para o crescimento econômico e o aumento do emprego. (Lula - pronunciamento nacional em rede de rádio e televisão, 14/08/2003).
Não há a menor dúvida quanto às constatações da análise de Paulani de que Lula é um FHC radicalizado, que a política de Lula visa – principalmente – atender a política do imperialismo o que, aliás, de outro ponto de vista, vimos tentando demonstrar em nossos últimos boletins. Primeiro, que só o pior cego, aquele que não quer ver por cegueira ideológica, pode negar de que a política de Lula é uma continuação agravada, exacerbada, da política de FHC. Segundo, que esta política não leva a nada a não ser “ (...) a valorização dos capitais especulativos que hoje dominam o processo de acumulação, ...” (Leda Paulani, "Brasil Delivery") na economia capitalista mundial, aquela que, depois de Lênin, passamos a chamar de imperialismo.
Contudo, a crítica que este grupo de intelectuais e militantes fazem à política de Lula não sai do terreno da economia política burguesa, dos limites do capitalismo em um país dominado. O crescimento econômico que defendem é o crescimento econômico capitalista, o que provavelmente reduziria o desemprego, e, quando falam em dependência é para defender a diminuição da dependência externa e não o seu fim. Portanto, sua visão é insuficiente, insatisfatória, para depreender, conhecer, tanto as possibilidades de alternativas políticas para o país no terreno da economia capitalista mundial, da qual o Brasil faz parte, se isto fosse possível, quanto para pensar os caminhos para superar a exploração e a opressão a que esta dominação sujeita o povo brasileiro.
Por outro lado, as classes dominantes nacionais, desde os tempos de Collor, vêm abraçando com entusiasmo esta política. É só ver as declarações de Horácio Lafer Piva, presidente da Fiesp, a principal organização de classe da classe dominante nacional. O máximo que reivindica é uma “redução mais agressiva da taxa Selic” e a “reversão da desaceleração da economia com mais apoio do governo a setores que têm condições de crescimento” (Reuters Investor, 13/08/03) e, portanto, não só ele, como os demais empresários que se manifestaram sobre a redução de 2,5% da Selic na reunião do Copom do dia 19 e 20, se mostraram exultantes com a política econômica de Lula.
Um outro ponto de vista
O que queremos dizer é que só assumindo o ponto de vista da classe operária podemos fazer com a radicalidade necessária a crítica à política de Lula. Só analisando nossa conjuntura do ponto de vista da classe operária podemos tirar todas as conseqüências para o proletariado do fato de que o Brasil é um país dominado, dominação esta que determina a forma em que aqui se dá o capitalismo e sua peculiar inserção no sistema imperialista, nos limites de sua formação econômico-social específica. Não para dizer que nos limites de sua inserção, da dominação, a luta por uma outra política não seja do interesse da classe operária.
Muito pelo contrário, é do interesse da classe operária e seus aliados lutar por empregos e salários. Portanto, a favor de medidas econômicas concretas que permitam o desenvolvimento da economia, do mercado interno, que abram espaço para um novo processo de “substituição de importações”. É do interesse das massas lutar por melhores condições de vida, saúde, educação, moradia, etc. Portanto, a favor de que o governo realize investimentos na “área social”, que realize investimentos na infra-estrutura. É do interesse das massas do campo lutar pelo assentamento dos trabalhadores rurais, por melhores condições de trabalho no campo, mesmo sabendo que estas medidas econômicas e sociais não ultrapassam os marcos do capitalismo e da política ditada pelo imperialismo. Como é do interesse da classe operária e de seus aliados saber dos limites desta luta e como ultrapassá-los. E que o decisivo no empenho por uma outra política dentro dos marcos da dominação imperialista é a luta, a prática, a experiência das massas (que se dá em cima da conquista de seus interesses concretos), o crescimento do nível de consciência e organização da classe operária e seus aliados, com o objetivo de romper com a dominação imperialista, de acordo com estágio atual da luta de classes, da correlação de forças.
Já afirmamos em número anterior deste Boletim, “(...) que as classes dominadas no Brasil estão ainda num processo, no geral, defensivo, apesar de que a eleição de Lula expressou seu grau de insatisfação” e sabemos que é na luta de classes que a classe operária constrói suas organizações de luta sindical e política e sua teoria. E nesta conjuntura de defensiva das classes dominadas, em que temos um metalúrgico como presidente, temos de levar em consideração que as classes dominadas se vêem na necessidade de encaminhar suas lutas sem contar com sua organização sindical e política de luta.
O que diz o marxismo-leninismo é que a história é a história das lutas de classes, que são as massas exploradas que fazem a história e a fazem na luta de classes sob a direção da organização política da vanguarda do proletariado. E que o partido não poderá assumir esse papel de direção, que pressupõe a educação das massas, sua mobilização e organização, se não estiver profundamente ligado a ela, se não fizer corpo com a classe operária e com as massas exploradas nos desafios de suas reivindicações objetivas econômicas e políticas. Porque, quando as massas se põem em movimento, só aceitam a direção política do partido se este já há muito tempo faz corpo com elas em seu dia a dia, se já esta há muito tempo unido a elas na longa, difícil, heróica, tenaz, e no mais das vezes silenciosa, luta contra a exploração econômica do regime capitalista, seguindo uma linha justa.

