sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Eugenia

Loucuras da genética: Homens-macaco e a “purificação da humanidade”
publicado em artes e ideias por joão lobato

Um biólogo que queria criar homens-macaco, um inventor de telefones que defendia a esterilização dos surdos para que estes não tivessem filhos e um ditador que provocou o Holocausto. Qual o elo que os une? A ideia de “melhorar” geneticamente os humanos! Eis um exemplo de como a ciência também comete os seus erros e com consequências devastadoras.


A “Árvore da Eugenia”, símbolo do movimento eugénico em diversos países.

Criar raças híbridas de animais era algo a que o biólogo russo Ilia Ivanov já estava habituado. Uma criatura com as características da zebra e do burro, e outra que juntava a vaca ao bisonte, era este o seu currículo em inícios do século XX. Para ser ainda mais audaz, quis misturar o ser humano com o seu parente mais próximo – o chimpanzé.

Quando, em 1924, a revolução bolchevique comemorava o seu décimo aniversário, o investigador propôs aos líderes da União Soviética passar da teoria à prática. Bastava uma considerável soma de dinheiro, um punhado de primatas e algumas mulheres férteis para que as experiências começassem. Apesar de a maior parte dos cientistas russos reprovarem as suas intenções, Ivanov recebeu o financiamento para desenvolver as suas tenebrosas ideias.

Em 1926, os planos do “Frankenstein Vermelho” (o novo epíteto de Ivanov) deixaram de ser segredo, com a imprensa ocidental a interrogar-se, numa mescla de espanto e choque, sobre o que estariam os soviéticos a tramar.

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Propaganda Nazi. Segundo o regime de Hitler, em 60 anos a população alemã passaria a ser constituída, por 80% de indivíduos “socialmente inferiores”. Para o evitar, a solução passava por impedir que procriassem.

Para o investigador russo, gerar um bebé meio humano, meio macaco, seria a prova irrefutável de que Charles Darwin tinha razão quando defendeu que o ser humano descende de primatas. Na mente dos bolcheviques, seria um golpe certeiro na religião, ridicularizando o mito de que a humanidade era fruto de divindades.

Ao mesmo tempo, a investigação integrava-se num vasto plano que visava mudar a sociedade, em direcção à utopia socialista. Para os intelectuais bolcheviques, só a ciência seria capaz de transformar radicalmente as pessoas. Desenvolvendo técnicas como a inseminação artificial, acreditavam ser possível escolher certas características, eliminando outras como a competitividade, a ganância e o desejo de propriedade. Numa época de efervescência revolucionária, nada tinha limites.

Ivanov viajou até à Guiné, em África, onde desenvolveu vários testes em chimpanzés. Apesar de ter inseminado sémen humano em chimpanzés fêmeas, a tentativa redundou num fracasso, pois nenhum dos primatas conseguiu fecundar.

Frustrado, o “Frankenstein Vermelho” voltou à pátria russa disposto a recorrer ao igualmente bizarro plano B: usar os espermatozóides de chimpanzés em fêmeas humanas. Cinco mulheres ofereceram-se a Ivanov como cobaias, mas eis que tudo voltou à estaca zero quando o único chimpanzé fértil que Ivanov tinha morreu subitamente.

Quem não perdoou o fracasso foi Estaline. O cientista tornou-se numa das vítimas das famosas purgas do líder soviético, acabando por morrer exilado num dos cantos remotos da URSS, em 1932.

Para muitos ocidentais, o insucesso de Ivanov foi um alívio, uma vez que impossibilitou Estaline de possuir um formidável e obediente exército de homens-macaco.

Eugenia “made in USA”

Do outro lado do Oceano Pacífico, nos EUA, a purificação também teve os seus defensores. Os cientistas estavam sobretudo preocupados em limpar a raça humana de qualquer “poluição genética”. Bastava impedir que os cidadãos “menos aptos” tivessem filhos, nem que para isso tivessem de os esterilizar.

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Propaganda a favor da eugenia nos (EUA).

