sábado, 13 de julho de 2013

Mais DDD - Diário de um Deus em profunda Depressão

DDD (Diário de um Deus em profunda Depressão)


“Não ensinaram-me a ser Deus, ninguém disse como devo agir, como pensar, quais as minhas regras e normas de comportamento (não existem escolas de Deus, mestres de Deus): o fato é que tornei-me Deus (sou Deus desde pequininho e nunca saberia ser outra coisa senão Deus). Estabeleci meus próprios ditames para uma escala de valores também criada por mim (eu criei a escola e criei também os professores e criei também os alunos), enfim, sou um Deus autodidata. Mas, acreditem, não haverá sucessores (como jamais houve antecessores), minha dinastia iniciou comigo e findará comigo, meu legado sou eu mesmo. Eu não pedi para ser Deus, custa-me muito ser Deus, eu sofro em ser Deus. No entanto, já que sou Deus, decido: pretendo morrer Deus.”

“Eu gostaria tanto de receber estímulos, aspirações, receber desafios e provocações. Instigar-me! Eu não quero ser eternamente onipotente! E minha onipotência não é pleonasmo!”

“Triste, muito triste hoje. Inseguro, infeliz, não tenho amarras, apoios, um ponto ou alguém que me ampare, me dê um pouco de alegria, fugaz e ilusória que seja (vivo em eterna expectativa, antecipando sempre algo – em geral negativo – que ainda irá ocorrer. E se realmente, indago, eu me adiantar e precipitar-me a algum futuro que jamais ocorrerá?).”

“...e o chato é que precisamente este filme eu já assisti várias vezes antes e sei muito bem que eu (infelizmente) não morro no final. Sobrevivo (pois eu queria sobreviver: eu mesmo escrevi o roteiro e dirigi-me) e vejo-me forçado - por quem? - a assistir a nova versão atualizada e aperfeiçoada de mim mesmo. Como em música: variações diversas e ligeiras em torno de um só tema. Mas se o tema e o cineasta sou eu mesmo! E as variações nada mais são que eu mesmo em ângulos variados!”

“Fiz o mundo, fiz o universo, o Todo (fiz-me!) e agora aqui estou: solitário e pensativo, tudo às escuras (a lâmpada queimou há pouco), sem uma aragem, uma ventilação (pois o meu quarto, o quarto de um ‘morto’, um ‘sobrevivente’, não possui janelas ou aberturas - nem uma porta ou clarabóia. É um imenso e ao mesmo tempo grandioso ‘labirinto’ que desemboca noutro labirinto também imenso e majestoso e assim por diante) e tudo encontra-se morto e frio e fétido e eu, depois de tudo, depois da criação, apenas olho-me, vejo-me (sinto-me). Afinal, é o suficiente. Para quê mais?”

“ ‘Ela’ voltou. Sorriu para mim, graciosa. Chamou-me pelo apelido, alegre; lembrou-me de antigos e fiéis amigos, camaradas...é, o meu passado retorna...um passado triste...uma vontade de chorar...MAS EU SOU DEUS!!!”

“A existência também tem seus limites, suas porteiras, eu sei. Existimos e vivemos tranqüilamente cada um de nossos períodos mas, em um certo momento sentimos que tocamos, que roçamos em um ‘ponto’, um ponto limítrofe, um marco qualquer em um lugar qualquer, que nos diz, ameaçador, que até ali tudo bem, depois...Daí urge optar entre parar obediente, obedecendo as ‘ordens’, determinações do Todo ou, ousadamente, atravessar a fronteira da Imensidão, ‘aquele’ limiar e, de um só pulo, desafiar o Nada.
...desse ponto de vista eu poderia muito bem estar próximo do meu ápice: uma simples gota a mais sobre o copo e eu entraria em definitivo em outro ciclo, outra dimensão, outro mundo. Deixaria, portanto, de ser Deus desse universo para ser, talvez, alguma coisa indefinida noutro universo (um outro Deus?). A questão seria: eu desejo de fato atingir essa culminância, desejo realmente transcender-me, soltando-me, deixando-me de lado, jogando-me no lixo para então ressuscitar-me, qual fênix?”

“Existo por instantes, pequeninas e fugazes etapas de tempo. Períodos de tempo circunscritos e comprimidos dentro dele mesmo. Um tempo egoísta e avaro, um tempo exíguo e limitado, é verdade. Um tempo finito e cor de rosa desbotado e com seus limites delineados e delimitados previamente (as regras do jogo já foram devidamente acertadas e combinadas; impossível fugir ao regulamento). É, eu vivo num tempo impotente e débil (mas eu sou o tempo!). Às vezes concedo-me uma trégua, ‘apago-me’, ‘desapareço-me’. Corrijo: às vezes surpreendo-me numa repentina e desconhecida lacuna (pois ignoro quem ou o quê a determinou, a prescreveu, qual, enfim, a sua finalidade. Tudo a minha revelia, claro: ordeno e disciplino a tudo, menos a mim mesmo. Seria talvez alguma instância superior? Algo acima e à parte de mim? Externo e alheio a mim? Afinal, quem ou o quê dá as cartas - marcadas! - para o meu jogo?).
Não indaguem - suplico - o que resta, o que sobra neste vácuo, nesta minha ausência. Quiçá a própria ausência, ela, por si mesma, permita-me descansar em paz. Portanto, presumo, quando gozo de férias de mim mesmo, o nada surge para ocupar o meu lugar. O nada, apenas o nada, um nada íntegro, digno, crível e absoluto (Acaso a imensidão seria eficaz, tecnicamente perfeita e eficiente? Uma razoável gestora? Não sei, realmente não sei: quando em férias desligo-me totalmente do mundo, da vida, de tudo. Escondo-me! Desapareço-me!).”

“Deus suicida-se? Não sei. O fato é que a onipotência, a onisciência, tem suas singularidades, tem suas imperfeições e pequenos senões. No entanto, pergunto: a onipotência pode (ou deve) consertar-se, aperfeiçoar-se, morrendo, talvez, em seguida? (ou o próprio findar, expirar já não seria em si a solução?) Viver já não seria, insisto, sofrimento demasiado para um Deus? Reconheçamos: a morte é estéril e infértil, a morte não pode reproduzir-se, não perpetua-se. Pois a morte inicia-se e termina nela mesma, um ciclo eterno e infindável e no entanto, castrado, cujo fim é antevisto desde os primórdios: algo como uma morte anunciada e preparada.
(E nunca houve um caso de um Deus suicida, eu sei muito bem. Nós, Deuses, estamos terminantemente proibidos de tentar a morte. Fomos condenados duramente a viver. E viver para sempre, eternamente. Soluço)”

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