quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Alice

Cortem-lhe a cabeça! Ou... No fundo da toca do coelho
em Cinema por Daniele Pendeza

Alice no País das Maravilhas, através dos tempos e das telas de cinema.


Desde 1865 o livro Alice no País das Maravilhas é uma história que segue encantando e influenciando todas as gerações (minha afilhada não se chama Alice por acaso!). E por este motivo é que encontramos tão vasta produção que tenta espelhar a obra de Lewis Carroll, ou simplesmente se baseia em alguns fatos e personagens marcantes para reconstruir as peripécias de Alice em outros ambientes: somente para o cinema e televisão, são aproximadamente 22 adaptações da obra ou produções que trazem referências ao original.

Esta grande e psicodélica aventura teve início em um passeio de barco que o autor realizou junto das três jovens filhas de um amigo seu: Lorina, Edith e Alice. Muito inventivo, o senhor Charles Lutwidge Dodgson (conhecido artisticamente como Lewis Carroll) criava histórias para entreter as moças, que permaneciam encantadas... E foi assim que nasceu Alice Debaixo da Terra, sendo o título substituído por Alice no País das Maravilhas dois anos mais tarde e sofrido o acréscimo de mais personagens e capítulos, para só então ser publicado. Seis anos depois, em 1871, acontece a estréia de Alice no País do Espelho, uma espécie de continuação das loucas viagens da pequena Alice (apesar de esta publicação ter feito grandioso sucesso na Inglaterra, é a menos lida no resto do mundo, talvez por ser muito mais complexa, não alcançou a mesma surpreendente fama do País das Maravilhas).

Introvertido e tímido, Carroll era um apaixonado por matemática (a maioria de seus escritos tratam das exatas), além de ter sido um aficionado por fotografar (em especial crianças), o que lhe rendeu muitos adjetivos referentes à pedofilia. Do mundo infantil, temos apenas essa referência, sendo que suas narrativas das aventuras de Alice nada tem de infantes. Aí você me pergunta: Como assim? Pois acreditem! Alice não foi criado para ser um conto de entretenimento infantil, e sim um livro que beira ao subversivo.


Por trás de tantos seres imaginários e um grande amontoado de acontecimentos ilógicos, podemos encontrar várias interpretações “adultas” para este livro que é praticamente o início do Surrealismo na Inglaterra. Partindo do princípio que muitas das personagens e até acontecimentos apresentados no livro vieram diretamente do cotidiano de Carroll, de dentro de seu círculo social e de sua Inglaterra, os fatos das entrelinhas já passam a ser mais claros. Mesmo com algumas modificações criativas (por exemplo, o personagem Dodô é inspirado na gagueira do próprio autor), ainda assim podemos encontrar a realidade escondida no subliminar maquiado pela história fantástica dentro da toca do coelho.

Comecemos pelos poemas que Alice recita, muito engraçadinhos e bem colocados dentro do contexto da história, eles são uma sátira aos poemas enfadonhos que as crianças da época eram obrigadas a decorar. Outro fator muito citado quando se compromete a analisar esta fantasiosa narração, é justamente a passagem de Alice para a adolescência, sua insatisfação com a situação, sempre atrás de um jardim mais florido, cansada das mudanças que seu corpo sofre a todo tempo (vide a bela conversação com a Lagarta).

Ainda citando a Lagarta, esta personagem tão enigmática é praticamente a personificação da consciência confusa de Alice. “Quem é você?” Extremamente filosófica esta pergunta vem a perturbar e levar a um enfrentamento de si mesma, à busca do equilíbrio para o seu corpo através da reflexão (momento da retirada dos pedacinhos do cogumelo).


Em outro momento, também podemos ver problemas sociais retratados nesta narrativa aparentemente nonsense, como por exemplo, o fato de Alice ter de controlar seus impulsos frente à Rainha de Copas para não ter sua cabeça decapitada. Esta que usa da repressão para manter seu reino em ordem, ameaças e represálias para ter suas vontades realizadas, sendo, inclusive, superior a seu próprio marido o Rei de Copas. Devassa também é a Duquesa, a qual está sempre rodeada de pimenta, sempre em sobressalto (a pimenta é tida como um “adjetivo” da corrupção), junto ao seu adorável Cheshire Cat (expressão idiomática que significa “hipócrita”), sorridente e bajulador, dizendo o que as pessoas querem ouvir, para então poder livrar seu lindo pescoço do machado, além de ganhar uns afagos pela sua sagacidade.

Nem tudo é corrupção, o Coelho Branco nos dá o exemplo (dentre pouquíssimos, assim como na vida real) de alguém que está sempre preocupado em chegar na hora certa e cumprir com suas obrigações, mesmo que isso vá em contradição com todo o caos que o cerca (inclusive dá algumas dicas para Alice, já na corte, para que ela mantenha sua cabeça no lugar).

Mas, porém, contudo... as adaptações cinematográficas e televisivas não abordam esses fatores “maduros” da obra de uma forma profunda (em alguns casos podemos ver momentos mais salientes, mas nada de grande relevância). O lugar comum das produções de Alice é o foco no lado meigo e divertido da história, realmente voltando-a para o público infantil. Assim como as duas maiores produções de Alice no País das Maravilhas nos mostram...

Em primeiro lugar temos a animação da Disney de 1951, a mais conhecida e que talvez tenha alcançado um público maior de espectadores até então, incluindo crianças, jovens e adultos, esta adaptação é conhecida e de certa forma presente até os dias de hoje. Não é deveras fiel, sendo que algumas cenas foram acrescentadas pelos seus diretores, fazendo com que os amantes do livro não se sentissem exatamente “em casa” ao apreciarem a obra.



Em segundo lugar, e muito mais recente, temos a produção de Tim Burton, que deu o que falar por ser um de seus piores trabalhos e uma adaptação (neste caso sim, com o termo muito bem colocado) nonsense. Neste filme temos Alice já com 17 anos, tendo uma segunda jornada no País das Maravilhas, numa redescoberta de si (ela tem que se lembrar de quem era, lembrar da jovem Alice que havia visitado o País das Maravilhas anos antes) e tendo que lutar contra o mal (Rainha Vermelha) para a volta do bem (Rainha Branca) ao seu lugar de direito. Uma nova visão de Alice e ao mesmo tempo uma simplificação do universo complexo que Lewis Carroll havia criado, esta produção merecia o nome de “Alice, o Retorno” (ou qualquer outro título que se refira à continuações mal feitas), pois de nada é fiel ou faz jus ao livro. E apesar de ter arrecadado mais de US$ 200 milhões apenas nos três primeiros dias de exibição do filme nos EUA (imagino que isto se deva ao fato de ter-se gerado grande expectativa pela estréia da produção e/ou pelo apresso que o diretor tem do seu fiel público), apesar de seu lindo figurino e fotografia, além de cenários fantásticos, Tim Burton não foi capaz de dar vida a esta nova visão do clássico, deixando muito a desejar. “Out of his head!!!”

Apesar de estas duas produções serem as mais conhecidas dentro da grande mídia, ainda temos muitas outras criações e recriações a partir do livro que são mais fiéis e envolventes, mesmo quando faltam efeitos especiais ou até mesmo cores, e que apesar disto, conseguem nos levar fundo através da toca do coelho...




danielependeza
Artigo da autoria de Daniele Pendeza.
Musicista, aficcionada por livros e cinéfila de plantão..
Saiba como fazer parte da obvious.

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