sexta-feira, 17 de junho de 2011

Israel

"Para que haja paz, Israel precisa reconhecer dor palestina"
Chegou o tempo de remover o abcesso e de arejar o ferimento. Não estamos falando em parar a roda da história, no retorno de milhões e no fim do Estado de Israel, como a direita está tentando nos amedrontar para acreditar. Estamos talando de entendimento do outro lado e da garantia de alguns de suas expectativas – aceitar a responsabilidade moral por 1948, uma solução para o problema dos refugiados e, é claro, o mínimo dos mínimos, as fronteiras de 1967. Quem ainda não entendeu isso está convidado a dedicar mais tempo ao assunto e ver como isso é benéfico para nós e para eles. O artigo é de Gideon Levy.
Gideon Levy - Haaretz
Vejam o que algumas centenas de militantes podem fazer num dia: 1948 está na agenda. A quebra da cerca nas Colinas de Golã foi o suficiente para romper uma cerca muito mais antiga e complexa, trazendo 1948 ao centro da discussão política.

Ainda estávamos estragando tudo e nos enganando até a morte a respeito de 1967 – o Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu pronunciaria as palavras “fronteiras de 1967” como se fizesse alguma diferença o que ele diz. Ainda estávamos nos enganando que o mal vindo do norte, que na verdade pode ser bom, está se aproximando, e a discussão de repente mudou de direção. Netanyahu, que está bastante ciente da situação, está se fazendo de mudo: ele toma para si a responsabilidade pelo estado das coisas, juntamente a todos os seus predecessores.

É assim que acontece quando se adia as coisas, faz pouco caso e engana, quando você pensa que a inação é a solução, quando você se mantém indolente frente à decisão de pôr um fim à ocupação. Depois de 44 anos de dominação militar cujo fim não está à vista, depois de um punhado de migalhas em Oslo que não melhorou a situação dos palestinos, os planos de paz que acumulam poeira nas gavetas são falas vazias e inumeráveis, sem levar a cabo uma só ação corajosa, salvo a evacuação da Faixa de Gaza, o gênio está fora da lâmpada.

Todos os que não quiseram 1967 agora estão levando 1947. Todos os que não quiseram evacuar os assentamentos de Ariel agora serão forçados a discutir Carmiel. Os que não quiseram um compromisso histórico agora estão com o portfólio de 1948 nas suas portas de entrada. A direita está eufórica, não está claro a respeito de quê, a esquerda há muito que está morta e a caravana segue adiante, deixando Israel numa situação que se deteriora dia após dia.

1948 recebeu o enterro de um jumento em Israel [Jeremias, 22:19]; nunca houve uma genuína discussão pública a esse respeito aqui, mas seu espírito nunca morreu, nem por um minuto, na Palestina e na diáspora palestina. Seus sobreviventes, os refugiados e seus netos carregam sua memória e sua dor até hoje, assim como os judeus carregam suas próprias memórias e dor. Isso deveria ter sido reconhecido há muito tempo atrás. É nesse sentido que realmente apreciamos o comportamento dos militantes da Síria: eles lembraram aos israelenses de acontecimentos esquecidos.

Podemos prendê-los e interrogá-los o quanto quisermos, mas o olhar dos jovens palestinos da Síria que chegaram a Jaffa para visitar seus lares ancestrais foi uma visão extremamente impressionante da história do conflito. Pode ser que agora nós comecemos a entender suas raízes e soluções. Pode ser que comecemos a entender que, para o povo palestino, as fronteiras de 1967 são a mãe de todos os acordos e concessões, uma aceitação muitíssimo mais dolorosa para eles do que para nós. Não apenas porque significa desistir de três quartos de seu país, mas principalmente desistir de anseios e desejos.

Durante anos, palestinos e seus líderes estiveram prontos para concessões. Quando começaram a se desesperar, depois de todos esses anos escandalosos de estagnação, sua demanda voltou à tona com força total. O presidente palestino Mahmoud Abbas, o maior dos transigentes, jamais teria publicado o artigo recente no New York Times, em que discute a narrativa histórica palestina, tivéssemos implementando um acordo. Agora os americanos sabem o que acontece quando não fazem nada. Agora um anúncio vazio do gabinete do primeiro ministro de que Israel está comprometido com a solução de dois estados não é mais suficiente. Está “comprometido” exatamente com o quê? E o que fez para implementar essa solução? Só mais e mais assentamentos.

É difícil exagerar a importância da mudança que está tomando lugar diante de nossos olhos arregalados, que estiveram bem fechados todos esses anos. Os territórios ainda estão longe de serem evacuados, a terceira intifada não está para começar, ainda, e Netanyahu está confortavelmente sentado na sua cadeira, jogando com o tempo com palavras fazias e fórmulas ocas. Mas a partir de agora Israel, inclusive seu primeiro ministro, será forçado a entender que toda solução deve estar atenta aos anseios do outro lado do conflito.

Chegou o tempo de remover o abcesso e de arejar o ferimento. Não estamos falando em parar a roda da história, no retorno de milhões e no fim do Estado de Israel, como a direita está tentando nos amedrontar para acreditar. Estamos talando de entendimento do outro lado e da garantia de alguns de suas expectativas – aceitar a responsabilidade moral por 1948, uma solução para o problema dos refugiados e, é claro, o mínimo dos mínimos, as fronteiras de 1967. Quem ainda não entendeu isso está convidado a dedicar mais tempo ao assunto e ver como isso é benéfico para nós e para eles.

Tradução: Katarina Peixoto
(Carta Maior)

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