quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Pensamentando

Dimensão holística da ética
Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital
Sócrates foi condenado à morte por heresia, como Jesus. Acusaram-no de pregar novos deuses aos jovens. Tal iluminação não lhe abriu os olhos diante do céu, e sim da Terra. Percebeu não poder deduzir do Olimpo uma ética para os humanos. Os deuses do Olimpo podiam explicar a origem das coisas, mas não ditar normas de conduta.

A mitologia, repleta de exemplos nada edificantes, obrigou os gregos a buscar na razão os princípios normativos de nossa boa convivência social. A promiscuidade reinante no Olimpo, objeto de crença, não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.

Se a moral não decorre dos deuses, então somos nós, seres racionais, que devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado, Creonte proibiu Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusou a obedecer "leis não escritas imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram”. Foi a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.

Para Sócrates, a ética exige normas constantes e imutáveis. Não pode ficar na dependência da diversidade de opiniões. Platão trouxe luzes ensinando-nos a discernir realidade e ilusão. Em República, lembrou que para Trasímaco a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Conceito retomado por Marx e aplicado à ideologia.

O que é o poder? É o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade aos demais.

Aristóteles nos arrancou do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, inspirado em Aristóteles, nos deu as primícias de uma ética política, priorizando o bem comum e valorizando a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável.

Maquiavel, na contramão, destituiu a política de toda ética, reduzindo-a ao mero jogo de poder, onde os fins justificam os meios.

Para Kant, a grandeza do ser humano não reside na técnica, em subjugar a natureza, e sim na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir da própria liberdade. Há em nós um senso inato do dever e não deixamos de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. E nossa ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à boa convivência, normas e leis e, sobretudo, cooperação de uns com os outros.

Hegel e Marx acentuaram que a nossa liberdade é sempre condicionada, relacional, pois consiste numa construção de comunhões, com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.

Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressaltou a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.

A filosofia moderna fez uma distinção aparentemente avançada e que, de fato, abriu novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. O problema desse enunciado é que desloca a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).

Essa distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o excluído e o meio ambiente?

Daí a importância do conceito de cidadania. Os indivíduos são diferentes e numa sociedade desigual são tratados segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é um ser dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.

O capitalismo associa liberdade ao dinheiro, ou seja, ao consumo. A pessoa se sente livre enquanto satisfaz seus desejos de consumo e, através da técnica e da ciência, domina a natureza. A visão analítica não se pergunta pelo significado desse consumismo e pelo sentido desse domínio.

Agora, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza: o aquecimento global faz soar o alarme de um novo dilúvio que, desta vez, não virá pelas águas, e sim pelo fogo, sem chances de uma nova Arca de Noé.

A recente consciência ecológica nos amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Lembrem-se: não falamos de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões. Tudo nos diz respeito e toda a natureza possui a sua racionalidade imanente.

Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar agora da dimensão holística da ética.

O ponto de partida da ética foi assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é sempre processo pessoal e social. Porém, a ótica neoliberal diz que cada um deve se contentar com o seu mundinho.

Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?

[Frei Betto é escritor, autor de "Sinfonia universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin” (Vozes), entre outros livros. http://www.freibetto.org- twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].

(Adital)

Petróleo

hevron: elas atacam de novo
A Petrobrás nunca deixaria de investir em segurança para poder maximizar seu lucro, pois a acumulação capitalista não é seu objetivo. Mas, mesmo em uma situação hipotética, esta estatal não iria negar que o petróleo era seu, não esconderia a vazão do derramamento e não mentiria acerca do número de embarcações que estavam fazendo a limpeza da área.
Paulo Metri

Nesses dias, notícias importantes têm sido escondidas na mídia impressa. Grandes jornais comerciais brasileiros colocaram na chamada principal a eventual mudança do rendimento do FGTS e outras pouco relevantes, enquanto o desastre ambiental estava em uma página interna com pequena chamada na primeira página. Concluo que estão subtraindo conhecimento do público, porque uma petroleira ser incompetente, além de gananciosa a ponto de buscar enganar nossa sociedade e os órgãos de fiscalização, manipulando informações, é um assunto de extrema relevância.

É estranho que os meios de comunicação, incluindo televisões, tenham tamanho menosprezo, de uma forma geral, pela informação correta a ser dada à sociedade brasileira. Por outro lado, tenho dúvida sobre qual teria sido o comportamento desta mídia se a Petrobrás fosse a responsável pelo desastre. Claramente, neste caso mais que em qualquer outro, a lógica do capital prejudica enormemente a sociedade, dona de todas as riquezas existentes em nosso território.

Como o administrador de uma empresa privada será sempre julgado pela sua capacidade de gerar lucros, e não pela sua capacidade de desenvolver campos de petróleo seguros, a exploração econômica destas jazidas por entes privados pode ser sempre considerada como um desastre ecológico em potencial. Neste mundo de egoísmo, segurança é vista sinistramente como prejudicial à saúde financeira do empreendimento.

Os crédulos em papai Noel irão dizer que a culpa é da ANP, que deveria fiscalizar a segurança das operações, esquecendo-se que ela foi o órgão que assinou contratos de concessão com estas petroleiras, exigindo delas que utilizassem as “melhores práticas da indústria do petróleo”. Algo mais subjetivo e impreciso não poderia existir, mas esta expressão está em mais de uma cláusula dos contratos. E, na seção de “Definições contratuais” está escrito: “‘Melhores Práticas da Indústria do Petróleo’ significa as práticas e procedimentos geralmente empregados na indústria de petróleo em todo o mundo, por operadores prudentes e diligentes, sob condições e circunstâncias semelhantes àquelas experimentadas relativamente a aspecto ou aspectos relevantes das operações, visando principalmente a garantia de: ...”.

O máximo que se pode depreender desta definição é que ela irá gerar uma enorme controvérsia entre os advogados das partes. Esta é a ANP que deveria proteger a sociedade brasileira.

Recentemente, estava em um jornal, com letras grandes: “ANP proíbe a Chevron de perfurar em solo nacional”. Embaixo, com letras bem menores, estava: “Suspensão foi determinada até que sejam identificados as causas e os responsáveis pelo vazamento na Bacia de Campos”. Ou seja, a ANP deu uma resposta para a sociedade de aparente compromisso para com ela, mas, ao mesmo tempo, preparou o caminho para o perdão da Chevron. É incomum o fato de que o executivo da empresa delinqüente tenha pedido desculpas, depois de todos os erros. Será que ele não entende que houve quebra de confiança? Neste caso, desculpas não resolvem.

Além do dano ecológico, que dispensaria a apresentação de qualquer outro aspecto, é lembrado que o petróleo é um recurso natural extremamente valioso, cuja perda acarreta enorme prejuízo para a sociedade, sua proprietária. Portanto, a exploração e produção deste mineral só podem ser entregues para agentes de confiança da sociedade, que lhe retorne o lucro excepcional, quando solicitado.

Aos sonhadores que pensam que o Fundo Social irá abaixar este lucro excessivo para uma categoria de lucro normal, lembro que não se pode exigir de um escorpião que não ferre a sua presa, pois isto irá contrariar sua natureza. O petroleiro privado irá sempre querer acumular mais riqueza, pois está no seu DNA. E a lei no 12.351, recém aprovada, ainda permite a apropriação pela empresa privada de lucro que deveria ir para o Fundo Social. Só resta uma alternativa para conter a migração do lucro excepcional para cofres privados: colocar a nossa empresa estatal para explorar e produzir petróleo, pelo menos nas regiões mais rentáveis, Pré-Sal incluído.

Ainda mais, a Petrobrás é a empresa que mais compra equipamentos e serviços, inclusive desenvolvimentos tecnológicos, no Brasil. Recebendo a incumbência, ela é capaz de levar o país para um novo período de crescimento, com uso do poder de compra originado pelo Pré-Sal. Não seria possível, por exemplo, armar um quadro de máximo crescimento com agentes querendo importar produtos e serviços.

Assim, já passou da hora de se criar uma nova lei do petróleo em que toda a área do Pré-Sal ainda não leiloada seja entregue sem leilão somente à Petrobrás. Seria a recriação do monopólio estatal do petróleo na área do Pré-Sal. A gota de água foi o acidente da Chevron, mas existem outros atrativos tão importantes quanto este da maior segurança dos empreendimentos. Inclusive, pode-se determinar a ela que entregue ao Fundo Social a maior quantidade de recursos possível.

Como brasileiro, orgulhosamente, afirmo que a Petrobrás nunca deixaria de investir em segurança para poder maximizar seu lucro, pois a acumulação capitalista não é seu objetivo. Busca a eficiência, pois são necessários muitos recursos para novos investimentos. Mas, mesmo em uma situação hipotética, esta estatal não iria negar que o petróleo era seu, não esconderia a vazão do derramamento e não mentiria acerca do número de embarcações que estavam fazendo a limpeza da área.

(*) Publicado originalmente no Correio da Cidadania.

Lago

Mário Lago em família: “a porta de casa estava sempre aberta”


Antônio Henrique Lago, jornalista de longa e inspirada carreira, fala aqui do pai, Mário Lago, recordando cenas entre quatro paredes. Diz quais são seus trabalhos favoritos e compartilha ensinamentos de toda uma vida. Os fãs do artista plural vão adorar saber que, além de grande na vida pública, ele foi o pai que todo mundo gostaria de ter!

Por Christiane Marcondes*


Mário Lago
Dia 26 de novembro, Mário Lago completaria 100 anos. Morreu em 2002 sem contas a acertar com a vida. Foi tudo o que quis, dispensando já aos 13 anos a casaca de diplomata da qual a mãe fazia questão. Justificou para o filho: “Você é alto, magro, vai cair muito bem”.

Lago tinha outros planos e, apesar da pressão contra, ninguém na casa tinha moral para reclamar. O pai e avós, além de tios, eram todos músicos, como Mário que, já aos 15, fez uma marchinha para a namorada, com declaração de amor ditada pela militância política, outra vocação. Dizia: “nosso amor vai melhorar quando vier a Constituição”.

Com esses versos, o adolescente selou o destino definitivo e um elefante branco invadiu a sala de visitas da casa. O pai sentenciou: “Você está treinando para profissão de fome”.

Ainda bem que não foi praga, nem foi de coração, não pegou. Mas dinheiro, a julgar pelo que o Mário personagem público expunha, nunca sobrou. Nem faltou. Em entrevista no programa “Ensaio”, da TV Cultura, Mário se aventurou a fazer uma conta de cabeça. Complicou-se tanto que ninguém conseguiu sequer ajudá-lo. Explicou que foi reprovado três vezes em matemática e soltou a piada, já que bom humor, sim, esbanjava: “Eu não sei somar, por isso sou pobre, sei menos ainda multiplicar”.