Esta selecção reprodutiva, aplicada para preservar certos grupos humanos, ou algumas das suas características, ficou conhecida como “eugenia” (do greco “eugénés”, que significa “bem nascido”), com a sua prática a ser defendida em finais do século XIX pelo antropólogo britânico Francis Galton. Todavia, esta ideia jamais foi aplicada, a nível legislativo, em terras de Sua Majestade. Simplesmente, a tradição democrática no Reino Unido parecia demasiado forte para tamanho “nonsense”. Era o poder político a opor-se aos cientistas.

Mas o “disparate” pareceu não encontrar uma oposição tão veemente nos EUA, onde encontrou ecos legislativos. De tal modo que até a poderosa família Rockefeller sustentou, financeiramente, institutos científicos que apoiavam a prática da eugenia.

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Propaganda a favor da eugenia (EUA).

Um dos primeiros promotores da eugenia em terras do Tio Sam foi o pai do telefone, o inventor Alexander Bell. Enquanto vendia o seu aparelho pelo país, Bell dedicou-se a estudar a taxa de surdez no território americano, concluindo que a deficiência se transmitia de pais para filhos. A sua solução para o problema consistia em proibir o casamento entre pessoas surdas.

Talvez esta conclusão se devesse ao medo de Bell de que o seu invento não fosse apreciado por todos, mas a verdade é que ideias como a sua começaram a ganhar mais ouvintes.

Em 1896, surgiram as primeiras leis que proibiam o casamento de quem fosse “epiléptico, imbecil ou de espírito fraco”. Entretanto, doenças como a esquizofrenia e a desordem bipolar foram diagnosticadas como hereditárias, promovendo a ideia de que era necessário impedir a sua passagem às gerações seguintes.

O devaneio extremou-se quando a esterilização forçada dos indivíduos com estes sintomas foi legalizada em 1907, no estado do Indiana. Uma trintena de outros estados seguiu o exemplo.

O passo seguinte foi a segregação racial, com base no argumento de que os cidadãos “inaptos” (como passaram a ser denominados), vinham da classe social mais pobre, constituída em grande parte pela população negra e imigrantes.

A miscigenação entre brancos e negros foi proibida nalguns estados, enquanto uma hierarquia de nacionalidades passou a guiar a entrada de estrangeiros no país. Os mais desejáveis vinham do Norte da Europa, enquanto quem era da zona mediterrânica, ou da Ásia, arriscava-se a ter que apanhar o barco de regresso a casa.

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Publicação norte-americana sobre a “Ciência da Eugenia”.

Influenciado com o que estava a ser feito além Atlântico, Adolph Hitler decidiu importar o modelo para a Alemanha Nazi. A diferença consistiu na sua massificação.

Mais de 400 mil alemães foram esterilizados, seguindo-se a eutanásia forçada de dezenas de milhares de idosos e doentes crónicos. A “ciência racial” acabou por atingir uma escala macabra com o eclodir da Segunda Guerra Mundial, através do genocídio de cerca de 17 milhões de judeus, eslavos, ciganos, homossexuais, entre outros. O Holocausto, o símbolo maior deste período negro da história da civilização humana, ganhou assim forma.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e a denúncia pública da barbárie Nazi, a eugenia caiu em desgraça, com a comunidade científica a opor-se-lhe frontalmente. Todavia, a esterilização forçada ainda se manteve até à década de 70, do século passado, em países como os EUA e a Suécia.

A ideia de “purificar a raça humana” acabou por se tornar num sinónimo de abominação, com a ciência a protagonizar um dos seus maiores momentos de desacerto. Era a prova de que nem todo o (suposto) progresso científico pode ser aceite como uma evolução social.

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Com o descrédito da eugenia, muitas publicações científicas que abordavam o tema da genética tiveram de mudar de nome, adoptando um que fosse politicamente correcto.




joão lobato não gosta de verdades absolutas e sente-se feliz por ainda ter a curiosidade de uma criança. Saiba como fazer parte da obvious.

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