sábado, 12 de maio de 2012

Hollande

A chanceler alemã perdeu seu aliado mais obediente, Nicolas Sarkozy, com quem formava a dupla «Merkozy». Ele foi substituído por um novo chefe de Estado que chegou ao poder com um discurso antiausteridade. Os analistas destacam que, se persistir em suas posições, a Alemanha corre o risco de ficar, muito em breve, isolada entre a pressão da opinião pública e o protesto de outros países europeus que se somarão a França. A batalha contra o capitalismo alemão não começou em Berlim, mas sim na França. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris. François Hollande não teve tempo de provar o traje presidencial. Logo após ser eleito, a Alemanha ativou sua ofensiva contra o novo presidente francês para freá-lo em suas tentativas de renegociar o pacto fiscal europeu com o qual Berlim impôs aos países da União Europeia uma camisa de força de ajustes e austeridade. A vitória de François Hollande contra o liberalismo de arrochos de Nicolas Sarkozy e da chanceler alemã vai redesenhar o mapa da Europa. Berlim, porém, resiste a que Paris modifique a orientação econômica de seus aliados da União Europeia. O respaldo que os franceses deram à candidatura de Hollande é também um « não » à forma pela qual estava se construindo a Europa. A França, quinta potência mundial e segunda economia da Eurozona, tem agora como presidente um homem que desde muito cedo questionou a filosofia alemã do ajuste sem crescimento. Hollande conquistou a maioria com um programa de corte progressista baseado nas ideias de justiça social, Europa, educação, trabalho e juventude. A reforma bancária, a fiscal e a renegociação do tratado orçamentário idealizado pela Alemanha são os eixos do seu programa. O questionamento do pacto fiscal europeu e os ajustes e a austeridade que o acompanham foi a medida que lhe deu mais credibilidade. Hoje, essa opção configura o primeiro confronto com o capitalismo alemão. Angela Merkel enviou uma primeira mensagem: a responsável alemã disse que receberia Hollande «com os braços abertos». A frase, amável, tem seu contraponto acrescentado pelo portavoz do governo alemão, Steffen Seibert, que explicou que o pacto fiscal era «inegociável». Enrique Barón Crespo, eurodeputado socialista, disse à Carta Maior, que a palavra «inegociável não figura no dicionário da União Europeia». A imprensa alemã alega que a linha de austeridade de Angela Merkel ficou enfraquecida pelas derrotas dos candidatos governistas na França e na Grécia. O socialista francês armou uma bomba relógio quando propôs que o Banco Central Europeu tenha um novo papel, que, ao invés de emprestar dinheiro aos bancos a 1% para que estes emprestem a aos Estados com um juro maior, trate diretamente com os Estados. Além disso, propôs uma taxa sobre as transações financeiras, que o banco Europeu de Investimentos (BEI) dê crédito para as empresas e que se criem eurobônus para financiar as infraestruturas. A palavra eurobônus faz a chanceler alemã congelar de raiva. Esta medida supõe que a dívida se torne comunitária. Hollande quer que o crescimento e o emprego sejam uma questão institucional europeia e não só a férrea disciplina no gasto público que impõe o pacto orçamentário. « Eu vou renegociar o pacto. Merkel sabe disso », disse Holande. O presidente eleito quer uma Europa mais fiel às origens da construção europeia, ou seja, mais humanista, menos tecnocrática, menos obediente aos humores e interesses dos mercados, orientada para as necessidades humanas e não unicamente as do sistema financeiro. Até algumas semanas, nenhuma dessas medidas agradava a Alemanha. A maioria obtida por Hollande e o apoio a suas ideias que começou a vir de outros governos, inclusive adversários, desenha uma mudança, talvez menos brusca do que aponta o discurso do François Hollande candidato. O seminário britânico The Economist qualificou as ideias de Hollande de «perigo para a Europa». Não obstante, com o passar dos dias, muitos analistas apoiaram o novo presidente em sua ideia de colocar sobre a mesa a variável do crescimento. «Há muitos dirigentes europeus que estão aguardando o resultado das eleições francesas para iniciar uma nova discussão», disse Hollande há alguns dias. Angela Merkel deu total apoio a Nicolas Sarkozy durante a campanha eleitoral e até se negou a receber François Hollande quando ele era candidato. Agora lhe abrirá as portas como presidente e terá que negociar uma agenda distinta daquela que vem impondo há anos: renegociar o pacto fiscal, estabelecer um pacto de responsabilidade e crescimento com o objetivo de escapar da recessão e diminuir o desemprego. Na visão de Hollande, a Europa tem que ser o motor do crescimento e não seu coveiro. Para isso, é preciso implementar um plano de investimentos massivo que tire os cidadãos do poço. A visão sobre o crescimento de Merkel e Hollande são diametralmente opostas: na visão dos alemães, o crescimento passa por mais reformas estruturais –a do mercado de trabalho, por exemplo–e não é por investimentos massivos, que é a opção de Hollande. Berlim assegura que embora o pacto fiscal seja inegociável, em troca, pode discutir o crescimento. Mas a forma pela qual coloca esse debate se dá segundo os critérios da Alemanha. O hegemonismo de Berlim em defesa de seus próprios interesses não leva em conta a vontade popular. No ano passado, quando o ex-primeiro ministro grego Girogos Papandreu propôs um referendo antes de se submeter aos ditames do Fundo Monetário Internacional e à troika europeia, a Alemanha disse que as eleições «eram perigosas». Alguns dias depois, Papandreu apresentou sua renúncia. A variável, agora, mudou: seu aliado obediente, Nicolas Sarkozy, com quem formava a dupla «Merkozy», não está mais no poder. Ele foi substituído por um novo chefe de Estado que chegou ao poder com um discurso antiausteridade. Os analistas destacam que, se persistir em suas prerrogativas, a Alemanha corre o risco de ficar, muito em breve, isolada entre a pressão da opinião pública e o protesto de outros países europeus que se somarão a França. A batalha contra o capitalismo alemão não começou em Berlim, mas sim na França. [Publicado em Carta Maior. Tradução: Katarina Peixoto].

Nenhum comentário:

Postar um comentário