sábado, 2 de junho de 2012

Lessa

Ivan Lessa: E eis aí – Au! Au! - o Mundo Cão Ivan Lessa em ilustração de Baptistão Ivan Lessa Colunista da BBC Brasil Atualizado em 30 de maio, 2012 - 05:22 (Brasília) 08:22 GMT Facebook Twitter Share o Lá por volta de 1962, entrou para o trivial ligeiro de nosso léxico a expressão "mundo cão". Era quando queríamos nos referir a qualquer bizarria, que poderia se referir desde a uma nota lida em jornal espalhafatoso. Um homem matava, esfolava e comia o colega de trabalho na oficina. Mundo cão. Au! Au! Colunas anteriores Ivan Lessa: De consoladores e vibradores Ivan Lessa: Um consolador na janela Ivan Lessa: VocêTuba? Tópicos relacionados Colunistas Os pobres com sua pobrezas: mundo cão. Tudo devido a dois filmes italianos com esse título que andaram fazendo sucesso mundo afora. Documentais. Exploravam o inusitado (não, não havíamos visto nada) e taca na tela mulheres africanas correndo atrás de presas exóticas ou para degluti-las ou pelo mero esporte beirando o olímpico de perseguir gente. E cemitérios para cães. E culinária americana na base de comer formiga, barata, larva ou minhoca. Um espasmo de nojo na plateia repleta e o gerente do cinema sorria satisfeito. Au! Au! Sabíamos que o mundo tinha dessas coisas, mas a televisão não mostrava e a televisão e a informática não eram mais que um par de brilhos nos olhos de quem ainda não bolara o ponto a que chegamos 50 anos depois. Vale tudo e tem de tudo para todos os gostos. Ninguém mais fala em "mundo cão". Limitamo-nos a ganir com o resto de nossos semelhantes. Somos todos documentais italianos agora. Já vimos de tudo e há, nesses assuntos mais esotéricos, ou um canal de TV ou um website especializado. Au! Au! As nossas estranhezas viraram lugar-comum e chavão. Nada do que é irrazoavelmente desumano nos é estranho. Pegamos intimidade com o inusitado. Não farei um desfile, mas abra comigo um jornal, que seguramente noticiaram pelos 7 ventos e 4 mares, ou vice-versa, essa notícia do rapaz japonês, é claro (por que "claro"?), que tem por nome Mao Sugiyama, e 22 aninhos de idade, que cortou fora os penduricalhos de sua genitália, cozinhou e serviu para seletos gastrônomos de Tóquio. Não ganhou um único Uau! e faturou pouquinho. A carrocinha do Tempo acabou com os cães de 50 anos atrás. Foram-se os cães, ficou esse mundão que aí está... E metade dele desabalado por aí com uma tocha portando a lendária chama olímpica das Olímpiadas armada pelos nazistas nos Jogos Olímpicos de 1936. Não gostam de lembrar, mas que foi bolação do atilado sr. dr. Joseph Goebbles, ministro da propaganda do governo de outro sr. dr., este Adolf Hitler por nome. Correm com um símbolo nazista nas mãos e querem recorde no salto em altura e no tríplice, entre outros. Au! Au! e Bow Wow! como se late propriamente em inglês. Esta semana, na televisão, que nos aperta em seus braços fortes, lá estava a Marcha das Vadias ocorrida no Brasil, cujo objetivo não era outro senão mostrar que, numa sociedade machista, somos todos, digo, todas, umas boas vagabundas com muita honra. Au! Au! Passando a um patamar literário, que nem só de comer barata vive o homem, principalmente o homem brasileiro, é notícia de destaque que a editora Companhia das Letras está editando a terceira versão da, dizem, obra prima de James Joyce, Ulysses, desta vez com pissilone, o que deve mudar tudo, sem dúvida. 1112 páginas de fazer corar um Carlos Zéfiro de pedra, quero crer. Gente pretensiosa que não acaba mais afirmando que o notável artifício, que na verdade constitui de um único alçapão ocultando outros alçapões, é uma obra prima de humor e que dois ou tres livrinhos poderiam servir como guia para sua melhor degustação. A tradução anterior foi feita por Antônio Houaiss, e era, do começo ao fim, uma só idiohouaissografia impagável, com destaque para um "Sins" final e, tentando se esconder lá no meio, a frasezinha "não nado neném nídulo tinha", que foi como ilustre imortal dicionarista decidiu que era a tradução mais correta para before born babe bliss had. E o resto é Au! Au!, sim, senhor. A Cia. Das Letras, para dar um plá de facilitação para o leitor em potencial, ou impotente, optou por uma capa labirintina de difícil leitura (é, eles começam a erguer empecilhos logo na capa e depois juram que aquele milhar e tanto de páginas não é mais que gozação e pleno humor) que mais parece bizantino invólucro incrementado de videogame para maiores de 18 anos. O Mundo Cão aí está a ganir em nossas fuças e a gente nem quer saber. Au! Au! (BBC Brasil)

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