Este é "o" Mário, segundo contam a lenda, a história e seu filho, Antônio Henrique Lago, jornalista, que faz aqui um rápido e delicioso perfil do pai. Antônio Henrique tem o mesmo humor e convicções do pai, além de já ter produzido obras memoráveis no campo da reportagem.

Acompanhe a entrevista a seguir:

Vermelho - Ator, produtor, diretor, compositor, radialista, escritor, poeta, autor de teatro, cinema, rádio e TV, frasista (que eu trocaria por “filósofo do cotidiano”), militante sindical, ativista político e boêmio. Está tudo lá, no site oficial do Mário Lago. Entre tantas facetas, uma ou algumas se sobrepunham a outras?
Antônio Henrique Lago - O político sempre. Discutia as questões brasileiras diariamente com a família, amigos, o motorista de táxi, qualquer um que puxasse conversa. A pregação por uma sociedade mais justa e igualitária jamais ficava escondida ou em plano secundário. Papai nunca perdeu uma campanha política. Comunista por formação ideológica, sempre apoiou os candidatos de esquerda e do seu partido.

Mas há também o ator, sempre, porque este foi uma parte importante da vida profissional dele. Dar vida a personagens era parte do “ser Mário Lago”. Fazia laboratório sozinho para enriquecer o papel, discutia com o autor e diretor todas as cenas. Atuar era um exercício de vida!

E o escritor/autor/poeta, igualmente, sempre. Nos intervalos de gravação, nas férias, ele criava sempre um projeto para escrever. Durante as filmagens de O Padre e a Moça, recolheu material para um livro sobre o Chico Nunes das Alagoas, repentista e boêmio. Numas férias, traduziu a peça Fuente Ovejuna, do espanhol Lope de Vega. Do mesmo modo, escreveu uma peça sobre a revolução dos alfaiates - Foru Quatro Tiradentes na Conjuração Baiana -- que acabou censurada. Nunca deixou de compor, não havia como conter os versos.

Vermelho - Em casa, quais características pessoais predominantes você enumeraria?
AHL - Conversa franca, sobre qualquer assunto. Respeito às decisões de cada um da casa. Clima muito democrático.

Vermelho - Boêmio em um casamento que durou a vida toda. Como o Mário dividia o tempo entre o amor/família e as paixões, como a arte. Ficava em déficit com um lado ou outro?
AHL – Olha, papai sempre ia para os locais da boemia e levava minha mãe junto, mas eu lembro de ele chegar para uma conversa noturna sobre política, meus estudos - às vezes ele até me ajudava com os trabalhos escolares. Discutíamos minhas decisões pessoais e ele sempre respeitou as minhas escolhas. Ele e mamãe tinham a democracia entranhada no corpo e na mente.

Vermelho - Como era a casa do Mário? Um burburinho de música, amigos, festas? E o silêncio para criar, também habitava esse lar de artista?
AHL - A porta da casa de papai estava sempre aberta. Dolores Duran ia lá mostrar músicas. Carlos Marighela ia lá discutir coisas do PCB. Meus amigos e companheiros de militância política iam lá conversar. Era assim desde que me entendo por gente.

Na hora de criar, papai ia pro quarto, fechava a porta e se transportava para a criação, quer fosse para estudar as falas de um personagem, quer fosse para tocar o projeto de um livro.

Vermelho - Em uma frase, na sua opinião, qual o maior legado do Mário para:

- Você, filho
AHL - A defesa de uma sociedade justa e igualitária com o fim da exploração do homem pelo homem.

- A arte
AHL - Grandes interpretações como a do pescador Santiago, de O Velho e o Mar; e o Atílio da novela Casarão. Os versos de Nada Além, de Aí que saudades da Amélia e Aurora.

- A sociedade
AHL - Um exemplo de coerência política, honestidade de princípios. Tudo parte da luta pela sociedade sem exploração e opressão.


Vermelho - Sem segunda opção, qual música, filme (como ator ou diretor), papel na TV você colocaria como número 1 no ranking das criações do Mário?
AHL - Como música, eu gosto mais, puramente pessoal, do Nada Além. Mas sempre me emocionei muito nos bailes de carnaval ao ouvir o povo cantando Aurora. O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade, como filme. E papel na TV foi o Atilio, do Casarão.

Vermelho - Mário criava compulsiva ou metodicamente? Há ainda muita produção dispersa, inéditos? O que podemos esperar?
AHL - Papai era um criador compulsivo/metódico. Ele não podia ficar parado. Se não estivesse gravando, estava bolando algo e escrevendo.Escrevia, depois lia, corrigia, mudava, lia de novo e assim por diante, até ficar satisfeito.

Vermelho - O Mário era polivalente e multimídia. Como ele se relacionava com as novas tecnologias? Chegou a incorporar essa linguagem internética a seus trabalhos?
AHL - Papai não chegou a usar a tecnologia multimídia moderna. Ele exercia a multimídia pessoalmente. Acho que a formação sem a internet bastou para ele. Além do que ele conviveu muito pouco com a internet.

Vermelho - Qual, na sua opinião, foi a grande realização dele no campo das artes? De qual ou quais obras ele mais se orgulhava?
AHL - Papai achava que cada texto, música e personagem eram um sucesso particular e parte do todo que ele considerava o melhor da sua obra. Ele realmente gostava de tudo que fez.

Vermelho - E na política, qual a grande conquista e a grande frustração na sua vida de lutador?
AHL - Ele tinha muito orgulho de ter participado do comando da greve dos radialistas de 1962, que resultou na regulamentação da profissão. E de ter participado das lutas pela liberdade e ter visto as quedas das ditaduras de Getúlio Vargas e dos militares. Acho que frustração foi a de ver que o homem ainda vive numa sociedade intrinsecamente injusta e exploradora.

Vermelho - Pacifista e inconformado, por isso mesmo eterno militante, que causa ou causas você acha que ele defenderia hoje?
AHL - Acho que ele continuaria a lutar contra a exploração do homem pelo homem. E, é claro, as causas ambientais também estariam entre as suas preocupações.

*Redação Vermelho

Egito

A semana em que a revolução egípcia renasceu
By Antonio Martins– 29/11/2011
Posted in: Capa

Como os jovens da Praça Tahrir desafiaram militares, contrariaram islâmicos e venceram. Que o episódio pode sugerir aos movimentos anticapitalistas

Por Antonio Martins

I.
“Estamos vivos”

Como são frágeis e traiçoeiras as análises que vaticinam o fracasso das revoluções, diante de seus primeiros tropeços. Em 31 de agosto, Hussein Agha e Robert Malley, dois dos mais qualificados analistas norte-americanos sobre Relações Internacionais e Oriente Médio, publicaram, no New York Review of Books, um artigo elegante e erudito, intitulado “A Contra-revolução árabe”. Ao articular e interpretar um amplo conjunto de informações atuais, referências históricas e reflexões filosóficas, o texto sustentava uma hipótese: a primavera política iniciada na Tunísia no final de 2010, e que teve seu ápice em 11 de fevereiro deste ano – quando caiu o ditador do Egito, Hosni Mubarak – entrara em declínio.

Fora neutralizada principalmente por duas forças: militares e correntes islâmicas. Os jovens revolucionários do Cairo, que fizeram a história de seu país durante dezoito dias e que emitiram, da Praça Tahrir, ondas de inspiração captadas em todo o mundo, tendiam a ser marginalizados na nova ordem, que ajudaram a construir.

Menos de três meses depois, a Praça Tahrir envia uma resposta. Entre 18 e 27 de novembro, ela foi palco de um conjunto extraordinário de manifestações populares. Embora iniciada com uma marcha islâmica (em 18/11), a sequência de protestos foi conduzida, a partir do dia seguinte, pelos jovens que Agha e Malley viram como derrotados. Na última terça-feira (22/11), elas derrubaram um governo.

O general Mohamed Tantawi, presidente do Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) – que assumiu o poder desde a queda de Mubarak –, anunciou que aceitava a renúncia do primeiro-ministro, Essam Sharaf. Também comprometeu-se com eleições presidenciais até julho de 2012. Na sexta (25/11), o governo dos Estados Unidos, principal aliado dos militares, e que lhes oferece anualmente “assistência” de 1,3 bilhões de dólares, recomendou que o próprio CSFA transfira o poder para um governo civil. Nesta segunda (28/11), quando começou – com ampla participação e enormes filas – o longo processo eleitoral que formará o Parlamento e levará a uma nova Constituição, o ambiente político do país está transformado.

As mudanças foram conquistadas de forma heroica. As manifestações populares foram reprimidas com selvageria incomum pelas forças de segurança: balas, gases químicos ainda não-identificados, que queimam os olhos e a pele, granadas de “efeito moral”. Segundo números do ministério da Saúde, a repressão matou 41 pessoas e mais de 1.500 estão feridas gravemente – várias destas com perda dos olhos, atingidos por projéteis de borracha.



Mas a violência surtiu efeito contrário ao que esperavam os que a praticaram. A cada investida, Tahrir encheu-se de mais gente – que se defendia com pedaços de asfalto e coquetéis molotov. A partir de 22/11, a praça foi retomada. Ao final do dia, voltou a encher-se de barracas – como entre janeiro e março, quando o exército dispersou a multidão. Em seu centro, surgiu um grande cartaz: “Esta terra pertence ao povo egípcio”. Os manifestantes vaiaram longamente, em 22/11, o discurso (transmitido em cadeia de TV) em que o general Tantawi anunciou a demissão do ex-primeiro-ministro.

Rejeitam com ainda mais ênfase o novo primeiro-ministro indicado pelos militares em 24/11– Kamal El Ganzoury, um antigo auxiliar de Mubarak, de 77 anos, que ainda não conseguiu formar governo. Os jovens exigem que o CSFA entregue o poder a um “governo de salvação nacional”. Parte deles não se engajou nas eleições, que enxerga como ilegítimas, controladas pela oligarquia dos partidos e não representativas da vontade popular.

II.
Em transe, mas à esquerda



A retomada da revolução não é palavra final, capaz de estabelecer rumos de longo prazo para o Egito. No turbilhão em que vive o país desde fevereiro, há fatos novos, rearranjos de forças e reviravoltas constantes. Episódios anteriores demonstraram que, nas fases de relativa calmaria, os pontos de vista dos jovens não são majoritários. Além de culturalmente conservadora, e de manter laços fortes com a religião, a sociedade egípcia quer experimentar o jogo da democracia representativa, no qual o pensamento mais radical tende a obter resultados frágeis. Os próprios grupos que intuem a necessidade de superar as lógicas do capitalismo não têm uma alternativa de poder ou mesmo um programa claro – o que, aliás, não é uma lacuna apenas no Egito.

