quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Blackbocs

Em favor da atuação dos “Blackbocs”, argumenta-se que o seu estilo de atuar é uma resposta à violência policial. Diz-se até que são uma resposta radical à anomia que a sociedade capitalista impõe como norma de comportamento. Fica de pé a questão de serem uma reposta à anomia, ou parte dela. Pode até que entre as suas motivações esteja a resposta à violência da polícia. Mas o fato de ser uma resposta não anula a possibilidade de que seja uma resposta equivocada.

Há fantasias e ilusões a respeito da legitimidade do estilo blackbloc.

Uma fantasia é a de que eles estão inventando a roda no Brasil. Ou melhor, copiando a roda, pois seu estilo romperia com a pasmaceira das manifestações tradicionais seguindo a “norma”de sociedades mais avançadas, como a alemã, origem atual do estilo.

No Brasil o quebra-quebra já foi norma em manifestação. Por exemplo, nas grandes manifestações do final da década de 40, pós-Estado Novo, durante o governo Dutra. Eurico Gaspar Dutra, afinado com a direita que derrubou Getúlio em 45 (não foi a esquerda), não deu um único reajuste de salário mínimo durante todo o seu governo. Na época, o aumento de passagens em São Paulo motivou irrupções de quebra-quebra contra as companhias de transporte da cidade, duramente reprimidas.

Houve depois quebra-quebras pelos mesmos motivos no Rio e em Niterói, além de outras cidades brasileiras. Mas o último grande quebra-quebra aconteceu em 1954, logo depois do suicídio de Vargas. A multidão enfurecida depredou sedes de partidos opositores, sedes da mídia reacionária e até de partidos de esquerda que eram de oposição, acaudilhados pelo pensamento liberal de direita. E isto aconteceu em várias cidades brasileiras.

Depois as manifestações de rua se tornaram proibidas pela ditadura. E na redemocratização se tornaram mais específicas, sem isso de quebrar para todo o lado. Ganharam enorme amplitude com os fóruns sociais mundiais. Mas o tema do quebra-quebra deu a volta por baixo e retornou.

A diferença agora é que há um grupo de jovens que se apresentam como uma vanguarda contestadora da ordem capitalista, e “protetora” das manifestações a que comparecem.

Nào há tal proteção. Ao contrário, há exposição dos movimentos a que eles comparecem.

Agem como parasitas, tomando carona em movimentos alheios. Não há uma “manifestação blackbloc”. Eles vão a outras. Procuram, na verdade, roubar a cena.
E graças à exposição na mídia, em parte conseguem. Esvaziam o conteúdo político das manifestações a que comparecem. São os manifestantes perfeitos, para a violência policial e para a mídia conservadora: justificam tudo o que é preconceito contra manifestações de rua. A mesma mídia que agora os acalenta por porem em cheque os governos petistas, já pediu a sua cabeça e pedirá a seguir, se o governo trocar de mãos. Até mesmo os direitistas que se infiltraram ajudarão a baixar o cacete neles.

Dão como exemplo e modelo os “Autonomen” da Alemanha. Este estilo de comportamento se proclama herdeiro do movimento  Italiano “Autonomia Operaria”, dos anos 70/80. Nada mais fantasmagórico. O que era um movimento “obreiro-anarquista” do radicalismo daqueles anos se transformou hoje num ajuntamento de turismo quebra-quebra concentrado em determinadas manifestações-chave, como as do 1º. de maio em Hamburgo e Berlim, ou as contra as reuniões do G-8, como em Rostock, em 2007.

Há dois estilos predominantes nas manifestações dos “Autonomen”. Ou "Chaoten", como uma ala se denomina.

1) Seguem, como em Rostock, atrás da manifestação principal. Já no caminho, começam a depredar vitrinas de banco, de lojas, etc. Quanto a manifestação atinge o ponto de chegada – em geral uma praça onde há uma grande festa – eles se desgarram em direção a um ponto onde a polícia já está concentrada, e o pau começa. A galera na praça, entre barracas, cerveja, vinho, festa, acompanha à distância. Voam bombas incendiárias e lacrimogênias de parte a parte. As hostes investem umas contra as outras. Afinal as chamas de apagam. Na manhã seguinte – aqui é o país da Ordnung – não há mais vestígios: as vitrinas quebradas estão remendadas, as ruas estão limpas, os “Autonomen” estão voltando para suas casas, da Bulgária à Espanha.


2) O estilo 1º. de maio. Antes, este estilo imitava o primeiro. Agora mudou. No 1º. de maio, em Berlim, há uma grande festa de esquerda no bairro de Kreuzberg, uma confraternização entre nativos e imigrantes, coisa que na Europa é importantíssima, e de esquerda. Depois, quando a festa já está terminando, os “Autonomen” se reúnem e saem em passeata, aos gritos de “anti-anti-anti-capitalista”. O roteiro é previamente combinado. Da última vez pude seguir de perto as conversas entre membros da polícia, em civil ou fardados, e mebros dos  “Autonomen”, em frente à linha de medição mútua. Tudo cochichado, mas era evidente que informações passavam de lado a lado. Do alto da linha do metrô, que é de superfície no bairro, deu para ver a concentração de milhares de policiais no caminho traçado.Pois exatamente para lá seguiu a horda – sem pensar em alternativa. Daí é só atirar a primeira pedra, e pronto, a fumaceira do gás lacrimogênio, dos carros incendiados, das agências de banco queimadas, junto com os estilhaços das vitrinas se espalha pelo bairro. Se você estiver no caminho, azar o seu.

Fico pensando na loucura de tudo isto. É um estilo afeito ao narcisismo individualista que se espalha hoje feito praga. Não é mais necessário ter seu rosto na mídia, em seus quinze minutos, ou segundos, de fama. Basta ver os efeitos, e saber que a sua rede sabe que é você que está lá.

Mesmo que seu rosto seja apenas uma incógnita.

Sem dúvida, um fenômeno a ser estudado, não apenas reprimido.

Mas não a ser imitado. Democracia é outra coisa.
(Caros amigos)

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