quinta-feira, 4 de julho de 2013

Sexo

Pornografia, a ilusão do prazer
Por
Bruno Carmelo

A partir de making of de filmes pornográficos, filme francês reflete sobre a representação idealizada do sexo e do prazer.


Por Bruno Carmelo, do Discurso-Imagem.

Il n’y a pas de rapport sexuel (“Não há relação sexual”) nasceu do encontro improvável entre Raphaël Siboni, famoso artista plástico, e HPG, diretor e ator de filmes pornográficos. Por coincidência, o trabalho de ambos é financiado pela mesma produtora, a marginal Capricci filmes, que propôs a Siboni pegar milhares de horas de making of do diretor pornô e fazer um documentário a respeito. Cada um impôs suas condições: Siboni exigiu que HPG não tivesse influência nenhuma na escolha das imagens, enquanto este último impôs que não se falasse na remuneração dos atores. Acordo fechado.

O título, o irônico “não há relação sexual”, faz referência ao psicanalista Jacques Lacan, que sugeria que mesmo no ato sexual a dois, o verdadeiro prazer não está na outra pessoa, e sim nos fantasmas projetados nela. Assim, o prazer seria mental mais do que corporal, e principalmente individual. Esta escolha dá uma boa noção do conteúdo bastante acadêmico e teórico que se pode ver, contra todas as expectativas, nesta colagem de cenas de coito, esperma, pênis, vaginas, penetrações duplas, sodomia, sexo grupal e todos os tipos de fetiches.

O início representa de maneira excepcional o discurso do diretor: uma bela atriz pornô espera sentada numa cadeira, enquanto HPG prepara a iluminação e a câmera. Ao seu lado, um homem se masturba para manter a ereção. Ela boceja de um lado, cutuca algumas pequenas feridas da pele, enquanto seu parceiro aumenta o ritmo frenético da masturbação. HPG grita: “Ação!”. Imediatamente, ela monta sobre seu parceiro, faz caras e bocas, geme, insinua todos os tipos de posa. A cena termina, ela volta para o seu canto, novamente entediada. Ele continua a se masturbar para a cena seguinte.

Este filme não é um ataque moralista sobre a “objetificação dos corpos”, sobre a exploração das mulheres nem nada do gênero. Ele tampouco é um tratado social, do tipo que observa a integração da profissão pornográfica com a vida cotidiana dos atores, com a família, amigos, salário, planos de carreira etc. Evitando a narração ou o desenvolvimento de uma história, a direção prefere colar cenas, uma ao lado da outra, sem grandes explicações, “como se faz nos vídeos da Internet de hoje em dia”, comenta Siboni.

Assim, o efeito produzido não é de crítica, nem de excitação – poucos filmes com tal quantidade de sexo explícito conseguiram ser tão pouco excitantes, aliás. Esta foi uma das razões pela qual Il n’y a pas de rapport sexuel foi classificado “apenas” um filme proibido para menores de 18 anos, e não um filme X, o que teria reservado sua projeção às salas de cinema pornográficas. E para a surpresa geral, a obra chegou aos cinemas independentes coroada de excelentes críticas.

De fato, Siboni efetua um mosaico um tanto triste, patético e mecânico da ilusão de prazer, da idealização do sexo, tanto heterossexual quanto gay. Os atores são vistos na espera entre as cenas, ensaiando frases ridículas como “Ai, como é gostoso o esperma dos desconhecidos!”, proferida por uma jovem cercada por três pênis em ereção. Raramente os atores se olham no rosto, de tão concentrados em suas performances individuais. A ausência voluntária de contexto, o confronto constante entre os personagens fetichizados e as pessoas comuns que os encarnam gera um efeito cômico, despretensioso, e uma certa forma de distanciamento em relação ao material – o que é contrário ao próprio princípio de imersão da imagem pornográfica.

Curiosamente, este discurso sobre a ilusão do sexo faz referência à ilusão da própria imagem. Enquanto os making of tradicionais, publicitários, revelam a parte técnica da realização mas mantém o fetiche do estrelato, Il n’y a pas de rapport sexuel ignora o aspecto técnico para humanizar estas figuras dotadas de uma imagem sobre-humana, com pênis imensos, seios superdimensionados e orgasmos múltiplos. O filme escolhe as imagens que as mostram apenas como pessoas comuns, sem prazer particular pelo que fazem, sendo penetradas com o mesmo profissionalismo indiferente de um operário padrão que produz a mesma peça dez vezes por dia. A pornografia é acima de tudo um trabalho, e as aulas de “como simular uma felação” dadas pelo diretor aos atores iniciantes no “softporn” (filmes sem penetração nem imagem de órgãos genitais) é um ótimo exemplo disso.

A cereja do bolo é o fato de Siboni ter conseguido aproveitar, e muito bem, a estética involuntária deste making of. A câmera está colocada num tripé, numa altura fixa, e ela permanece nesta posição por muitas horas, de modo que tanto o diretor quanto os atores se esquecem da sua existência. Esse enquadramento aleatório produz momentos interessantes do uso do extra-quadro, além de algumas composições que dificilmente teriam sido escolhidas por HPG ou o próprio Siboni (uma atriz, de pernas abertas sobre o sofá, geme enquanto sua vagina e seu ânus ocupam praticamente todo o enquadramento, durante longos minutos). Os corpos são reduzidos a um material plástico, órgãos genitais são vistos como ferramentas de trabalho e os gemidos de prazer parecem tão artificiais quanto os sorrisos em propagandas de margarina. Il n’y a pas de rapport sexuel é um excelente estudo sobre a ilusão e o fetiche dos corpos, do sexo, da imagem e do cinema.

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(Outras Palavras)

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