Mas examinar o que se passou por lá, nos últimos meses, é um exercício político fascinante e revelador. O exército assumiu o poder graças a uma trajetória histórica peculiar e a um comportamento sagaz, nas semanas em que o reinado do ditador desmoronou. Os grupos que foram decisivos para a derrubada do ditador – e que enxergam o mundo de modo muito semelhante ao de quem ocupa praças em Madri, Atenas, Santiago, Telavive ou Nova York – não souberam como materializar a ideia, ainda muito genérica, de uma democracia que vá além da representativa (ou “real”, como se diz na Espanha). Por isso, dividiram-se.

Em condições normais, o Parlamento será controlado por partidos islâmicos e liberais – e candidatos orientados por estas posições tendem a ganhar a disputa pelo Executivo. Mas surgiram contradições nítidas entre os interesses destes partidos e os dos militares. Elas puderam ser aproveitadas porque os grupos identificados com o espírito de Tahrir têm sido capazes de formular com grande clareza reivindicações imediatas que põem em xeque o poder tradicional. Nisso, eles parecem estar muito adiante de seus correspondentes no Ocidente. Como resultante de todos estes vetores, o futuro do Egito permanece em aberto e o cenário desloca-se para a esquerda. Num país em processo de se repensar, parecem crescer as perspectivas de uma democracia mais avançada e de um sistema de produção que incorpore elementos não-capitalistas.

III.
Praça Tahrir, o emblema



Muitos pensadores resistem a enxergar, na Primavera Árabe, pontos de contato com a realidade política do Ocidente. Para eles, os egípcios, tunisianos ou sírios vivem uma página já virada por aqui: a luta para superar os governos autoritários e instalar regimes liberais. Este entendimento tropeça em alguns fatos eloquentes. As grandes manifestações que eclodiram a partir de maio na Europa (Espanha e Grécia), América Latina (Chile e Colômbia), Israel e Estados Unidos têm pontos importantes de contato com os levantes árabes: presença predominante da juventude; ocupação do espaço público, como forma de luta principal; percepção que há, também aqui, poderes que se sobrepõem à democracia. Seriam meras coincidências?

O filósofo Toni Negri pensa que não. Ainda em fevereiro, após estudar atentamente as revoltas árabes, ele identificou um sujeito político novo, presente tanto no Egito e Tunísia quanto em qualquer grande metrópole da Europa, Américas ou da Ásia. Trata-se de uma “geração jovem, inteligente e bem formada”, que está envolvida nas redes planetárias de conhecimento, cultura e tecnologia; experimenta suas possibilidades libertadoras; e se revolta ao entrar em choque com a mediocridade da vida “real” contemporânea.

Negri frisou que este sujeito não era o único motor da revolução árabe – estava ao lado, por exemplo, das massas empobrecidas pela crise e dos movimentos islâmicos reprimidos durante décadas. Mas, para o filósofo, a nova geração jogaria papel essencial, por dois motivos. Seus desejos evitariam que a luta contra a ditadura se esgotasse na conquista de uma democracia parlamentar tradicional. Ao fazê-lo, dariam universalidade à primavera árabe, permitindo que suas ondas percorressem um mundo em busca de esperanças políticas.

Pouco antes, o correspondente do New York Times no Cairo, David Kirkpatrick, enxergara algo semelhante – não por meio da teoria, mas da reportagem (é provável que Negri tenha lido seu trabalho). Kirkpatrick localizou e entrevistou alguns dos jovens que lideraram o levante da Praça Tahrir. Ao descrevê-los, destacou que vinham de origens políticas distintas – da Fraternidade Muçulmana ao Partido Comunistas e às velhas agremiações liberais. Estavam na casa dos 25 aos 35 anos de idade. Sua condição social era a que Negri descreveria mais tarde: médicos, psicanalistas, engenheiros. Um deles, Wael Ghonin – na ocasião o mais proeminente, sequestrado e torturado por duas semanas pela polícia da ditadura – era um diretor do Google no Egito.

Algo, em especial, chamou a atenção de Kirkpatrick. Os jovens da Praça Tahrir rejeitavam noções políticas que teriam sido caras às gerações anteriores: representação, liderança, protagonismo individual ou partidário. Preferiam atuar em rede. Extremamente hábeis na internet, tinham empregado inclusive táticas de hackers, para ludibriar a polícia. Talvez esta cultura explicasse a facilidade com que superaram as fronteiras entre as origens políticas de cada um.

Seu projeto para o Egito estava em formação. Nascidos entre as elites, eles haviam se aproximado resolutamente dos mais pobres, ao sentirem que neles estava a possibilidade de aprofundar a luta pela liberdade. Antes da insurreição, tinham realizado meses de trabalho político silencioso nas áreas mais pobres do Cairo. Conheceram seus problemas, aprenderam a falar sua língua. Não se assustaram quando algumas das mobilizações que ajudaram a promover evoluíram para a queima de carros. Embora chocados com as mortes de janeiro, não abandonaram a Praça Tahrir. Tinham, contudo, certa esperança nas instituições políticas que, apostavam, surgiriam após a queda de Mubarak.

IV.
Um exército contraditório



Em 11 de fevereiro, após 18 dias de insurreição, desabaram 31 anos de ditadura Mubarak. Diante da renúncia do presidente, num país onde a repressão impedira o florescimento de partidos regulares e legais, quem teria legitimidade para assumir o poder?

O Supremo Conselho das Forças Armadas (SCFA) deu um passo à frente. Seu atual líder e homem-forte do país, o general Mohamed Tintawi, foi, durante os dez últimos anos dos governo Mubarak, ministro da Defesa e vice-primeiro-ministro. Como um país capaz de derrubar nas ruas uma tirania feroz aceita, como novo líder, alguém tão ligado ao antigo regime?

A resposta está na história do exército egípcio e em seu comportamento, nos dias da insurreição. No início dos anos 1950, este mesmo país liderou uma onda anterior de revoluções modernizantes. Ela se espalhou por todo o Oriente Médio. Foi iniciada pela chamada Revolução de 23 de Julho (de 1952), no Cairo. Seu principal agente foram jovens militares reunidos no Movimento dos Oficiais Livres e liderados por Gamal Abdel Nasser. Eles derrubaram a monarquia por meio de um golpe de Estado e abriram uma ambiciosa agenda de mudanças. Constituíram um governo laico, encerraram a ocupação do país pela Grã-Bretanha, combateram a corrupção, a concentração de riquezas, o poder parasitário das elites. Nacionalizaram parte da economia. Declaravam-se antiimperialistas e partidários do pan-arabismo. Inspirados em seu exemplo, movimentos semelhantes espalharam-se, nos anos seguintes, pelo Irã, Síria, Iraque, Iêmen, Líbia.

As revoluções árabes terminariam degenerando em autoritarismo, corrupção, constituição de novas elites e acordos oportunistas com potências estrangeiras. Mas, no imaginário popular, estas chagas foram sempre mais associadas à figura dos novos ditadores que ao corpo do exército, cujo papel era coadjuvante.

E o prestígio das forças armadas voltou a crescer quando elas recusaram-se a reprimir a primavera de 2011. Esta atitude foi narrada com enorme riqueza num outro trabalho jornalístico notável: “Os dias da Praça Tahrir”, escrito pela jornalista Wendell Steavenson, publicado por The New Yorker e traduzido por Outras Palavras. Wendell viveu o cotidiano da praça durante as três semanas em que ela virou o Egito pelo avesso. Entre muitos outros aspectos, ela destaca a interação entre os manifestantes e os soldados – homens do povo, tão oprimidos quanto os que protestavam, às vezes explicitamente simpáticos ao movimento.

No início de fevereiro, ao perceberem que a posição de Mubarak tornara-se insustentável, os generais forçaram sua renúncia. Anunciada ao vivo pela TV, em 11/2, ela foi saudada por uma festa monumental na Praça Tahrir e por simpatizantes da democracia e da causa árabe em todo o mundo. Dois dias depois, o Supremo Conselho das Forças Armadas comunicou que estavam dissolvidas a Constituição e o Parlamento; e que haveria eleições presidenciais em setembro.

Desde então, o SCFA exerce o poder de fato. Formou-se um conselho civil de ministros, chefiado pelo agora demissionário Essam Sharaf; mas suas atribuições são simbólicas ou meramente administrativas. As questões-chave de política externa e segurança interna estão nas mãos dos generais.

No plano internacional, eles inovaram. A posição do Egito em relação ao tema geopolítico mais sensível da região – a ocupação da Palestina por Israel – mudou sensivelmente. O país deixou de ser esteio de Washington e Telavive no Oriente Médio. Numa possível reminiscência de seu passado pan-arabista, o exército egípcio foi participante ativo em dois movimentos destacados da luta pela independência palestina. Intermediou o acordo entre o Fatah e o Hamas, que pôs fim a anos de conflitos às vezes sangrentos e a troca de centenas de prisioneiros árabes por um soldado israelense capturado durante a ofensiva contra o Líbano, em 2006.

Mas no plano interno, os militares revelaram intenção de se perpetuar no poder e, pior, de manter intacto e operante o aparato repressivo do antigo regime. Mais de 12 mil ativistas continuam presos ou estão sendo processados. São acusados de lutar na revolução de janeiro-fevereiro (a mesma que colocou seus algozes no poder!) ou de fazer críticas ao Estado. Serão julgados por tribunais militares – às vezes, por “delitos” tão banais quanto postagens em blog. A tortura, endêmica no país há décadas, continua a ser praticada – segundo a Anistia Internacional, de forma tão generalizada quanto nos tempos de Mubarak.

Ao contrário do que sustentam certas análises de superfície, não significa que “nada mudou” no Egito. A revolução instaurou um clima de debate e mobilização permanentes. Cada tentativa de ato repressivo enfrenta protestos e resistência. Os militares recuam muitas vezes. Mas um sinal do que pode ocorrer, se a Praça Tahrir descansar, é o discurso repetido incessantemente na TV estatal, a de maior audiência. Em seus noticiários e outros programas, a revolução é vista invariavelmente como um ato encerrado em 11 de fevereiro. As sucessivas ondas de manifestações populares são tratadas como atos de perturbação da ordem, instigados por grupos antipatrióticos..

