quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

FSM

O FSM depois de Dakar: entre a necessidade e a realidade
O Fórum Social Mundial 2011, realizado em Dakar, apresentou uma debilidade política importante. Apesar de as revoltas sociais na Tunísia e no Egito terem uma presença transversal e estarem muito presentes no cotidiano dos ativistas que estavam na expectativa sobre a queda de Mubarak, estes processos revolucionários no norte da África não tiveram uma centralidade política à altura do que significam tanto para o continente como em nível mundial. As lições do levante do povo tunisiano e do povo egípcio deveriam ter sido o leitmotiv deste Fórum Social Mundial. O artigo é de Esther Vivas.
Esther Vivas – Rebelión
O Fórum Social Mundial (FSM) concluiu sua última edição em Dakar (Senegal). Cerca de 75 mil pessoas - um número muito importante – ligadas a organizações e movimentos sociais de todo o planeta participaram, de 6 a 11 de fevereiro, de um processo/evento que se afirma imprescindível no marco da atual crise sistêmica, como espaço de encontro e de articulação de redes, mas que mostra também seus limites e debilidades.

A presente edição do FSM foi realizado em um contexto inegável de aprofundamento da crise de caráter estrutural, depois da última edição ter sido realizada em Belém (Brasil), em janeiro de 2009, meses depois do estouro da mesma. A atual conjuntura põe sobre a mesa a urgência de espaços que permitam a coordenação de lutas, avançar em estratégias de ação em escala global e que visualizem que outro mundo é tão necessário quanto possível.

O Fórum Social Mundial cumpriu com o objetivo de se mostrar como uma vitrina, uma praça, das alternativas, um ponto de encontro de uma grande diversidade política e temática de coletivos, majoritariamente africanos e muitos europeus. A presença da América Latina e da Ásia, logicamente, foi mais débil. E ofereceu um espaço indispensável para a urgente organização das resistências coletivas que tiveram sua máxima visualização nas quase quarenta assembleias de convergências de grupos, redes e coletivos realizadas e, sobretudo, na multitudinária Assembleia dos Movimentos Sociais, com mais de 3 mil participantes, e que se converteu em uma das atividades centrais e mais visíveis do Fórum.

Uma Assembleia que refirmou seu compromisso com o combate contra o capitalismo e que aprovou um calendário de mobilização com as datas centrais de 20 de março, quando será realizada uma jornada internacional de solidariedade com as revoluções no mundo árabe, e 12 de outubro, como dia de ação global contra o capitalismo. Além disso, a geração de espaços de trabalho e confluência antes e durante o FSM permitiram também o encontro, o debate e a coordenação de redes e organizações.

Em Dakar vimos desde grandes conferências do movimento altermundista até pequenas oficiais e lutas anônimas, todas elas imprescindíveis neste complexo combate por “outro mundo possível”. As pequenas manifestações e propostas improvisadas que percorreram o campus da Universidade Cheikh Antha Diop, onde ocorreu o evento, expressaram a necessidade de vincular ação e reflexão. A chamada “aldeia dos movimentos sociais”, com tendas de mulheres, camponeses, produtores, imigrantes, etc., foi um dos espaços que melhor funcionaram com atividades, restaurantes populares e serviços “non stop”.

O FSM em Dakar foi também um passo adiante muito importante em relação à última edição do Fórum Social Mundial na África, em Nairobi, em janeiro de 2007. Se aquela, podemos afirmar, foi a edição mais controversa do FSM com entradas a um preço inacessível para a população local, patrocínio de multinacionais, etc., a edição senegalesa não repetiu tais erros e o perfil geral do Fórum foi combativo.

O processo de construção do FSM Dakar contou com o trabalho e o esforço que algumas redes, como o CADTM África, entre outras, realizaram para mobilizar coletivos sociais de base da África Ocidental e da capital senegalesa. Neste sentido, foi organizada uma caravana, nos dias prévios ao evento, que percorreu vários países da região, divulgando o processo e agregando novos participantes ao evento, dinamizando atividades ligadas
ao FSM como concertos e outras atrações, nos bairros periféricos e mais pobres de Dakar.

O Fórum Social Africano, por sua parte, a versão regional do Fórum Social Mundial e um ator importante em sua organização, conta com uma sobre representação de ONGs do continente em detrimento de redes e movimentos sociais, muito fracos na região, o que explicaria, em parte, que estes tivessem uma menor presença em Dakar.

Uma situação que se repete no Conselho Internacional, organismo de direção do FSM, com um desequilíbrio importante entre ONGs e redes sociais, que nos últimos anos têm diminuído seu perfil e presença no Conselho e, consequentemente, sua influência. Se considerarmos que o Fórum Social Mundial será útil desde que sirva aos interesses destes movimentos e aos processos de transformação sócio-políticos, sua perda de influência deveria ser um elemento a se levar em conta.

