segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Maconha

A maconha e a revolução democrática
Posted on 21/11/2011 | 5 comentários

Assembléia geral de estudantes da USP, na FAU (fotografia de Hugo Chinaglia Santos)

Por Ruy Braga.

7 de outubro de 2010. Berkeley, Califórnia. Aconteceu mais ou menos assim: tinha acabado de participar de uma manifestação contra uma nova rodada de cortes de verbas estaduais para a Universidade da Califórnia em Berkeley. Atravessei a Bancroft e fiquei esperando minha carona na afamada esquina com a Telegraph. O rapaz que vendia camisetas em uma bancada logo em frente retirou um “baseado” do bolso e começou a fumar. Um policial que reforçara o efetivo da guarda universitária durante o protesto estudantil parou em frente ao jovem, retirou um bloco do bolso, colheu alguns dados, entregando-lhe a seguir o papel anotado com um envelope. Perguntei: “O que é este papel?” O rapaz me disse: “É só uma multa de US$ 60,00. Mas não estou preocupado, pois não moro aqui e não pretendo pagar mesmo…” “Mas e o envelope?” repliquei: “Bem, você sabe, isto é pra colocar o cheque ou o dinheiro. Já está endereçado e pago. Assim, você só enfia em uma caixa de correio”. Mais simples impossível.

Havia me mudado há pouco para a Califórnia. Não sabia nada sobre “Oaksterdã” e seus cafés. Nem tampouco que bastava pagar US$ 150,00 por uma consulta médica pra sair com uma receita e comprar maconha legalmente. Também não sabia que a Universidade da Califórnia lidera o campo de pesquisas sobre os usos terapêuticos da maconha. Isto foi bem antes de decidir me engajar na campanha pela aprovação da “Proposta 19” que, caso tivesse sido aprovada, legalizaria totalmente a maconha no “Golden State”, permitindo seu cultivo para fins pessoais, apesar de sobretaxar a comercialização. Uma campanha que obteve a aprovação de 80% dos eleitores registrados na Bay Area (San Francisco, Oakland e Berkeley), além da aprovação de 95% dos estudantes da Universidade da Califórnia em Berkeley. Dispensável dizer que se trata da principal universidade pública de pesquisa do mundo. Uma instituição que se dá ao luxo bastante excêntrico de reservar um estacionamento no campus apenas para laureados com o Nobel – alguns deles, inclusive, já admitiram ter feito uso de maconha.

Dirão os céticos: Berkeley é uma “bolha” plasmada pela migração hippie do final dos anos 1960, somada à influência do “Free Speech Mouvement”, além da presença de marxistas que lá se refugiaram a fim de lutar contra a Guerra do Vietnã. Diria eu: a lei que equipara o uso da maconha em locais públicos a uma multa de trânsito por estacionar em local proibido foi, na verdade, sancionada pelo ex-governador republicano Arnold Schwarzenegger…

27 de outubro de 2011. São Paulo, capital. No campus da principal universidade brasileira, responsável, sozinha, por aproximadamente 30% da pesquisa brasileira, três estudantes de geografia foram presos por policiais militares que assediaram a maior faculdade da USP durante o dia todo. Em resposta, colegas dos cursos de letras, história, geografia, ciências sociais… decidiram ocupar a administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) a fim de chamar a atenção para a militarização da universidade.

Na assembléia estudantil ocorrida na terça-feira seguinte, a maioria decidiu desocupar o prédio administrativo e a minoria ocupou a reitoria. Na madrugada do dia 8 de novembro, este movimento foi brutalmente reprimido por mais de 400 policiais da tropa de choque da PM, apoiados por helicópteros e pela cavalaria militar. O contraste com a política sobre a maconha na Califórnia serve apenas para revelar como estamos atrasados em relação ao tema das drogas. Mesmo se compararmos o Brasil a países como Portugal, por exemplo, perceberemos muito rapidamente, que nosso debate é pobre e nossas autoridades políticas, com algumas poucas exceções, tristemente obtusas.

Aliás, a este respeito, vale lembrar que mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez a auto-crítica da política anti-drogas de seu governo, tornando-se um dos mais conhecidos defensores da descriminalização da maconha no país. Infelizmente, Geraldo Alckmin, não seguiu a opinião do presidente de honra de seu próprio partido. Juntamente com o reitor da USP, o governador de São Paulo usou o pretexto de combater as drogas para legitimar o poder autocrático de uma estrutura cujo sentido é ampliar a alienação dos recursos humanos e materiais da USP em benefício do mercado. Contra este projeto, estudantes, equivocados ou não em seus métodos, insurgiram-se nos últimos dias.

Tanto em Berkeley quanto em São Paulo, estudantes estão se mobilizando por mais democracia e contra a mercantilização do conhecimento científico. Eles sabem que o atual sistema político não os reconhece como interlocutores. Ao contrário, os reprime com violência. A diferença é que na Califórnia, o governo estadual não pode usar o pretexto do combate às drogas nos campi para criminalizar o movimento estudantil. E enfrentando interesses poderosos, a juventude, lá e aqui, decidiu adotar o caminho da ação direta.

Se é uma revolução que estamos assistindo, diria se tratar da “revolução da democracia” e não, como a imprensa pejorativamente batizou o movimento uspiano, da “revolução da maconha”. Se queremos saber porquê o governo estadual não reprime o consumo de crack no centro da cidade, mas persegue estudantes fumando maconha no Butantã, se pretendemos perceber o que está por detrás da escala totalmente desproporcional da operação militar montada na semana retrasada, devemos ser capazes de ir além das aparências e mirar a estrutura política autocrática que asfixia a USP. Ao desafiarem este poder, os estudantes foram duramente reprimidos. Por isso, merecem nossa incondicional solidariedade.