V.
O jogo eleitoral



Numa vasta reportagem publicada pelo Merip, um centro de estudos norte-americano sobre Oriente Médio (e traduzida para o português pela Rede Vila Vudu), Nate Wright retrata a campanha eleitoral por meio da qual os egípcios escolherão, a partir da última sexta-feira (26/11), os 498 membros de seu novo Parlamento. Ele descreve um ambiente de intenso debate. Os partidos e candidatos apresentam-se à população em cafés ou a céu aberto, durante encontros que se estendem pela noite e madrugada. São questionados na hora, por eleitores interessados em melhorias para seus bairros ou às vezes em favores pessoais – mas também em temas institucionais como a relação entre religião e Estado, o papel do Parlamento, o processo de escrever a Constituição. Não é raro que surjam, nestes encontros, referências ao papel desempenhado pela Praça Tahrir no processo de autoquestionamento vivido hoje pelo Egito.

Mas o texto de Wright revela, também, as grandes dificuldades enfrentadas pelos partidos que querem levar ao Parlamento o espírito de Tahrir. O foco central da reportagem é a ação de um grupo de militantes do Al Adl (Partido da Justiça) – provavelmente a mais forte das quatro agremiações formadas pelos jovens revolucionários, no pós-fereveiro.

Sua estrutura é precária, formada basicamente por trabalho voluntário. Sua experiência institucional, próxima de zero: ninguém viveu o cotidiano sequer de um Legislativo municipal. Seu discurso tende às vezes para fórmulas intelectualizadas, estranhas do pão-pão-queijo-queijo das audiências. Os militantes não costumam mentir, nem fazer promessas fáceis. Ao invés de se sair com rodeios, admitem claramente, quando não têm respostas às perguntas das plateias. Segundo as pesquisas que lhe são mais favoráveis, o Al Adl tinha, no início do mês, 4,7% das intenções de voto. Se conseguir eleger representantes, no intricado sistema eleitoral criado pelos militares, será uma força reduzida, quase simbólica no Parlamento.

A disputa principal, segundo indicam as sondagens, se dará entre dois blocos: os partidos islâmicos e os liberais. Entre os primeiros, destaca-se a Fraternidade Muçulmana. Fundada em 1928 (e depois ramificada em diversos países árabes), foi sempre muito popular, mas passou a maior parte de sua existência na ilegalidade. Opunha-se à monarquia, mas voltou-se contra o caráter laico da República criada pelos Oficiais Livres. Teria se envolvido num atentado cometido contra o presidente Nasser, em 1954. Foi proscrita e assim permaneceu até o fim do regime. Mas obteve 20% das cadeiras do Parlamento com reduzidos poderes já em 2005 – quando o regime de Mubarak, enfraquecido, permitiu que seus militantes concorressem na condição de independentes.

Além de capitalizar a força da religião, a Fraternidade apoia-se numa vasta rede de hospitais e escolas, que atendem parte da população egípcia diante da debilidade dos serviços públicos. Todos os prognósticos indicam que sua agremiação – o Partido da Liberdade e da Justiça – deverá ter a maior bancada no Parlamento. Seu posicionamento político exato é incerto. Alguns liberais temem que procure implantar um Estado islâmico e liquidar as liberdades políticas, mas o medo pode ser exagerado. Como todo partido grande, a Fraternidade é heterogênea. Seus líderes garantem respeitar a democracia. Sua juventude participou ativamente da revolução no início do ano; parte dela voltou à Praça Tahrir nas jornadas rebeldes dos últimos dias.

O risco maior de um fundamentalismo contrário às liberdades parece vir dos salafitas. São um ramo particular do islamismo, ultra-puritano, apegado ao extremo à tradição e explicitamente avesso a qualquer ideia que identifiquem como de origem ocidental – inclusive as melhores… No Egito, constituem um partido, com razoável presença entre os mais pobres.

A segunda corrente forte na disputa parlamentar é a dos partidos laicos. Nesta constelação, conta a reportagem de Nate Wright, está o Partido dos Egípcios Livres, formado por grandes empresários. Têm dinheiro, experiência gerencial, acesso a estrategistas eleitorais e de marketing. Sua bandeira é o laicismo. Ao erguê-la, conseguiram articular uma coalizão mais ampla, denominada Bloco Egípcio. Deste participam, por exemplo, agremiações marxistas.

Ainda entre o setor explicitamente laico, estão o Partido Social-Democrata, onde atuam intelectuais renomados, e o Al Wafd. É o mais tradicional (fundado em 1918) e experiente partido do país; mas, também, o mais identificado com as elites tradicionais – o que pode não ser um trunfo positivo, em tempos de questionamentos e transformações.

Por fim, correndo por fora, estão os antigos membros da agremiação de Mubarak, o NPD. Identificado com o antigo regime, sua agremiação foi posta fora da lei pelos militares, logo após tomarem o poder. Mas continuam a operar à sombra. Têm grande experiência política, laços com o poder econômico, as redes de clientelismo, o aparato de segurança oficial e grupos paramilitares. Por monopolizar o Estado, o NPD era numeroso: chegou a ter 3 milhões de membros. Muitos deles concorrerão ao Parlamento, agora abrigados em distintas legendas – tanto “filhotes” menores do velho partido, recém-fundados, quanto outras agremiações. Há alguns meses, o Partido dos Egípcios Livres foi o primeiro a admitir que incluíra, em suas listas de candidatos, ex-mubarakistas. Mas em seguida ficou claro que o mesmo expediente havia sido adotado por outras agremiações, interessadas em rechear suas listas com nomes conhecidos do eleitorado, e assim ampliar seu percentual de votos.

VI.
Dos conchavos ao impasse



No cenário político do Egito, a polarização central, nos dez meses desde a queda de Mubarak, foi entre Praça Tahrir e os militares. Um personagem representa o poder instituído; outro, sua negação radical e a busca de um projeto novo, ainda que indefinido. Mas foram frequentemente tensas, também, as relações entre a caserna e os diversos polos civis que disputam poder civil. Destas contradições surgiria, em novembro, a brecha que permitiu uma virada.

Desde que assumiu o poder, em fevereiro, e apesar ziguezagues táticos, o Supemo Conselho das Forças Armadas manteve sempre um norte: conservar, para os militares, o máximo de poder, pelo maior tempo possível. Em favor desta atitude pesa, entre outros aspectos, o gigantismo da máquina castrense. Muito próximo ao poder desde a revolução de 1942, o exército egípcio constituiu, ao lado de sua máquina militar, um conglomerado de empresas – industriais e de serviços. Produz “de macarrão a hotéis de luxo”, frisa a reportagem de Nate Wrigth sobre as eleições, já citada. Tem, portanto, interesses e quer preservá-los, numa nova ordem que afinal surgirá no Egito.

A arma principal dos militares, em favor de seu objetivo, tem sido a manipulação do processo eleitoral. Como não há nenhum poder civil instituído, é o SCFA quem, em última instância, dita as regras do jogo. Ao fazê-lo, tem procurado adiar e diluir a constituição de organismos políticos que assumam as responsabilidades que tomou para si. As eleições presidenciais que ocorreriam em setembro deste ano, por exemplo, foram adiadas. Permaneceram sem data estipulada até a recente onda de protestos (veja na Wikipedia verbete sobre possíveis candidatos).

Num certo sentido, a eleição do Parlamento é ainda mais importante. É a ele quem caberá aprovar uma nova Constituição. Mas os militares definiram um processo eleitoral particularmente intrincado, que se estende por dois meses e é de difícil compreensão para os cidadãos comuns. As duas câmaras parlamentares serão escolhidas separadamente. O país votará em rodízio: a capital e algumas outras cidades foram às urnas ontem (28/11) e hoje; nas próximas semanas, haverá mais duas rodadas, cada uma para um novo grupo de cidades. Há dois turnos. Dois terços dos candidatos são escolhidos entre listas apresentadas pelos partidos; um terço, entre mais de 6.000 postulantes independentes. Os resultados finais do pleito que começa agora só serão conhecidos em 13 de janeiro (para uma das câmaras legislativas) e 14 de março (a segunda).

Em favor do exército, deve-se ressaltar que, ao longo dos últimos dez meses, os principais grupos institucionais procuraram no poder militar a força para fazer valer seus pontos de vista sobre o futuro do país. Temendo uma possível islamização, os partidos laicos reivindicaram repetidamente que os militares definam algo como “cláusulas pétreas”, limitando os poderes constituintes do futuro legislativo. Ele não poderia, por exemplo, quebrar o caráter laico do Estado. Este tipo de intervenção militar modernizante segue, grosso modo, o modelo da Turquia – aliás, um exemplo cada vez mais presente.

Já a agenda dos islamitas junto aos militares foi, como é natural, de curto prazo. Há poucos pontos programáticos de identidade entre as duas partes. Mas, consciente de sua força eleitoral, a Fraternidade Muçulmana agiu, em diversos momentos, para reduzir a potência da Praça Tahrir e diluir as que esta exercia sobre o SCFA. Também a Fraternidade teme a mobilização social. Parece desejar que as eleições ocorram o mais cedo possível – preservando seu atual favoritismo – e conduzam à formação de um poder “normal”, capaz de tomar decisões e impô-las à sociedade.

No início de novembro, uma decisão do SCFA, longamente aguardada, azedou este ambiente de negociações em cúpulas. Com a proximidade das eleições, todos os partidos esperavam que os militares baixassem um “decreto supraconstitucional”, normatizando o processo que conduzirá à nova Constituição. Finalmente anunciado em 1º/11, ele foi visto, tanto pela Praça Tahrir quanto pela Fraternidade Muçulmana, como um tapa na cara.

Primeiro, por estabelecer “autonomia” militar tanto sobre os assuntos relacionados às Forças Armadas quanto sobre seu orçamento. Ou seja, se conseguirem torná-lo efetivo, o SCFA poderá se constituir num poder à parte, livre inclusive de limitações financeiras e, nestas condições, permanentemente capaz de interferir na vida institucional.

Além disso, os trâmites previstos no decreto para redação da nova Carta são tortuosos, tendentes a causar crises e divisões permanentes entre o poder civil. O Parlamento não redigirá a Constituição diretamente. Os militares nomearão uma comissão de cem membros, encarregada de preparar uma primeira versão da Carta. O Legislativo poderá alterar este texto – mas só no caso de reunir maioria de 2/3. Se houver desacordos, uma nova comissão, também indicada pelos militares, será encarregada de produzir novo texto.

