sexta-feira, 29 de março de 2013

Torturas

   
Circo da Notícia
ANOS DE CHUMBO
Quem paga, manda

Por Carlos Brickmann em 26/03/2013 na edição 739

Na época da ditadura militar, muito se falava dos empresários que financiavam a tortura organizada – promovida por entidades como a Operação Bandeirantes (Oban), que se transformaria em DOI-Codi. Parte das verbas destinadas à guerra clandestina e à tortura tinha como origem o desvio de recursos orçamentários; mas o dinheiro grosso, que pagava automóveis descaracterizados, viagens pelo Brasil e a países vizinhos, esquemas para livrar-se de corpos, compra de informações, compra de delações, infiltração, este não tinha como ser oficial. Dava-se como certo que o empresário Henning Albert Boilesen, que seria morto numa emboscada, era um dos grandes financiadores da repressão clandestina; mas outros certamente atuariam na mesma área, já que apenas um Boilesen não teria condições de sustentar um orçamento de tamanho porte.

Comenta-se que muitos empresários colaboraram por motivos ideológicos: queriam evitar a possibilidade de que movimentos apoiados por Cuba, China e União Soviética chegassem ao poder. Outros, também se comenta, foram vítimas de chantagem. E alguns (há muitos depoimentos que citam esse tipo de acontecimento, embora os torturados, até o ponto em que este colunista saiba, não tenham feito depoimentos formais sobre isso) usaram sua proximidade com a repressão para obter favores oficiais e ampliar suas empresas, criando dificuldades para as concorrentes.

Pois bem: discute-se quem matou e quem foi morto, discute-se onde estão os corpos, discute-se os desaparecidos, discute-se a possibilidade de, entre os desaparecidos, alguns terem mudado de lado, pagos ou não, e recebido estrutura e recursos para mudar de aparência, de vida e até de país. Quem pagou?

A Comissão da Verdade ainda não tocou neste assunto. O pedetista gaúcho Carlos Araújo, ex-marido da presidente Dilma Rousseff, cobrou essa investigação; e relatou à própria Comissão sua experiência pessoal, em que empresários com frequência assistiram à tortura, ou a incentivaram. Há pelo menos um caso, narrado a este jornalista, em que um empresário que o torturado não conhecia assistiu à tortura e se masturbou, comentando que há algum tempo não chegava ao orgasmo sem assistir ao sofrimento de alguém.

Quem? Quantos? Por quê? A resposta é complicadíssima: basta acompanhar os casos de corrupção que foram julgados para apurar que o intermediário pagou, que o corrompido recebeu. Na hora de descobrir e julgar quem deu o dinheiro ao intermediário faz-se um ruidoso silêncio. Um bom exemplo é o de PC Farias, condenado por intermediar subornos, e o de subornados por ele que também foram atingidos.

É uma especificidade brasileira: há um intermediário, há vários receptores do dinheiro, e não há quem tenha desembolsado a quantia entregue ao intermediário.

Tudo bem, faz muito tempo. Provavelmente a maior parte dos envolvidos já morreu. Se alguém estiver vivo e ficar provado que financiou a tortura, estará coberto pela Lei de Anistia e não sofrerá punição. Inútil procurar? Talvez. Mas, se tanta gente e tantos recursos são usados para descobrir o que realmente houve, deve haver um esforço para saber quem financiou todo o processo.

 (Observ. da Imprensa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário