terça-feira, 29 de novembro de 2011

Euro

Euro: e la nave va...
Um crescente número de analistas vem advogando o fim do euro. Até recentemente isso era impensável, apresentado como idéia completamente especulativa de saudosos do antigo nacionalismo europeu que, sempre é bom lembrar, é sempre conservador e xenófobo. Já há até quem advogue que a iniciativa deveria partir não dos insolventes Grécia e Portugal, mas da própria Alemanha, “antes que seja tarde demais”. O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar - Correspondente da Carta Maior em Berlim

Na semana que vem (08 e 09/12) vai se realizar uma nova cúpula da União Européia. A expectativa só faz aumentar a balbúrdia na Zona do Euro. Parece mentira, mas dois jornais completamente opostos em Berlim conseguiram achar um denominador quase comum.

De um lado o conservador e sisudo “Die Welt” apontou que Berlim estaria tramando com mais cinco “companheiros” o lançamento de uma espécie de “Letras da elite”. Essas Letras seriam referentes às dívidas soberanas dos países desse clube seleto da Zona do Euro: Alemanha, França, Finlândia, Holanda, Luxemburgo e Áustria, visto como os “austeros”. Assim esses países teriam como captar mais investimentos para refinanciar suas dívidas. E ainda, como justificativa, poderiam captar mais fundos para financiar as dívidas dos “indisciplinados” (no momento, Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália).

A medida poderia contornar a crescente dificuldade em conseguir compradores para as letras européias de um modo geral. Há uma crescente fuga desses papéis, e quem os têm só pensa em vendê-los.

Entretanto, o governo de Berlim definiu a idéia como “especulação” e desmentiu oficialmente que tal medida esteja em cogitação. Mas, como diz o ditado, ou uma pequena variante, onde há fogo há fumaça, e com a Zona do Euro pegando fogo do jeito que está, a fumaceira é geral, e tudo é possível.

Do outro lado do espectro jornalístico, o sensacionalista e nada vetusto (embora conservador do ponto de vista político) “Bild” afirmou que certamente nessa próxima cúpula haverá conversações sobre um novo tratado para a União Européia, a partir de iniciativas de Berlim. Não se sabe muito bem o que seria esse novo tratado, e qual sua relação exata com a U. E., de um lado, e a Zona do Euro, de outro. A notícia revela, no entanto, o crescente desconforto interno da U. E. com a crise do Euro, que pode arrastá-la para o abismo da dissolução desorganizada, uma espécie de salve-se-quem-puder no Titanic.

Um crescente número de analistas vem advogando o fim do euro. Até recentemente isso era impensável, apresentado como idéia completamente especulativa de saudosos do antigo nacionalismo europeu que, sempre é bom lembrar, é sempre conservador e xenófobo, ao contrário do latino-americano, que é progressista e includente. Já há até quem advogue que a iniciativa deveria partir não dos insolventes Grécia e Portugal, mas da própria Alemanha, “antes que seja tarde demais”.

A idéia de abolir o euro continua sendo uma idéia conservadora, uma ruptura com princípios de solidariedade continental. A raiz do seu recente crescimento, no entanto, está no fato de que aquela primeira idéia aqui exposta – a de uma letra de algum tesouro internacional – está se tornando inevitável. Essa letra poderá ter maior – toda a Zona do Euro, através do Banco Central Europeu – ou menor alcance: apenas o grupo dos seletos disciplinados, como expôs o “Die Welt”. Mas ela acabará se materializando, tanto quanto se possa usar essa palavra em relação à realidade virtual das moedas hoje circulantes.

Talvez se deva dizer que ela acabará se digitalizando. Aliás, ela só não se digitalizou ainda por resistência da chanceler Ângela Merkel, que está sendo olhada cada vez mais como uma Exu (desculpem a ousadia) da política européia. Exu, como se sabe, em algumas de suas versões, tem dupla face, e por isso semeia a discórdia por onde passa. A chanceler tem sido descrita como quem defende os interesses de Bruxelas em Berlim e os de Berlim em Bruxelas, o desses dois lócus da política Européia em Frankfurt (sede do Banco Central Europeu) e vice-versa. Em casa, tem de acalmar os eleitores e seus aliados CSU (da Baviera) e FDP (dos liberais bastante conservadores) dizendo que vai exigir disciplina dos indisciplinados. No restante da Europa tem de acalmar seus parceiros governantes dizendo que vai exigir espírito de compromisso por parte de seus compatriotas. Enfim, um verdadeiro torcicolo.

Torcicolo semântico foi dado ao apagar das luzes da semana passada pelo novo primeiro ministro italiano Mario Monti, eleito pelo Consenso de Bruxelas para por a casa em ordem, ou pelo menos assim pensa o referido Consenso. Perguntado sobre se ele apoiaria essas letras internacionais, chamadas aqui de “Euro Bonds”, ele respondeu que sim, que apoiaria “Stability Bonds”, Letras da Estabilidade, tudo para evitar a maldita palavra que tem semeado discórdias veementes entre Ângela Merkel e Nicolas Sarkozy, que também estavam presentes.

Toda essa balbúrdia nasce do esforço titânico feito por estes e outros personagens para “acalmar os mercados”, uma tarefa decididamente inglória – missão impossível – porque equivale a pedir calma aos urubus em cima da carniça. A carcaça da carniça, no caso, é a União Européia e suas vísceras são os países da Zona do Euro, e os urubus estão tentando arrancar tudo o que podem antes que esses cadáveres sejam enterrados.
Ou que revivam, por algum milagre.

Esse milagre seria alguma reviravolta espetacular que conduzisse novos governantes às administrações do continente, livres da obsessão supersticiosa nos poderes miraculosos do “elixir da austeridade”. E substituísse esse tratamento apenas superficial e sintomático por algo de fundo, como um tônico de investimentos públicos que dinamizasse as economias e o poder aquisitivo das populações da região.

Calcula-se que isso poderá demorar uma geração. Ou seja, os atuais adultos entre 40 e 60 anos, mais ou menos, que amadureceram à sombra da queda do comunismo e do triunfo neoliberal na Europa, teriam de ser substituídos por uma geração mais jovem, disposta a enfrentar desafios inesperados – como o de disciplinar os mercados financeiros ao invés de triturar direitos do bem estar social. Ou dispostos a encarar de frente fatos como o de que, segundo dados divulgados na mídia na semana passada, os ganhos (não dá para chamar de “salários”) dos administradores dos universos financeiros subiram em 5.000%. Isso ao invés de ficar culpando os aposentados gregos, os salários dos funcionários públicos portugueses – ou da Espanha, ou da Itália, ou... veremos quem será o próximo.

Entrementes, tudo vai ficar na mesma balbúrdia. E la nave va...



Fotos: "A nave dos loucos" (+ ou - 1.500), de Hieronymus Bosch.

(Carta Maior)

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