É provável que os militares tenham calculado mal suas forças e a de seus adversários, quando tentaram estender a tal ponto seu poder. A série de rebeliões que marcou novembro, e levou a Casa Branca a pedir o fim do governo do SCFA, foi deflagrada em reação ao “decreto supraconstitucional”.

VII.
A nova insurreição



A primeira resposta à posição dos militares veio da Fraternidade Muçulmana. O grupo convocou, para 18 de novembro, uma grande manifestação contra o decreto supraconstitucional e pela entrega do poder aos civis. É provável que a data tenha envolvido cálculo político. Além de coincidir com sexta-feira – o dia em que ocorreram as manifestações decisivas na insurreição de janeiro-fevereiro – ocorreria dez dias antes das eleições, podendo repercutir mais intensamente sobre elas. Foi um grande ato. Dezenas de milhares de pessoas encontraram-se na emblemática Praça Tahir. Entre o público, misturavam-se membros e apoiadores da Fraternidade Muçulmana e os jovens rebeldes e laicos.

Terminado o protesto, as atitudes diferiram. Os apoiadores da Fraternidade desmobilizaram-se. Os jovens, não. Muitos milhares pernoitaram na praça, esboçando um novo acampamento. Foram reprimidos com brutalidade logo na manhã de sábado. As forças policiais destruíram rapidamente as barracas armadas e tentaram dispersar os manifestantes com granadas de gás e tiros. Já nesta investida, houve algumas mortes e 600 feridos.

Mas neste momento, começou também uma batalha campal que se estendeu por quatro longos dias, até a terça-feira. Os manifestantes resistiram. Sua postura atraiu milhares de outros. O heroísmo de Tahrir e seu papel na derrubada da ditadura são reconhecidos e admirados – mesmo quando as posições que prevalecem na praça não correspondem às da maioria dos egípcios. Além disso, as reivindicações apresentadas foram claras, objetivas e viáveis. Ao invés de algo radical porém inócuo, como o “No nos representan” às vezes ecoado pela Puerta del Sol, Tahrir formulou quatro exigências: a) demissão do governo do ex-premiê Sharraf; b) eleições presidenciais em abril de 2012; c) constituição de um governo “de salvação nacional”; d) reforma do ministério do Interior, responsável pelas perseguições políticas, torturas, prisões arbitrárias.

Na praça, como destacam reportagens mencionadas (1, 2), vigora uma democracia direta e horizontal, sem líderes instituídos ou espaços formais de tomada de decisões. Mesmo assim, a força das exigências permitiu que, durante quatro dias, este laboratório fervilhante de nova cultura transformadora funcionasse como um polo do cenário político do país. Já no sábado, em meio às conflagrações, compareceram pessoalmente à praça, para expressar solidariedade, dois pré-candidatos às eleições presidenciais: o Nobel da Paz Mohamed El Baradei e o ex-preso político Ayman Nour.

Os confrontos violentos estenderam-se até terça-feira, 22/11. A partir do domingo, espalharam-se do Cairo para Alexandria, Suez, Ismailiya, Quena, Assuit. Nem as mais de 40 mortes intimidaram os manifestantes. Em determinado momento, quatro hospitais de campanha estavam simultaneamente instalados na Praça Tahrir, todos funcionando com médicos e enfermeiros voluntários. Além da juventude politizada, acorreram outros setores, que se identificaram com a insurreição por terem também, como inimigo, a polícia egípcia e seus métodos selvagens. Uma excelente reportagem de Eduardo Febbro para o jornal argentino Página12 (reproduzida no Brasil por Carta Maior) retrata, por exemplo, a participação decisiva de três das principais… torcidas de futebol egípcias!



Febbro explica as razões do envolvimento: seus membros “detestam a Polícia, cuja brutalidade nada tem de novidade para eles; e detestam o sistema, cuja corrupção e desigualdade também conhecem bem. Estão habituados a enfrentar a polícia nas ruas, depois das partidas de futebol, e são especialistas na arte de pular muros, jogar pedras, resistir aos gases lacrimogêneos e caminhar diretamente contra unidades policiais altamente treinadas. (…) Mestres consumados nas táticas de guerrilha urbana, acumulam experiência que só eles têm, quando se trata de unir-se para enfrentar a polícia, ou dividir-se em colunas para contornar os batalhões da repressão e golpeá-los pela retaguarda, incendiando veículos policiais”. Um ativista mais convencional da Praça Tahrir, o estudante de Psicologia Abdel Gamal, reconhece, para o jornalista:“Sem a experiência das torcidas, duvido que tivéssemos podido resistir por tanto tempo”.

Na terça-feira, depois de três dias defendendo-se, a praça foi à contra-ofensiva. Convocou-se uma “Marcha de um milhão”, para tornar ainda mais visível a luta pelo fim do governo militar. Organizada sem o apoio da Fraternidade Muçulmana, ela reuniu, segundo todas as fontes, algumas centenas de milhares de pessoas. Três dias depois, na sexta (25/11), um público ainda maior participou de um novo ato.

A partir da terça-feira, a tenacidade da resistência começou a alterar a correlação de forças. Até os generais deram-se conta que ampliar a carnificina – sem resultado prático relevante – significaria, para eles, um desgaste insuportável. O SCFA iniciou um giro tático. Naquela mesma manhã, o general Tantawi reuniu-se com dez partidos políticos, inclusive a Fraternidade Muçulmana. À noite, anunciou a demissão do gabinete, e a convocação de eleições presidenciais até julho de 2012. Dois dias depois, o homem-forte do governo pediu desculpas pela repressão e comunicou que a polícia iria se afastar de Tahrir e suas adjacências. O exército, que foi sempre poupado dos enfrentamentos, assumiu seu lugar, atuando de maneira pacífica. A praça conquistara mais alguns troféus simbólicos, em sua curta (porém tão rica…) história de batalhas por uma nova democracia.

VIII.
Outro projeto de revolução?



Analisar a correlação de forças e desenhar, com base nela, estratégias e táticas foram, em todas as épocas, alguns dos desafios intrincados com que se depara quem se atreve a questionar e transformar as sociedades. A imensa maioria dos jovens que derrubaram Mubarak no início do ano e permanecem mobilizados jamais se propôs a ingressar num partido político, disputar um mandato parlamentar, exercer alguma forma de poder estatal. Intui a possibilidade de outra política, baseada em ações autônomas, em formas de autogoverno e de articulação em rede que superem a representação. No Egito, tudo isso tem se mostrado especialmente potente.

Mas parte desta juventude politizada parece ter acreditado, além disso, que seu sentimento correspondia ao da sociedade egípcia. Esta ideia cresceu durante os enfrentamentos da última semana. É natural que vitórias tão épicas produzam, entre seus protagonistas, um sentimento de potência e relevância. Como conta, entre muitas outras, esta matéria no jornal londrino The Guardian, cresceu, na Praça Tahir a proposta de boicote às eleições parlamentares.Se a política institucional é tão medíocre, por que os revolucionários deveriam curvar-se a ela?

Esta batalha, a praça não tinha como ganhar. Ao aceitar a queda do gabinete de ministros e ordenar à polícia que interrompesse a violência, no dia 22, o general Tantawi parece ter percebido que este passo atrás recolocaria o tempo a seu favor. Nos cinco dias que se seguiram, a normalidade voltou a se impor, pouco a pouco. Houve duas megamanifestações, é certo, mas os partidos retomaram o contato com os eleitores. Num país em que não há eleições livres há décadas, e em que os debates eleitorais atravessam a noite, nos bares e ruas, é evidente que o ato de fazer uma opção, depositando um voto em urna, tem enorme força simbólica.

Ainda ontem, uma blogueira que se apresenta como Zeinobia e é uma das vozes mais constantes e lúcidas da revolução egípcia, escreveu em Egyptian Cronicles, seu blog (em inglês): “É muito tarde para convocar um boicote. Pelo que vejo a meu redor, muitos egípcios comuns votarão. O boicote exigiria uma campanha – longa, não de uma semana. As pessoas estão extremamente preocupadas com o futuro do país e querem – mais do que alguns podem imaginar – uma transição civil pacífica”. A realidade lhe deu razão. Ontem, imensas filas formaram-se, desde muito cedo, nas seções eleitorais. A paciência dos eleitores superou a desorganização do pleito: não houve incidentes graves. As mesas ficaram abertas por duas horas mais que o previsto, para que ninguém ficasse sem votar.



Mas a realidade política do Egito sofreu uma nova mutação, nos últimos dez dias. A praça Tahrir mostrou que pode ir além da derrubada de um ditador. No intricado cenário que se formou no país, ela é capaz de assumir posições, diferenciar-se dos demais atores políticos, galvanizar parte importante da opinião pública, produzir fatos novos e modificar tendências. Os militares e os islâmicos terão de levá-la em conta. O novo Parlamento, também – qualquer que seja sua composição final.

Em seu ensaio no New York Review of Books, Hussein Agha e Robert Malley recordam que “as revoluções devoram seus filhos”. E preveem: “Os jovens ativistas que primeiro saíram às ruas tendem a ser derrotados nas escaramuças que se seguirão. (…) A condição usual do revolucionário é ser atirado à margem”. Talvez estejam certos. Foi quase sempre assim, nos séculos passados.

Mas a despeito disso, as revoluções foram, nestes mesmos séculos, a grande oficina da democracia, os momentos em que as multidões questionaram privilégios, conquistaram direitos, ampliaram as fronteiras da liberdade. O fato de seus líderes terem sido expulsos do poder depois de conquistá-lo por breve período, ou mesmo mortos ou traídos, não reduz o papel civilizatório destes momentos históricos raros e peculiares.

Além disso, a tradição política que desponta no século 21 permite lançar uma nova questão. A julgar pelo que se vê na Praça Tahrir, na Puerta del Sol ou no movimento Occupy, a própria ideia de revolução mudou. Os novos revolucionários nem almejam o poder, nem se veem como líderes. Atuam como instigadores de inteligência coletiva, como provocadores de fatos políticos capazes de produzir efeitos de longo prazo. A derrubada da ditadura de Mubarak, por exemplo. Em outras circunstâncias e outros lugares – quem sabe? – a instituição de um imposto redistributivo sobre os lucros do sistema financeiro e as grandes fortunas? A redução da jornada de trabalho? A garantia, a todos os seres humanos, de uma renda universal da cidadania? A definição de planos locais, nacionais ou globais para a redução das emissões de carbono e o combate ao aquecimento do planeta?

São meras conjecturas: a nova cultura política somente engatinha; a reflexão teórica sobre ela é ainda mais incipiente. Mas é ótimo saber que às vésperas de terminar 2011, este ano já tão cheio de surpresas, a Praça Tahrir contribuiu de novo para reviver – e reinventar – a ideia de revolução.