São as massas exploradas que fazem a história
Se o partido se afasta, desaparece das massas enquanto partido revolucionário, é prova de que não tem uma linha e uma prática justas em relação a sua própria função política e a sua própria função diante do proletariado e das massas.
O partido deve preocupar-se, até mesmo nos detalhes, com as reivindicações das massas, fazendo o trabalho que lhe é específico, o trabalho de esclarecimento, educação, propaganda, agitação e organização políticas. Isto pressupõe a condição absoluta de que o partido exista na classe operária e nas massas manifestando-se aí enquanto tal. Seja conhecido e apreciado pelas massas, pela sua linha política e ideológica e pela prática de seus militantes e dirigentes. Só através de um largo período junto às massas, aprendendo com elas e educando-as, mobilizando e organizando sua luta de acordo com uma linha justa é que as massas reconhecerão o partido como seu, como sua vanguarda.
Portanto, a tarefa que cabe neste momento, no qual o proletariado está na defensiva, é a de estimular a ação da classe operária e seus aliados naturais - não as pseudovanguardas com quem tanto gosta de se distrair os esquerdismos - mas o proletariado, e não só o proletariado, mas também os trabalhadores assalariados das cidades e do campo, os camponeses em vias de proletarização, os camponeses pobres, os funcionários públicos, as camadas médias, e todos os que são objetivamente vítimas da exploração capitalista, mobilizando-os, organizando-os, educando-os para os engajar na luta a partir de uma linha justa.
E a linha justa hoje, não pode ser outra que não seja a de mobilizar, organizar, educar e dirigir a classe operária e seus aliados no cotidiano da luta de classes, nas suas reivindicações materiais, econômicas, das mais simples às mais elevadas. Luta que se trava sem interrupção, de maneira surda ou visível, e se irradia da prática da produção para todas as esferas da sociedade, reconstruindo suas organizações de luta, tendo a consciência que a batalha pelas reivindicações da massa – a luta econômica – é uma luta política e que a luta política só se dá sobre o terreno objetivo da luta econômica.
Luta pelas reivindicações concretas das massas, contra o desemprego, por melhores salários, melhor condição de trabalho e de vida, pela terra, por melhor condição de trabalho na terra. Lutas que as massas já estão travando em sua condição concreta, sem deixar de lhes apontar os limites destas e de lhes esclarecer sobre seus interesses.
Consideramos que o objetivo prioritário do trabalho político e organizativo é o de realizar a fusão real da luta econômica e política da classe operária e de seus aliados nas cidades e no campo, reconstruindo suas organizações de luta sindical e seu partido político.
Marco Antonio V. dos Santos

(CECAC)

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