sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pensamentando

ragmentos
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Por Luiz Rosemberg Filho, do Rio de Janeiro


Inventamos máquinas, tratados, imagens, palavras e repetições no progresso frágil das nações. Mas para quê?

“ Sermos ou não sermos compreendidos pelas figuras oficiais do momento pouco importa. Entre as massas anônimas que se ocultam por trás delas não faltam indivíduos que querem compreender e que, num momento dado, dão bruscamente um passo à frente; já muitas vezes tive a experiência disso.”
S. Freud

Colagem de Luiz Rosemberg Filho
Digamos que o futuro tornou-se um campo de concentração para os que sobreviveram às tantas e tantas guerras, necessárias ao capital. Vivemos todos uma espécie de desistência gradual onde o tempo perdeu a sua lógica e a imagem passou a ser o meu confessionário... Estou demasiadamente velho para acreditar em novos futuros, em compaixões ou idiotismos religiosos. É o efêmero e não o êxtase que rege nossas vidas sem expressão alguma com o infinito das possibilidades da criação. Pois em essência o ato de criar reconstrói a beleza, a paixão e a desordem, numa espécie de embriaguez intensificada pela arte. E como diz a nossa Rosa, filósofa: “A arte de viver é adversária do fascismo”. Fascismo que se tornou planetário com o consumo, a televisão e o espetáculo como estratégia da violência ruminada pelo dinheiro.

O tempo sempre foi essa desgraça para todos. E nos acomodamos como animais enjaulados, sem o sentido do próprio passar do tempo. O que vemos nas máquinas são apenas algumas sensações do passado já distante, já que a indignidade humana prevaleceu em tudo e todos. Talvez isso já seja o Purgatório, onde “a fronteira entre a realidade e a fantasia é tão tênue neste lugar circunscrito, horrivelmente solitário”... E nem posso mais me olhar como estou. Não posso mais ver o meu olhar, e as minhas rugas espalhadas pelo rosto.

Ora, qual será a duração do meu fim? Esforço-me para não chorar; mesmo porque não adiantaria nada... Vivemos no tempo do esquecimento fácil. Tento lapidar singularidades da memória distante. Já estávamos fartos do lirismo que nada dizia. Mesmo a função messiânica dos muitos discursos políticos nos empobreciam ainda mais. E entre delicadas e sofridas formulações filosóficas, o silêncio e a música como a nossa melhor referência de prazer. Tornou-se necessário dessincronizar as palavras das imagens, pois queríamos viver experiências concretas e também abstratas, pois como dizia o poeta: “Cada minuto de vida/ nunca é mais, é sempre menos.”

Talvez o grande erro dessa nossa geração tenha sido acreditar nas muitas explicações como justificativas para tudo. É como dizia Drummond: “Os parentes que eu tenho não circulam em mim./ Meu sangue é dos que não negociaram,/ minha alma é dos pretos,/ minha carne dos palhaços, minha forma das nuvens, e não tenho outro amor a não ser o dos doidos.” Ora, como queriam nos implicar em barganhas duvidosas sem nenhum conteúdo sólido ? Venderam-nos todos os dias, um estado de “licenciosidade erótica” sem gozo. Éramos alimentados por uma permanente submersão na lama das imagens e das idéias. Rumos e sombra do que estava por vir: o abismo difuso da morte. O corpo só como imagem. A palavra como síntese de um imenso vazio. O baixo truque da religiosidade cristã sem invenção, pois os porcos só queriam dinheiro e poder.

Foi sempre muito difícil não ser comum ou igual. A tendência dominante era rejeitar o pensamento e a sensibilidade, rumo às “armações metálicas” de um mundo sem poesia, mas sentimentalizado pela política das imagens. E aí estão elas apenas na memória. E ainda assim projeção do nosso fascismo cultural, ultraconservador. Vivíamos entre estilhaços da polícia e papagaios de direita justificando sempre a barbárie! Wall Street, Nova York, Califórnia, Hollywood e a Coca-Cola eram as nossas únicas referências, numa espécie de inversão erótica na degustação do caviar, champanha e capital na heroicização romântica da cocaína.