Em nível organizativo, a presente edição mostrou debilidades importantes. Começando pelo caos organizativo vivenciado no primeiro dia do FSM, quando as atividades previstas não traziam as salas assinaladas e se desconhecia onde se organizavam as mesmas, problema que prosseguiu, ainda que em menor escala, durante todo o evento. Outro problema foi a falta de um programa facilmente acessível com as atividades diárias. Outro ainda foi o preço da comida, muito superior ao praticado localmente, o que despertou fortes críticas, sobretudo entre os participantes africanos.

Segundo explicaram os organizadores, o caos inicial se deveu ao fato de que o governo substituiu o reitor com quem tinham sido estabelecidos os acordos de cessão de salas de aulas e o novo dirigente não reconheceu os mesmos, não deixou espaços livres nem suspendeu as aulas, conforme havia sido acordado. Em consequência, os organizadores que tinham atividades previstas tiveram que alugar novos espaços na cidade ou ocupar tendas ou salas vazias na universidade.

Desde modo, o FSM foi realizado em uma universidade repleta de estudantes que incialmente olhavam com receio aos altermundistas que ocupavam seu recinto, já que ninguém havia lhes informado do encontro. Depois vários destes mesmos estudantes acabaram se somando ao Fórum e inclusive alguns, como o chamado movimento de estudantes “não orientados”, segregados por suas origens humildes e que lutam pelo acesso a uma universidade teoricamente pública, mas na prática não acessível a todo mundo, se somaram ao evento com seu protesto.

No plano político, é necessário assinalar o boicote sistemático às atividades do povo saharaui realizado por uma parte da delegação marroquina, financiada diretamente pelo governo do Marrocos, e integrada, como denunciaram membros do CADTM e do ATTAC Marrocos, por pessoas que não tinham nada a ver com coletivos e movimentos sociais. Agressões, insultos e boicote aos seminários e intervenções dos participantes saharauis foram a estratégia adotada. Vários participantes do FSM denunciaram os fatos e organizaram uma manifestação improvisada no campus da universidade, onde participaram vários membros do CADTM e do ATTAC Marrocos que denunciaram a má imagem que estas práticas estavam dando aqueles participantes e organizações sociais marroquinas que nada tinham a ver com estes fatos. Frente a esses acontecimentos, um posicionamento enérgico do Comitê Organizador do FSM seria mais do que necessário.

Outra debilidade política a assinalar foi que, apesar de as revoltas sociais na Tunísia e no Egito terem uma presença transversal e estarem muito presentes no cotidiano dos ativistas que estavam na expectativa sobre a queda de Mubarak, estes processos revolucionários no norte da África não tiveram uma centralidade política à altura do que significam tanto para o continente como em nível mundial. As lições do levante do povo tunisiano e do povo egípcio deveriam ter sido o leitmotiv deste Fórum Social Mundial.

Mas, em geral, os limites do FSM são também os limites do período, de dificuldade para transcender os núcleos ativistas e chegar a novos atores sociais. O Fórum passou praticamente em branco pela cidade de Dakar.

Em nível internacional, a falta de uma dinâmica de mobilização que que faça o movimento andar para a frente é uma das grandes debilidades que enfrenta o processo do FSM ao apresentar-se como um espaço de referência, plural e diverso, em contexto no qual não ocorrem protestos importantes coordenados em escala global. Com o que, a falta de pressão vinda das bases, da ação, poderia empurrar o Fórum para posições mais institucionais. O FSM já não tem a centralidade que teve em seu início, na fase do ascenso do movimento altermundista, ainda que sua importância seja importante como um marco geral de trabalho e encontro, sempre e quando se mantenha em sintonia com as lutas sociais.

Outros debates e contradições desafiam o Fórum Social Mundial: como integrar e/ou visualizar os processos de resistência em escala global com um encontro das características do FSM? Como manter este espaço como uma referência útil para a transformação política e social em um contexto carente de vitórias concretas? O viés entre necessidade e realidade é ainda muito grande.

O Fórum Social Mundial se situa em um frágil equilíbrio entre o global e o local, entre ONGs e movimentos sociais, entre institucionalização e autogestão, etc. Trata-se de uma tensão constante. Nairobi, em 2007, nos mostrou a pior cara do FSM; Mumbai, em 2004, uma das melhores. A chave é não esquecer a quem e para que serve o Fórum Social Mundial: um contraponto que deveria ser incompatível com o capitalismo global.

(*) Participante do Fórum Social Mundial 2011, em Dakar.
(Carta Maior)

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