(Outras Palavras)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mabelle M. Arruda

É a musa desses dois blogues, Espírito no Dedo I e II...
é o meu amor...

Egito II

Internacional| 27/11/2011 | Copyleft
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Os jovens guerreiros da praça Tahrir
Os guerreiros de Tahrir não levam armas. Óculos de natação para proteger os olhos das balas de borracha da polícia, um que outro pano ou lenço para se proteger dos gases lacrimogêneos letais, tênis velozes e uma expressão comum que atravessa o rosto de uma geração de guerreiros democráticos que têm entre 20 e 30 anos e já vão para sua segunda revolução. Estão unidos por uma fraternidade a toda prova e uma coragem capaz de desafiar a de qualquer soldado de elite de um exército profissional. A reportagem é de Eduardo Febbro, direto do Cairo.
Eduardo Febbro - Direto do Cairo



(*) Sout al Horeya, a Voz da Liberdade. A canção foi gravada em Tahrir e é um hino à Revolução, à paz coletiva, ao sacrifício pela liberdade. Confira a letra em português

Fui para as ruas, jurando não retornar
E escrevi com meu sangue em cada rua
Nossas vozes alcançaram aqueles que não as podiam ouvir
E rompemos todas barreiras
Nossas armas eram nossos sonhos
E amanhã será tão promissor quanto nos parece
Por tempos estamos esperando
Procurando um lugar para nós
Em cada rua de meu país
O som da liberdade está chamando
Erguemos nossas cabeças ao céu
E fome não nos preocupava mais
O mais importante são nossos direitos
E escrever nossa história com nosso sangue
Se você fosse um de nós
Não fale à toa e nos diga
para largar e abandonar nossos sonhos
e pare de dizer a palavra “eu”
Em cada rua de meu país
O som da liberdade está chamando

(falado)

Mãos Egípcias escuras; contra a discriminação, levantem
Estendida entre rugidos de poder
Oh Juventude Nova.
O outono se trança em primavera
Acordando os assassinados através de um milagre
Mate-me, os mortos não irão recuar de seu país
Usando como tinta sangue, escrevo o futuro de meu país
Aquilo é meu sangue ou a primavera?
Ambos estão verdes
Eu sorrio de felicidade e não de sofrimento

Em cada rua de meu país
O som da liberdade está chamando
(Tradução: Márcio Larruscahim)

Abdel Gamal, Mohammed, Ali ou Omar não tem as mesmas ideias políticas, não são torcedores do mesmo clube, não vivem no mesmo bairro, não vão à mesma universidade, não pertencem ao mesmo extrato social nem se relacionam com a religião com a mesma intensidade; mas são os defensores da Praça Tahrir, uma mescla aguerrida de jovens laicos do Movimento Seis de Abril, meninos dos bairros pobres, estudantes de universidades caras, islamistas, jovens da burguesia urbana ativistas das novas tecnologias e torcedores de futebol que pertencem a uma das tantas torcidas organizadas que surgiram no Egito há dez anos. Abdel Gamal explica: “estamos unidos pela batalha. Aqui não há chefes nem hierarquia, nem ordens, nem capitão nem nada. Nosso inimigo comum é a polícia, que é o mesmo que o regime. Desde a Revolução de janeiro até agora nos unimos em situações extremas”.

Os guerreiros da Praça Tahrir não têm medo de nada. Os potentes gases lacrimogêneos lançados pela polícia tem uma carga letal denunciada por todas as ONGs internacionais, mas eles andam no meio da fumaça como se estivessem em um jardim. “Já estamos acostumados com os cassetetes, as balas de borracha, as corridas e a fumaça. Não nos amedronta”, diz Ali. Os grupos que protegem a praça se movem de maneira desparelha, mas com a mesma função: impedir que a polícia entre e os desaloje: “este é o espaço de nossa Revolução. Enquanto permanecermos aqui, a Revolução sobreviverá”, afirma Abdel Gamal.

Ali-el Sharif forma com outros jovens o núcleo mais aguerrido que esteve na linha de frente durante a brutal batalha travada na rua Mohammed Mahmud. Esta artéria desemboca no centro da Praça Tahrir e conduz ao Ministério do Interior, o prédio oficial mais odiado pelos revolucionários egípcios porque representa o pior do antigo regime que persiste no atual. Ali e seu grupo travaram as batalhas mais cruentas contra as unidades anti-distúrbios da Amn Al-Merkazi, a Segurança Central. Ali-el Sharif e Kamel Fatah não são da Irmandade Muçulmana e tampouco integram o Movimento 6 de abril: são ultras, ou seja, torcedores de futebol, da torcida organizada do Zamalek SC, que detestam a polícia, pela violência com que atua, e o sistema, pela desigualdade e corrupção que propaga. Estão acostumados a se enfrentar com as forças da ordem fora dos estádios de futebol e são especialistas na arte de saltar paredes, jogar pedras, resistir aos gases lacrimogêneos e travar choque frontal com unidades policiais perfeitamente treinadas.

“Sem eles, não teríamos resistido tanto”, reconhece Abdel Gamal. Abdel estuda psicologia em uma prestigiada universidade do Cairo, mas, na praça, é igual a Ali ou Kamel. “Nossa luta é contra o totalitarismo, a corrupção do sistema, a polícia secreta, a violência, a falta de meios e de liberdade. Isso se vê em todas as partes, desde um estádio de futebol até os bairros mais tranquilos”. A repressão do regime de Mubarak deu às torcidas organizadas um papel muito mais político que aquele que desempenham na América Latina. A polícia de Mubarak os cercou e eles se organizaram até criar estruturas perfeitamente coordenadas em cujo interior foi se alimentando um ódio sem limites à polícia e aos quadros do partido mubakarista PND (Partido Nacional Democrático). Tahrir os unificou em uma fraternidade acima de clubes e classes sociais. Kamel Fatah daria sua vida pelo Clube Zamalek SC, enquanto que Ashraf daria a sua pelo Al Ahly Sporting Club. Ambos não têm mais de 23 anos. São mestres na tática de guerrilha urbana. Eles detêm uma experiência única quando se trata de enfrentar a polícia ou contorná-la e incendiar os veículos das forças da ordem.

Os demais jovens, os mais politizados, os que floresceram com a luta social em apoio às greves de 6 de abril de 2008 – origem do Movimento 6 de Abril – os respeitam como heróis. “Eles foram os atores determinantes da Revolução de janeiro. No dia 25, sem que ninguém os chamasse e sem que houvesse uma consigna posterior, eles vieram defender a Praça Tahrir. E dali não se moveram”, lembra Tamer, um advogado recém-formado. O Egito e o mundo, por meio da televisão, descobriram esses jovens especialistas na luta e na logística para defender a ocupação de espaços. A capacidade de mobilização desses ultras é massiva e instantânea. Os três principais, Ahlawy, os White Knights e os Blue Dragons, reúnem dezenas de milhares de pessoas. O poder que os infiltrou e buscou manipulá-los para convertê-los em seus lacaios encontrou neles seus inimigos mais duros.

Nos momentos de tranquilidade, os guerreiros de Tahrir são como meninos. Disputam corridas, simulam lutas, contam sonhos, cantam slogans de seus clubes, gritam outros contra o regime e a polícia ou cantam estrofes da já célebre Sout al Horeya, a Voz da Liberdade. A canção foi gravada em Tahrir e é um hino à Revolução, à paz coletiva, ao sacrifício pela liberdade. “Rompemos as barreiras/Nossa arma foi nosso sonho/Em cada rua de meu país/A voz da liberdade está nos chamando/Mantemos a cabeça alta até o céu/O mais importante são nossos direitos/E escrever nossa história com sangue”. Não há ninguém na Praça Tahrir que não conheça essa letra. Aqui, cada indivíduo está disposto a escrever a história com seu sangue: as torcidas organizadas, os estudantes, os islamistas, os burgueses e os operários. A praça está regida por uma ordem fraternal e espontânea.

“Estamos criando um mundo, e isso é mais que a própria Revolução”, assegura Fadi com olhos cansados e metade da boca coberta por um ferimento. Há quatro dias a polícia o encurralou em uma das ruas adjacentes à praça, mas à noite voltou à arena, primeiro participando do bloqueio à entrada da sede do governo para que o novo primeiro ministro não entrasse, e depois voltando à praça. Fadi é engenheiro e está sem trabalho por enquanto. Algumas semanas antes da Revolução de 25 de janeiro, uma empresa alemã ofereceu-lhe trabalho em um porto alemão. Ele havia aceitado, mas a revolta de Tahrir mudou seu destino.

“Isso não é uma praça, é uma República em si, um espaço desses com os quais se sonha e que as combinações da vida tornam realidade”. Isso é precisamente o que mantém ativos e fraternais os guerreiros de Tahrir: “Salvo algumas pouquíssimas ocasiões, aqui não se permite que os políticos tomem a palavra”, conta Abdel. O que diz está escrito em letras vermelhas sobre as lonas instaladas na parte central da praça: “é proibido lançar proclamações políticas, está proibida e entrada de todos os partidos políticos”.

Neste domingo haverá uma nova manifestação cuja palavra chave é outra lição para as classes políticas do planeta e os movimentos de luta social: “legitimidade revolucionária”. Para os guerreiros de Tahrir, isso significa algo muito profundo: “quer dizer que um movimento popular e nacional é uma expressão de soberania e de legitimidade muito mais válida e transparente que os acertos feitos de costas para o povo entre os militares e os políticos do velho sistema”.

Tahrir se prepara para uma nova jornada revolucionária. Seus defensores acompanham atentos os movimentos da polícia. Movem-se como felinos pacíficos, autênticos guerreiros que protegem sua legitimidade e o território conquistado apesar das feridas, dos golpes, das diferenças entre eles, da ameaça iminente de uma nova barbárie policial.

A sua maneira juvenil e comprometida, os guerreiros sem armas de Tahrir são os guardiões de um sonho universal. Aqui, neste espaço já atingido pela luz da lua se joga uma partida que excede os espaços da praça. Muitas coisas confluem para Midan-Tahrir: estações de metrô, avenidas importantes e a imagem do Egito eterno com o Museu Egípcio repleto das maravilhas mais extraordinárias da civilização dos faraós. Do outro lado, está o passado com o edifício escurecido pelas chamas, a sede do partido de Hosni Mubarak, incendiado em janeiro assim que iniciou a revolta que derrubou o ditador. No centro da praça está o presente e o ainda incerto futuro. A democracia ou a ditadura.