Na verdade, um clichê da modernidade sem expressão poética, em que tudo e todos se pareciam. E onde dormia e ainda dorme nossa trágica civilização. Deste “aprendizado” triste, resultam esses poemas visuais perdidos no tempo da memória! Já dizia o poeta na Arte de Amar: “Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo/ Porque os corpos se entendem, mas as almas não.” Anti- sentimentalizante, o paraíso poderia ser ali com força e expressividade.

Mas... optamos por envelhecer envergonhados com o que fomos, deixando tudo pelos caminhos da vida. Tempos divergentes empobrecidos pela porca política partidária, sem compromisso com a vida verdadeiramente vivida. E onde tal participação pensada implicaria em ousar e gozar, sem interdição alguma. Mas no medo, nos faltou desordem como inovação da vida. E muito por isso...

Inventamos máquinas, tratados, imagens, palavras e repetições no progresso frágil das nações. Mas para quê? Murilo Mendes escreveu numa homenagem a um amigo: “A inocência perguntou à crueldade:/ Por que me persegues?/ A crueldade respondeu-lhe:/ E tu, por que te opões a mim?” E como não foi possível uma resposta satisfatória, nos deixamos transformar em “mortos insepultos”. Em espectros! Nossa adesão mitológica ao inferno cristalizado numa existência embrutecida, chamada Brasil.

Claro, fomos para as ruas defender o patético discurso político. Atacar o capitalismo com seu modo de produção excessiva de amoralidades sempre insaciável. Mas no bojo da propaganda enganosa, o herói, a solidão e o capital atrelado ao sucesso na TV.

Ousaria dizer que o fetichismo do corpo-mercadoria é uma espécie de perversão lucrativa. Rege o sistema capitalista transformando o humano em máquinas de imagens. Satisfaz o capital, mas não à poesia como necessidade afetiva. E a vida, que já foi um bem maior, foi transfigurada num naufrágio aparelhado de bombas e fascismos. Enfim, só me restou essa máscara, onde não me reconheço mais como humano. Sou apenas parte da máquina que me possibilita ainda ver, e não mais tocar num corpo nu de mulher. Daí o sujeito sem gozo ligado por fios numa operação de repetições.

Máquinas que pensam por nós. A desonestidade como verdade dos discursos que nada dizem. E encolhido na escuridão destes tempos, aguardo o meu fim. Qual será a duração dessa viagem de despedida? Como devo responder? Nada de lágrimas. A máquina nos esvaziou de todo e qualquer sentido ou ação, impondo dores, ausências, medos e depressão. Sinto-me pouco à vontade. Sinto não mais ter uma percepção clara do tempo. Ora, o que foi que fizemos da “grandeza da multiplicidade humana”?

Silêncio e indiferença como resposta. Que serventia teria o saber agora, para os que estão partindo como eu? Carrego comigo um estado vagaroso de falecimento. E o indizível torna-se uma espécie de retorno às velhas reminiscências vividas intensamente no passado. E enquanto penso, prolongo minha vida. Para que e porque, não sei responder. Talvez seja o medo de não mais poder ouvir Bach, Mozart e Beethoven, que sempre me acompanharam agregados à beleza demoníaca do saber e do gozar. Poesia essa que carrego com satisfação sacerdotal.

Contudo, como pudemos acreditar em bancos, partidos políticos, planos de saúde, religiões, meios de comunicação, discursos e fascismos? Que sonhos podia nutrir em face da mudez berrante de todo esse lixo? Assim, ‘em consternada tristeza’, fomos passando pela vida, temendo mais a beleza que a morte. Por fim, eis a pobreza de nossa porca civilização de consumo: a involução entrelaçada à transfiguração do humano, do amor e humor. Foi para isso que nos vestiram com fardas e maldições doentias?

23/7/2011

Fonte: ViaPolítica/O autor

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