terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Battisti

Cesare Battisti, "ao pé do muro"
Por fim acolhido como imigrante, Cesare Battisti é proibido de fazer declarações pollíticas. Em torno dele, no auditório da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, os militantes socialistas e sindicais lembravam os comitês de apoio montados para pedir a sua liberdade, os anos de chumbo da Itália e o período ditatorial brasileiro. Battisti falou de seu novo livro, "Ao Pé do Muro". Desceveu-o como o último de uma trilogia de uma produção feita por detrás das grades.
Maria Inês Nassif
Porto Alegre - "A questão é política, não é pessoal. Eu acredito nele", repetia aos repórteres Maria de Lourdes Nogueira de Paula, de 81 anos, uma das integrantes de uma delegação vinda de Fortaleza para o Fórum Social Temático - mais de uma dúzia de pessoas que se apertaram num microônibus e viajaram três dias para quase que literalmente atravessar o país. Maria de Lourdes trazia na cabeça um imenso chapéu de palha, onde letras pretas, igualmente grandes, anunciavam a crença do grupo: "Sair do capitalismo". Foi na frente de uma bateria de uma escola de samba e cantando um samba enrêdo que há dois anos levou aqueles militantes para as ruas da capital cearense para reivindicar, no carnaval, a soltura do ex-ativista político Cesare Battisti, que Maria de Lourdes chegou ao evento onde o italiano, hoje imigrante acolhido oficialmente no Brasil, lançaria o livro "Ao Pé do Muro".

O livro não chegou a tempo, o lançamento foi adiado para março, mas a sala em que Battisti dividiu a mesa com o professor da Unicamp, Carlos Lungarzo, argentino de nascimento, com Francisco Soriano, do Sindipetro-Rio e com a professora Rosa Fonseca, ex-presa política, do mesmo grupo "Sair do Capitalismo" da animada Maria de Lourdes, estava cheia, para os padrões dos eventos menores do FST.

"Antes que perguntem, a vinda de Battisti foi financiada pelo nosso sindicato", anunciou Soriano logo na abertura do evento, que atraiu emissoras locais de televisão - e para cada uma delas Maria de Lourdes, que é "base da Previdência" (militante sindical dos trabalhadores previdenciários), falou que o problema de Battisti "foi político, não pessoal", inclusive para um dos repórteres que, insistindo, perguntou a ela se o italiano "merece" sua solidariedade. Battisti, condenado na Itália pela sua militância política no PAC, nos anos 70, na Itália, nos chamados "anos de chumbo", período conturbado por um embate violento do poder público e de grupos de extrema direita, de um lado, e as organizações de esquerda que defendiam a ação pelas armas.

Battisti ficou preso no Brasil de 2004 a 2010, enquanto governo e justiça ficaram às voltas com um pedido de extradição do governo italiano e pressões diretas do então primeiro-ministro Sílvio Berlusconi. O pedido do governo italiano foi negado por Lula no apagar das luzes de seu mandato e, finalmente, a decisão presidencial foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como legítima, acabando, por fim, as idas e vindas judiciais protelatórias que o mantiveram inicialmente confinado na Polícia Federal, em Brasília, e depois no Presídio Papuda, também no Distrito Federal.

Por fim acolhido como imigrante, Cesare Battisti é proibido de fazer declarações pollíticas. Em torno dele, no auditório da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, os militantes socialistas e sindicais lembravam os comitês de apoio montados para pedir a sua liberdade, os anos de chumbo da Itália e o período ditatorial brasileiro. Battisti falou de seu novo livro, "Ao Pé do Muro". Desceveu-o como o último de uma trilogia de uma produção feita por detrás das grades. O primeiro deles, "Minha Fuga sem Fim", escrito já na prisão, foi uma peça de sua defesa, a sua versão para os fatos que o condenaram, na Itália, à prisão perpétua; "Ser Bambu" é um livro intimista, a descrição da vida de um desterrado.

O livro que será lançado em março, segundo ele, completa o tempo na prisão. É a narrativa - como ficção - das histórias que ouviu na cadeia. Foi junto dos presos e das histórias de suas cidades de origem, suas famílias e suas vidas que conheceu o Brasil. "Escrevi o livro na cadeia e ele fala de prisão". É, todavia, uma obra de ficção. "Usei o recurso da ficção porque a realidade é dura demais. É possível fazer um documentário, mas eu preferi a ficção, afirmou Battisti. Sua matéria prima foi, mais do que o relato dos companheiros de cadeia, o relato de suas emoções. Um preso, contou, idealiza a liberdade, e quanto ele fala da saudade de sua família, de sua casa, sua história está envolta na emoção.

O escritor descreveu o livro como um "romance social". "Para mim a história não tem importância, e sim o tema. É possível escrever um romance sem história, mas não sem tema", disse. Uma vez nas livrarias, no entanto, ele considera fechado o ciclo. A trilogia foi iniciada e terminada na condição de prisioneiro, ou com a visão do prisioneiro.

Tratado em todos os anos que esteve preso como "terrorista" pela mídia brasileira, reivindicou, no entanto, ser chamado pelo seu ofício. "Sou escritor", definiu-se, para o público de sindicalistas. Quando os jornais descrevem um massacre na casa de uma família, colocam o nome do suposto culpado e sua profissão. "Pedreiro, por exemplo". Ele, no entanto, foi o Cesare Battisti, terrorista italiano, durante todo o tempo em que foi mantido no cárcere.

Depois de um ano de liberdade, e embora considere que ainda precisa de um tempo para superar os traumas da prisão, Battisti já decidiu que vai morar no Rio - aliás, onde vive agora. Vai trabalhar com comunidades carentes, como fazia na França, no período em que viveu lá - já definidos o Complexo do Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e Cidade de Deus. "Espero um dia poder trabalhar nas prisões", disse.


Fotos: Rafael Correa
(Carta Maior)

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