segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Costa-Gavras

O cinema de Costa-Gavras
por Mariana Carolo
O olhar de um grego sobre a recente história latino-americana


Konstantinos Costa Gavras, também conhecido como Costa-Gavras, é um cineasta grego que tinha tudo para ter sido apenas mais um diretor de filmes qualquer...


Contudo, a partir de sua segunda produção, “Um homem a mais - Tropa de choque” de 1966, o mesmo começou a revelar a sua atração por assuntos espinhosos, bem como o seu incansável ativismo e um espírito questionador. Marcas que acabaram fazendo dele a grande estrela da geração do cinema político dos anos 70.

Esteticamente, os filmes de Costa-Gavras são simples e lineares. Tanto que muitos dos seus críticos afirmam que as suas produções subestimariam a inteligência do espectador com um irritante didatismo. Argumento que é respondido pelos seus defensores com a ideia de que, na verdade, o grego trabalharia primando pela agilidade e competência técnica. Outra fala recorrente dos detratores do cineasta é a de que a sua obra seria descaradamente panfletária.

Em contraponto, pode-se dizer que Konstantinos nunca procurou alcançar uma neutralidade inalcançável. O mesmo sempre defendeu que fazer cinema seria fazer política e que política seria história concentrada. Por isso é que muitas das suas películas retratam distintos momentos, como os regimes de segurança nacional que assolaram a América Latina nas décadas de 1960, 70 e 80.

Dois títulos de Costa-Gavras tratam diretamente sobre as ditaduras civil-militares latino-americanas. Primeiramente, no ano de 1972, foi rodado “Estado de Sítio”. Filmado no Chile de Allende, o mesmo foi baseado em um caso real, ocorrido em 1970: o sequestro do agente estadunidense Dan Mitrione (Yves Montand), pelo grupo de guerrilha uruguaia Tupamaros.



Mitrione, treinado pela Agency for International Development de Washington, veio para a América do Sul ensinar ao governo brasileiro e, depois, ao uruguaio, técnicas de tortura. O norte-americano foi sequestrado em Montevidéu como uma resposta ao endurecimento da repressão, a meta era trocá-lo por presos políticos. Com a negativa de Juan Maria Bordaberry em negociar, o torturador foi morto com tiros na cabeça. A descoberta do corpo e o seu funeral é o ponto de partida de “Estado de Sítio”, que voltará no tempo para contar como se desenrolou os dez dias de cativeiro.

“Estado de Sítio” fala através de ausências, ressaltando como o silêncio era eloquente naqueles anos de chumbo. Por exemplo, na cerimônia fúnebre de Mitrione, estão presentes todos os ministros, chefes das Forças Armadas e o corpo diplomático do país. Mas, desagradavelmente, a câmera aponta que o espaço reservado ao corpo universitário e ao arcebispo está vago. Aqui, Costa-Gavras habilmente joga na tela que uma parcela da sociedade uruguaia não compactuava com as homenagens ao morto e com o que ele fazia.
Por fim, cabe destacar que nada mais natural, devido à forte carga contestatória de “Estado de Sítio”, que a produção não fosse rodada no Uruguai. Naquele momento, o Chile era o lugar ideal, por ser então governado pela Unidade Popular de Salvador Allende. O irônico, é que, dez anos depois, em 1982, Costa-Gavras teve que recriar cenários de novo. E, dessa vez, as paisagens refeitas eram as do próprio Chile, que se encontrava sob as garras de Augusto Pinochet. É assim, em território americano, que se desenrolará “Desaparecido, um grande mistério”.

Vencedor de prêmios como a Palma de Ouro de 1982 e o Oscar de melhor roteiro adaptado de 1983, o título conta como o jornalista Charles Horman (John Shea) foi levado para interrogatório, e assassinado no decorrer do mesmo, durante o golpe liderado por Augusto Pinochet. Devido ao sumiço de Horman, Ed (Jack Lemmon), o seu pai, vai para o Chile e, junto com a sua nora, Beth (Sissy Spacek), refaz os passos do filho até o seu desaparecimento.

missing.jpg Pôster de “Desaparecido, um grande mistério”

“Desaparecido...” apresenta o golpe de Estado chileno ao mundo através do drama de uma família estadunidense. Na película, desde o começo são vistos jovens confiantes em sua cidadania norte-americana, postura que revela uma alienação de quem se considerava protegido pelos tentáculos de seu Estado até nas paragens mais remotas. E certa ignorância, por desconhecerem o quão sua nação estava envolvida nas ditaduras que desabavam por toda a América Latina. O grego Costa-Gavras então pinça uma história dentro desse grupo, a de Ed e seu filho Charlie. Mas esse drama não é superdimensionado no filme. O diretor deixa claro que esta foi mais uma história dentre os milhares de casos que foram vivenciados pelo povo chileno e por quem ali se encontrava: Charlie é só mais um a ser morto dentro do Estádio Nacional.

Contudo, Costa-Gavras não filma só o lado feio dos humanos. Também temos na película a solidariedade (Ed e Beth mal se conheciam, mas a dupla se ampara para suportarem a dor da perda de alguém querido e a ignorância do que ocorrera com essa pessoa) e a indignação, transcendendo nações, interesses etc. Os antes ingênuos norte-americanos ganham nossa simpatia quando assistimos a eles se voltarem contra os burocratas de seu país que ajudaram a pintar tal quadro de horror em um espaço que não lhes pertencia. Assim, Costa-Gavras constrói uma trama que aponta para uma indignação única: mesmo aqueles que são oponentes no modo de vida, que vivem com valores e princípios opostos, não podem aceitar silenciosamente o assassinato como arma política do Estado contra os indivíduos.


marianacarolo
Artigo da autoria de Mariana Carolo.
a dona de mil galáxias.
Saiba como fazer parte da obvious.

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