***

Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP e ex-diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) da USP, é autor, entre outros livros, de Por uma sociologia pública (São Paulo, Alameda, 2009), em coautoria com Michael Burawoy, e A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (São Paulo, Xamã, 2003). Na Boitempo, coorganizou as coletâneas de ensaios Infoproletários – Degradação real do trabalho virtual (com Ricardo Antunes, 2009) e Hegemonia às avessas (com Francisco de Oliveira e Cibele Rizek, 2010), sobre a hegemonia lulista. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas-feiras.
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5 respostas a A maconha e a revolução democrática

Laura Lacerda Fonseca | 21/11/2011 às 15:22 | Responder

Ah é claro, se o governo resolver limpar o centro da cidade, com policiais, cavalos, helicopteros e tudo mais, não haverá ninguém dos direitos humanos acusando-o de ser repressor, violento e inumano. Claro que não. sim, fui irônica. É lamentável que os estudantes da faculdade mais conceituada do país, “lutem” nos facebooks da vida pelo “fora sarney” e se esqueçam que fumar maconha é proibido por lei. A mesma lei que proíbe a corrupção. MAS, “já que tá todo mundo fazendo, pq eu tb não posso?”. Como se um erro justificasse outro. Como se a lei não fosse proeminentemente para TODOS e não somente para as benesses de uns poucos. Belo exemplo de justiça. Me espanta mais ainda um sociologo do seu gabarito, querer minimizar a situação numa comparação de “conta de padaria” sobre políticas públicas sobre drogas! Ainda mais em situações tão díspares quanto os EUA e o nosso país. Onde ser ufanista é brega. Legal mesmo é ir pra Europa. Melhor ainda Amsterdã. E quem sabe, estando lá, descubram que só se pode fumar maconha em determinados lugares e que a lei existe para o BEM COMUM e não de uns poucos. Lamento me alonguei.
Felipe Luiz Gomes e Silva. | 21/11/2011 às 15:54 | Responder

Eu acho que há muita “Cortina de Fumaça”. Quem quer beber uísque, fumar tabaco ou cannabis sativa que fume. O papel do Estado deve ser de orientar cientificamente sobre os prejuízos que as drogas podem trazer. Há um excelente “Café Filosófico” com Maria Rita Khel na TV -Cultura sobre as drogas. Bom para reflexão, debates. O karoshi (morte por overdose de trabalho e avc) é um horror. Mais-valia absoluta mata subitamente ou lentamente. Há suicídios no local de trabalho na França, China, Alemanha, Brasil. UIsque mata muita gente assim como tabaco. Cannabis deveria ser plantada e vendida, geraria renda, impostos etc. seria bom para o capital e para quem deseja fumar. Poderia ser poduzida pela economia solidária autogestionária também.
Eduardo | 21/11/2011 às 17:59 | Responder

magina, Laura.. oq é de se lamentar não é o alongamento da sua opinião, mas como ela é rasa e baseada em (pré)conceitos de gente q não vive nem a realidade da Universidade de São Paulo, nem a problemática da drogadição…
Fábio de Castro | 21/11/2011 às 19:05 | Responder

Laura! É preciso também espancar, prender, humilhar e desmoralizar os estudantes que tiram Xerox!! Prática ILEGAL totalmente naturalizada no campus da USP e em todo o Brasil (assim como fumar maconha).
Espero que você nunca tenha feito essa atrocidade criminosa contra os direitos autorais! Senão, vou pedir CADEIA pra você tb!
Abs!
Pedro Junior | 21/11/2011 às 21:21 | Responder

Acho que tem muita gente defendo coisas porque são da classe média alta ou classe alta. É totalmente ridículo comparar acontecimentos ocorridos em países ricos com a realidade brasileira. Óbvio que estamos atrasados em muitas coisas, somos subdesenvolvidos e um país com um nível de miséria enorme, fálidos na educação e em diversas outras coisas (diga-se de passagem desnecessário falar…) … e agora vocês querem fazer/acontecer algo totalmente incoerente (neste momento), isto é porque vocês não moram e talvez nunca passaram dentro dos seus carros com vidros fechados em uma favela. O fato é que antes de defenderem legalização das drogas, saiam da zona de conforto e vão onde realmente a coisa acontece, ver quantos jovens estão perdendo a vida por causa dos inúmeros problemas do país. Porque ao invés de defender o uso da maconha comparando com estes países, não comparam os benefícios políticos que muitos países da Europa proporcionam aos “cargos públicos” com o que temos por aqui??? Porque não fazem matéria mostrando os países que é obrigatório o uso do plano de saúde público pelos políticos (ou quaisquer outros servidores) e fazem analogias ao nosso país??? Só isto já faria com que todos estes políticos trabalhassem para melhorar as condições mediocres que quem não tem convênio passa…
Este é só um pequeno exemplo, antes da legalização da maconha (e eu sou sim a favor!!! mas no momento certo…) é necessário mudar muita coisa neste país e vocês hipócritas que já vivem uma realidade de países ricos, ou seja, não veem o quanto ainda há miséria nesta porra de país… ficam defendendo algo que só prejudicará a maioria pobre… duvido quem de vocês maconheiros já foram “numa bocada” buscar droga, iam se mijar todo de medo vendo como é a realidade de quem mora na favela…. é gente morrendo todo dia e crianças sem a menor visão de um mundo melhor, os filhos de voces estão na USP, PUC, Mackenzie e afins com vida garantida… por isto defendem o uso das suas droguinhas.
Ainda temos coisas mais importantes para melhorar neste país… defendam isto seus imbecis!!! Parem de olhar para o próprio rabo e abram a janela do carro para ver o mundo real…..

(Blog da Boitempo)

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