Tradução: Katarina Peixoto



Fotos: http://www.arabawy.org

(Carta Maior)

Poesia

A filha do rei

Aquela cor de cabelos
Que eu vi na filha do rei
- Mas vi tão subitamente -
Será a mesma cor da axila,
Do maravilhoso pente?
Como agora o saberei?
Vi-a tão subitamente!
Ela passou como um raio:
Só vi a cor dos cabelos.
Mas o corpo, a luz do corpo?...
Como seria o seu corpo?...
Jamais o conhecerei!

Manuel Bandeira
(1886-1968)

(Poemblog)

Euro

Euro: e la nave va...
Um crescente número de analistas vem advogando o fim do euro. Até recentemente isso era impensável, apresentado como idéia completamente especulativa de saudosos do antigo nacionalismo europeu que, sempre é bom lembrar, é sempre conservador e xenófobo. Já há até quem advogue que a iniciativa deveria partir não dos insolventes Grécia e Portugal, mas da própria Alemanha, “antes que seja tarde demais”. O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar - Correspondente da Carta Maior em Berlim

Na semana que vem (08 e 09/12) vai se realizar uma nova cúpula da União Européia. A expectativa só faz aumentar a balbúrdia na Zona do Euro. Parece mentira, mas dois jornais completamente opostos em Berlim conseguiram achar um denominador quase comum.

De um lado o conservador e sisudo “Die Welt” apontou que Berlim estaria tramando com mais cinco “companheiros” o lançamento de uma espécie de “Letras da elite”. Essas Letras seriam referentes às dívidas soberanas dos países desse clube seleto da Zona do Euro: Alemanha, França, Finlândia, Holanda, Luxemburgo e Áustria, visto como os “austeros”. Assim esses países teriam como captar mais investimentos para refinanciar suas dívidas. E ainda, como justificativa, poderiam captar mais fundos para financiar as dívidas dos “indisciplinados” (no momento, Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália).

A medida poderia contornar a crescente dificuldade em conseguir compradores para as letras européias de um modo geral. Há uma crescente fuga desses papéis, e quem os têm só pensa em vendê-los.

Entretanto, o governo de Berlim definiu a idéia como “especulação” e desmentiu oficialmente que tal medida esteja em cogitação. Mas, como diz o ditado, ou uma pequena variante, onde há fogo há fumaça, e com a Zona do Euro pegando fogo do jeito que está, a fumaceira é geral, e tudo é possível.

Do outro lado do espectro jornalístico, o sensacionalista e nada vetusto (embora conservador do ponto de vista político) “Bild” afirmou que certamente nessa próxima cúpula haverá conversações sobre um novo tratado para a União Européia, a partir de iniciativas de Berlim. Não se sabe muito bem o que seria esse novo tratado, e qual sua relação exata com a U. E., de um lado, e a Zona do Euro, de outro. A notícia revela, no entanto, o crescente desconforto interno da U. E. com a crise do Euro, que pode arrastá-la para o abismo da dissolução desorganizada, uma espécie de salve-se-quem-puder no Titanic.

Um crescente número de analistas vem advogando o fim do euro. Até recentemente isso era impensável, apresentado como idéia completamente especulativa de saudosos do antigo nacionalismo europeu que, sempre é bom lembrar, é sempre conservador e xenófobo, ao contrário do latino-americano, que é progressista e includente. Já há até quem advogue que a iniciativa deveria partir não dos insolventes Grécia e Portugal, mas da própria Alemanha, “antes que seja tarde demais”.

A idéia de abolir o euro continua sendo uma idéia conservadora, uma ruptura com princípios de solidariedade continental. A raiz do seu recente crescimento, no entanto, está no fato de que aquela primeira idéia aqui exposta – a de uma letra de algum tesouro internacional – está se tornando inevitável. Essa letra poderá ter maior – toda a Zona do Euro, através do Banco Central Europeu – ou menor alcance: apenas o grupo dos seletos disciplinados, como expôs o “Die Welt”. Mas ela acabará se materializando, tanto quanto se possa usar essa palavra em relação à realidade virtual das moedas hoje circulantes.

Talvez se deva dizer que ela acabará se digitalizando. Aliás, ela só não se digitalizou ainda por resistência da chanceler Ângela Merkel, que está sendo olhada cada vez mais como uma Exu (desculpem a ousadia) da política européia. Exu, como se sabe, em algumas de suas versões, tem dupla face, e por isso semeia a discórdia por onde passa. A chanceler tem sido descrita como quem defende os interesses de Bruxelas em Berlim e os de Berlim em Bruxelas, o desses dois lócus da política Européia em Frankfurt (sede do Banco Central Europeu) e vice-versa. Em casa, tem de acalmar os eleitores e seus aliados CSU (da Baviera) e FDP (dos liberais bastante conservadores) dizendo que vai exigir disciplina dos indisciplinados. No restante da Europa tem de acalmar seus parceiros governantes dizendo que vai exigir espírito de compromisso por parte de seus compatriotas. Enfim, um verdadeiro torcicolo.

Torcicolo semântico foi dado ao apagar das luzes da semana passada pelo novo primeiro ministro italiano Mario Monti, eleito pelo Consenso de Bruxelas para por a casa em ordem, ou pelo menos assim pensa o referido Consenso. Perguntado sobre se ele apoiaria essas letras internacionais, chamadas aqui de “Euro Bonds”, ele respondeu que sim, que apoiaria “Stability Bonds”, Letras da Estabilidade, tudo para evitar a maldita palavra que tem semeado discórdias veementes entre Ângela Merkel e Nicolas Sarkozy, que também estavam presentes.

Toda essa balbúrdia nasce do esforço titânico feito por estes e outros personagens para “acalmar os mercados”, uma tarefa decididamente inglória – missão impossível – porque equivale a pedir calma aos urubus em cima da carniça. A carcaça da carniça, no caso, é a União Européia e suas vísceras são os países da Zona do Euro, e os urubus estão tentando arrancar tudo o que podem antes que esses cadáveres sejam enterrados.
Ou que revivam, por algum milagre.

Esse milagre seria alguma reviravolta espetacular que conduzisse novos governantes às administrações do continente, livres da obsessão supersticiosa nos poderes miraculosos do “elixir da austeridade”. E substituísse esse tratamento apenas superficial e sintomático por algo de fundo, como um tônico de investimentos públicos que dinamizasse as economias e o poder aquisitivo das populações da região.

Calcula-se que isso poderá demorar uma geração. Ou seja, os atuais adultos entre 40 e 60 anos, mais ou menos, que amadureceram à sombra da queda do comunismo e do triunfo neoliberal na Europa, teriam de ser substituídos por uma geração mais jovem, disposta a enfrentar desafios inesperados – como o de disciplinar os mercados financeiros ao invés de triturar direitos do bem estar social. Ou dispostos a encarar de frente fatos como o de que, segundo dados divulgados na mídia na semana passada, os ganhos (não dá para chamar de “salários”) dos administradores dos universos financeiros subiram em 5.000%. Isso ao invés de ficar culpando os aposentados gregos, os salários dos funcionários públicos portugueses – ou da Espanha, ou da Itália, ou... veremos quem será o próximo.

Entrementes, tudo vai ficar na mesma balbúrdia. E la nave va...



Fotos: "A nave dos loucos" (+ ou - 1.500), de Hieronymus Bosch.

(Carta Maior)

Chile

Torturados por militar homenageado no Chile contam sua horrível experiência
Há testemunhos da crueldade do ex-brigadeiro Miguel Krassnoff, um dos mais temíveis torturadores de Pinochet: “esta cachorra não só é comunista, mas, além disso é judia… tem que matá-la”, foram as palavras do assassino e que foram escutadas por outros agentes que depois entregaram estes antecedentes à justiça. Diana, grávida, morreu nesse lugar e Krassnoff ordenou que fizessem desaparecer seu corpo. Isso ocorreu entre os dias 19 e 20 de novembro de 1974.
Christian Palma - Correspondente da Carta Maior em Santiago

A brigada Lautaro da DINA (a temida polícia secreta de Augusto Pinochet) era uma das unidades de extermínio criada pela ditadura que governou o Chile a ponta de fuzil, torturas e morte entre 1973 e 1990. Seu alvo principal eram as cúpulas dos partidos políticos contrários ao regime militar, em especial o Partido Comunista. Nessa divisão, o ex-brigadeiro Miguel Krassnoff se fazia conhecer por “Capitán Miguel” ou “Caballo loco” e é apontado como um dos mais temíveis torturadores nessa época obscura para o Chile.

A este mesmo ex-militar, condenado a 144 anos de cárcere pela sistemática violação aos Direitos Humanos, um grupo não menor de chilenos – todos apoiadores de Pinochet- ofereceu uma polêmica homenagem que dividiu outra vez a sociedade chilena entre uma minoria que ainda rememora os milicos e a maioria que não quer voltar a viver situações tão aberrantes.

A história de terror protagonizada por Krassnoff explica a inconformidade dos organismos de Direitos Humanos e de familiares dos detidos desaparecidos, pois afetou desde a ex-presidenta Michelle Bachelet até chilenos anônimos que foram torturados pelos agentes das forças armadas.

A partir da década de 2000 Krassnoff foi condenado sistematicamente por seqüestros e torturas. Em 2003, a então ministra de Defesa Michelle Bachelet confirmou que o ex-brigadeiro foi quem a deteve em seu domicílio, no princípio da ditadura e que participou dos interrogatórios a que foi submetida enquanto permaneceu presa no centro de torturas conhecido como Villa Grimaldi.”

“Acho que ele é uma das pessoas que foi me deter em casa e que durante minha estadia em Villa Grimaldi esteve presente durante os interrogatórios, mas como nos vendavam os olhos não posso dizer outras cosas. Ainda assim, eu escutei muitas vezes seu nome, mencionado em muitos atos e alguns muito violentos”, disse a ex-presidenta nessa ocasião.

O assunto é ainda mais duro para o ex-candidato presidencial Marco Enríquez-Ominami, cujo pai Miguel Enríquez, um dos fundadores do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (grupo político que enfrentou os militares) foi assassinado pelos agentes de Pinochet.

Com respeito à homenagem em si, Enriquez-Ominami a qualificou de “um insulto”. Outro a ver como velhas feridas se abrem foi o presidente do Partido Socialista, o deputado Osvaldo Andrade, que declarou: “eu sou parte da lista dos que foram torturados por Krassnoff e ver que lhe renderam uma homenagem me provoca pena, porque desmentem um conjunto de fatos que são de toda evidência e que a historia deste país conseguiu constituir. Como é possível que num país onde aconteceram tais atrocidades, tenha gente que se permita fazer uma homenagem. O que é o que há para homenagear? Um cara que carrega sobre si assassinatos e que abusou brutalmente dos detidos? Eu não estou dizendo coisas que me contaram; eu vi.”

