domingo, 1 de maio de 2011

Pensamentando

Para um eterno retorno
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Por Luiz Rosemberg Filho e Sindoval Aguiar, do Rio de Janeiro


A beleza dos filmes de alguns cineastas brasileiros nos leva a pensar sobre a sobrevivência do cinema quase impossível.

Colagem de Luiz Rosemberg Filho
Um eterno retorno de Humberto Mauro, Mario Peixoto, Glauber Rocha, Joaquim Pedro e tantos outros. E o que será um eterno retorno em tempo tão regulamentado para tanto progresso e tanto mal, e sem a definição da moral que sempre o criou? O mal do cinema, é preciso lembrar. E como é bom lembrar de gente como esses que fizeram o nosso cinema. E são tantos. E quanto mais esquecidos, mais importantes nessa luta que está se tornando inglória!

Nietzsche desafiou o mundo com seu eterno retorno. Amante da concepção de tragédia que o mundo grego desenvolveu e cultuou como ninguém, ele dizia que toda paixão e toda beleza estão ali, entre deuses e nós mortais. E o que deveria ficar para a nossa lembrança seria a concepção da beleza a suportar o mundo depois de tanto mal que conseguimos produzir. A beleza dos filmes de alguns cineastas brasileiros nos levou a pensar assim também. Sobre a sobrevivência do cinema quase impossível como uma flor insistente e solitária em cantos esquivos de cemitérios. Viceja, encanta e, para muitos, os de patologias mal resolvidas, até incomoda. Mas, de todo modo, atrai nossa atenção.

Um país irreal como o nosso, ainda totalmente submetido à realidade de um empirismo intuitivo e intocável, expulsa a história ou dela se apropria para encobrir responsabilidades. No eterno retorno, Walter Benjamin também nos acompanha repetindo sempre: reclamem, não deixemos os mortos reclamarem por vocês! O nosso cinema brasileiro, com a presença do mal acompanhado de tantos holocaustos e tantas lembranças como as desses citados cineastas, tem nos dado força. Mesmo que os vivos não gostem e nem queiram. Humberto Mauro, este gênio pioneiro que conhecemos com Paulo Emílio a nos ensinar a aprender; Mario Peixoto, outro gênio e mistério. De cinema e de segredos. De imagens e de linguagens. E Glauber, este vulcão capaz até de soterrar alguém, mas, pela inveja e o complexo infantil que acompanha certos cineastas vida afora, aqui e no exterior, mal que Freud definiu como um dos piores pois pode aterrar civilizações.

Lamentamos mais a ausência de Glauber, porque o momento o exige. Cineasta que se definiu logo no primeiro filme: luta de classes, religião e alienação. Escravos, proletários, camponeses, subproletários. Tudo isso já em “Barravento”. Glauber viveu sob os signos, os mistérios e os desígnios de um país que ele sentiu e amou demais. Como cultura, identidade e autonomia. E na engrenagem de um progresso que avança e tritura, como recuo. Mas Glauber não o temeu, lançou velas em “Barravento” e ganhou mares abertos e profundos para tantas aventuras. As de si mesmo. E do outro, do outro lado do mundo. E sem temer a idade da terra e dos leões de muitas cabeças!

Este foi o seu avatar de epifanias humanas. E a juventude que faz ou estuda cinema não sabe como defender, assim como nós, o eterno retorno de Glauber. Mas precisa conhecê-lo, para, ao fazerem cinema, não esquecerem o Brasil. E os professores, ao ensinarem, não podem esquecer Paulo Emilio. Este que nunca deixamos morrer! E com quem aprendemos que a riqueza do nosso cinema é a grandeza de um processo, mais do que de um conceito, que as nossas diferenças, um dia, poderão melhor definir. Com mais liberdade, e sem o peso das ideologias e de interesses que sempre reduziram o nosso cinema às impossibilidades que o dominam, de uma falsa representação pela luta de classes.

Facultam, com isso, a submissão das telas. A juventude, o estudante de cinema, precisa conhecer a engrenagem do cinema e seu funcionamento num país culturalmente ocupado, política e economicamente. Na produção e na exibição, porque o realizador de um filme não é um simples espectador. Nem o mais complexo. Ele será um criador, tocará a sensibilidade e o imaginário, a realidade e a história para muitas concepções e representações. É preciso aprender a diferença entre um extermínio natural e o extermínio que uma concepção doutrinária pode causar. Onde as imagens se tornaram o maior campo de experimentos para tudo isso.

Nós, em nosso cinema, em nossas contingências, precisamos assumir responsabilidades no e diante de nosso cinema como força moral, política e cultural, onde o peso da história conta mas não define. Sob essas considerações, a nossa metáfora de um eterno retorno é também isso, despertar a consciência dos jovens cineastas para uma responsabilidade que é também deles, e até mais deles. Porque o nosso cinema se esforçou sempre para ter uma imagem e uma ideia de Brasil. Pelas diferenças, pela crença superando as ideologias. Mesmo como acidentes, nosso cinema se firmou e se afirmou, mesmo com o progresso e a tecnologia tentando bloquear caminhos, como modernidade e irresponsabilidade individual.

Se perguntarmos a um espectador antigo, um daqueles que aos domingos enfrentava filas para assistir a um filme nacional, o que é o cinema, ele sem dúvida dirá que é um lugar onde ele ia com prazer para ver Oscarito e Grande Otelo. E outros, ainda, se perderiam em digressões: era uma maravilha, era diferente, era um lugar onde a gente sonhava, viajava e conversava. Com as coisas e as imagens! Este, na realidade, sempre foi o nosso grande espectador, o que poderia ser atendido com a imagem de Brasil. Outros já responderam até villalobianamente, quando alguém lhes perguntava como era sua música: Não sei, só sei que é a alma e os sentimentos deste povo e deste país, uma coisa bem brasileira...

Entre nós, estão matando a alma do cinema de muitas mortes, como a de Glauber, que ressuscitamos sempre! Como agora, causando preocupações freudianas aos invejosos, porque já o matavam em vida, o que continuam fazendo ainda. Assassinos compulsivos que falam de vida e se expressam com a morte. Como nessas concentrações de miseráveis, de dependentes absolutos, de subproletarizados do progresso e da luta de classes, nos guetos, campos de concentração, como no complexo da favela do Alemão. Onde as tragédias que construímos se tornam naturais confundindo Haiti com aqui. Como confundem lá, onde nossas tropas militares se exercitam. Lugares que se tornaram experimentos e aprendizagem do progresso, das associações e do extermínio, unindo as diferenças culturais, econômicas e de alienação. Pela linguagem da comunicação, com as câmeras se incumbindo do espetáculo para não fazerem agonizantes nem culpados. Mas, uma coisa comum, nossa. Nem aquém, nem além da história, porque são o momento, uma força social, uma realidade; condições que devidamente levantadas poderiam definir o conceito de miséria, de tragédia e de barbárie. De nossa história e de nossas representações, individuais e midiáticas. Coletivas!

Os acontecimentos do complexo do Alemão merecem uma reflexão profunda pelo espetáculo dantesco preparado pela televisão e seus repórteres sensacionalistas, deixando o Brasil e o mundo sob a expectativa de uma invasão. Estimulada e esperada, o que não veio. Preferindo o espetáculo das pequenas guerras, a diária contra cada um de nós. Incorporando à mídia e preocupando o cinema. Como a nos preocupar está voz do soldado Jabor, na sua coluna semanal. Voz perdida entre a Suprema Felicidade e o Supremo Mal que o espetáculo não quer identificar. O que poderá elevá-lo à condição de general. Que nos desculpem os “anjos” da mídia, mas não dá para espetacularizar o sofrimento na miséria. Mesmo no cinema, ela estará sempre muito além, servindo sim, de quatro em quatro anos, a partidos e políticos irresponsáveis. Pena.

20/2/2011

Fone: ViaPolítica/Os autores

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