Andrade afirmou que “Krassnoff, em Villa Grimaldi, se jactava de sua condição, gozava de impunidade e a este senhor estão rendendo homenagem”.

Outra das lembranças que foram removidas foi a que aconteceu com a jornalista e membro do MIR, Diana Arón, que foi ferida e torturada por Krassnoff. Isto apesar de ela estar grávida.

Há testemunhos de sua crueldade: “esta cachorra não só é comunista, mas, além disso é judia… tem que matá-la”, foram as palavras de seu assassino e que foram escutadas por outros agentes que depois entregaram estes antecedentes à justiça. Diana, grávida, morreu nesse lugar e Krassnoff ordenou que fizessem desaparecer seu corpo. Isso ocorreu entre os dias 19 e 20 de novembro de 1974.

Finalmente Patricio Bustos, diretor atual do Serviço Médico Legal (SML) foi outro dos que estremeceu o país com seu relato. “Marcelo Morem Brito (outro torturador) e Miguel Krassnoff começaram imediatamente com golpes em ambos os ouvidos. A seguir me conduziram até a torre, me despiram, me penduraram de pés e mãos e começaram com aplicações de eletricidade e golpes de mãos, pés e com diferentes objetos. Queriam saber tudo que fosse relacionado com a resistência, da qual estou orgulhoso de ter participado”, disse Bustos, também membro do Movimiento de Izquierda Revolucionario.

No dia 10 de setembro de 1975 Bustos tinha 24 anos e trabalhava em um laboratório clínico. “Com isto revivi o que aconteceu comigo e com a minha companheira e outras pessoas que estavam nas mãos deste criminoso, que não estava só. Isto é uma bofetada não só nas vítimas, mas também ao tipo de país e democracia que queremos. Isto demonstra que o pinochetismo não deixou de existir e aproveita os espaços que se criam a partir de determinadas situações. No Chile ainda existe um jornalismo pinochetista, uma cúria pinochetista, um parlamentar pinochetista. Se constrói isto e se legitima”, conclui.

Tradução: Libório Junior


(Carta Maior)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Comunicado das FORC - Forças Revolucionárias de Cipó

Ainda existimos!

Paris

ão é tão estranho, mon ami
By admin– 25/11/2011
Posted in: Destaques


Chéri à Paris investiga o curioso costume dos franceses em dizer que sim dizendo que não. Os brasileiros fazem isso?

Por Daniel Cariello*, em Chéri à Paris

“Ce n’est pas” e sua abreviação “c’est pas” significam “não é” em português. Ou deveriam significar. Só que nem sempre é assim.

– “C’est pas mauvais” literalmente quer dizer “não é ruim” e na verdade significa que é bom.

– “C’est pas si mauvais” literalmente quer dizer “não é tão ruim” e na verdade significa que é muito bom.

– “C’est pas mauvais du tout” quer dizer “não é nada ruim” e é o maior elogio que você pode receber de um francês.

– “C’est pas cher” literalmente quer dizer “não é caro” e na verdade significa que é bem barato.

– “C’est pas terrible” literalmente quer dizer “não é terrível” e na verdade significa que é muito terrível.

– “C’est pas un sauvage” quer dizer “não é um selvagem” e é comumente usado para falar de alguém, vejam só, muito bem educado.

– “C’est pas grave” literalmente quer dizer “não é grave” e na verdade significa que você acabou de fazer algo bem grave.

E aí outro dia eu fui conversar com um amigo sobre essas curiosidades.

– Fernando.

– Pois não?

– Já parou pra pensar nessas expressões? E depois os franceses acham que os brasileiros complicam a língua, invertendo o sentido das palavras.

– Os brasileiros é que invertem? Pois sim…

——–

(*) Daniel Cariello, editor da revista Brazuca, é colaborador regular do Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui



(Outras Palavras)

Palestina

Casi una tercera parte de los refugiados del mundo son de Palestina
Raquel Martí*

Martes 22 de noviembre de 2011, por Revista Pueblos

En 1948, 700.000 personas palestinas fueron despojados de sus tierras, sus hogares y de sus recuerdos, convirtiéndose en refugiados. Hoy son más de 4,8 millones, la tercera parte de los refugiados del mundo que, de alguna manera, siguen esperando con anhelo el regreso a sus hogares y el reconocimiento de su trágica historia. Una espera interminable dado que Israel no reconoce su estatus ni permite su retorno y además mantiene militarmente ocupado el territorio palestino.


Después de más de 60 años de expropiación, exilio y condición apátrida, en los que las condiciones de los refugiados de Palestina lejos de mejorar se han agravado, UNRWA, la Agencia de Naciones Unidas para los refugiados de Palestina, gestiona 58 campamentos de refugiados donde presta asistencia, protección y defensa a 4,8 millones de refugiados de Palestina en 58 campamentos dispersos en la franja de Gaza, Cisjordania, Jordania, Líbano y Siria, en espera de una solución pacífica y duradera a su difícil situación.

LAS CONSECUENCIAS DE LA OCUPACIÓN

Durante más de 60 años, la población refugiada de Palestina se ha enfrentado al desarraigo, el despojo, el conflicto armado, la seguridad alimentaria, la pobreza, etc. Además de la situación anteriormente descrita la población refugiada de Palestina se enfrenta a la ocupación militar israelí desde 1967.

La ocupación del territorio palestino vulnera sistemáticamente los derechos de la población, afecta a sus vidas y a sus medios de subsistencia, además, los condena a la pobreza crónica, al sufrimiento y al desplazamiento forzoso. Las violaciones, que han convertido a los palestinos en una población desprotegida y privada de todo derecho, responden a una política discriminatoria llevada a cabo por Israel desde que en 1967 ocupara el territorio palestino, incumpliendo el Derecho Internacional e impidiendo una resolución pacífica al conflicto.

Otro asunto que dificulta duramente la vida y evolución de la población es el desplazamiento forzoso de la población palestina en la Zona C (el 60 por ciento de Cisjordania que está bajo control de Israel) y en Jerusalén Este mediante un sistema de desalojos, órdenes de demolición, revocación de permisos de residencia, cierres y restricciones de circulación. Se trata de una política de discriminación hacia los palestinos, en la que el 50 por ciento de la población afectada son niños. Esta experiencia suele tener un fuerte impacto en su bienestar psicológico, generando la aparición de problemas emocionales y de comportamiento, con consecuencias negativas en el logro educativo y en el aumento de la deserción escolar de los menores.

Por otra parte, en Jerusalén Este el Gobierno de Israel aplica una política cuyo objetivo es alterar el equilibrio demográfico, negando el derecho al crecimiento natural de la población palestina. OCHA estima que anualmente la población palestina necesita construir unas 1.500 viviendas para cubrir sus necesidades demográficas, si bien Israel concede únicamente unas 400 licencias anuales, por lo que aproximadamente el 28 por ciento de las casas de Jerusalén oriental e han edificado sin permiso, o lo que es lo mismo, 60.000 personas estén en riesgo de demolición de sus viviendas.

La población rural afronta una situación similar. El desplazamiento forzoso, contrario al derecho internacional, no sólo concierne a la población urbana de Jerusalén oriental, sino también la periferia rural donde decenas de refugiados que viven en la zona están siendo físicamente separados de Jerusalén, un área tradicionalmente importante para la vida política, económica, cultural y religiosa de la población. Esta situación no sólo afecta a su estatus residencial, sino a su acceso a los servicios de educación y salud, así como al desarrollo y planificación de sus comunidades.

En la misma línea, la sistemática prohibición de la libertad de movimiento es otro de los factores clave de la política de ocupación israelí. El desplazamiento de los palestinos está severamente restringido mediante un complejo sistema de prácticas administrativas y políticas, así como por la existencia de 516 obstáculos -bajo la forma de check-points, barreras, bloques de hormigón, etc.- que forman parte del sistema de cierres cuyo máximo exponente es el muro que Israel construye sobre Cisjordania.

En este sentido, la construcción del muro está teniendo un profundo impacto humanitario que afecta a las vidas y el sustento de cientos de miles de palestinos. Muchas de las comunidades más afectadas tienen una alta proporción de refugiados. Cuando el muro esté completado, aproximadamente el 15 por ciento de su trazado estará sobre la Línea Verde y el 85 por ciento en terreno cisjordano. Este trazado condenará a prácticamente 33.000 palestinos a quedar atrapados entre el muro y la Línea Verde; aproximadamente 126.000 palestinos permanecerán rodeados por tres de sus lados, mientras que unos 28.000 palestinos estarán literalmente encerrados por los cuatro costados.

No podemos dejar a un lado las consideraciones de la legislación internacional y en este sentido, la política de construcción de asentamientos israelíes en el territorio Palestino ocupado, así como el traslado de colonos, contraviene al derecho internacional y socava la búsqueda de una paz negociada. La ley también prohíbe la confiscación de la propiedad privada o de bienes públicos y obliga a la potencia ocupante a administrar el territorio de manera que respete los derechos de la población local, incluyendo la prohibición de modificar la composición demográfica del territorio. El número de colonos en el territorio Palestino ocupado, incluida Jerusalén Oriental, ha seguido aumentando y es probable que pase ya del medio millón. Aunque el 26 de septiembre de 2010 expiró la “moratoria" de 2010 de diez meses fijada por Israel con respecto a la expansión de asentamientos, según el último informe del Relator Especial de Naciones Unidas, durante el tiempo que duró la moratoria, los colonos no cesaron de construir establecimientos públicos, así como viviendas cuyas obras habían comenzado anteriormente. En los últimos meses se ha desatado un autentico furor constructivo que amenaza, una vez más, con expulsiones y demoliciones de viviendas palestinas.

El sistema dual de carreteras, como ocurre con la aplicación dual del régimen jurídico, crea dos ámbitos en Cisjordania: uno para los colonos israelíes y otro para los palestinos. Este hecho es particularmente visible en la construcción de una red de caminos alternativos diseñados para los desplazamientos de los palestinos, mientras se institucionaliza el control militar israelí de las principales carreteras existentes en el territorio palestino ocupado que son sólo accesibles para los colonos israelíes.

No hay que olvidar que las incursiones del ejército israelí en Cisjordania y en los campamentos de refugiados, incluida Jerusalén oriental, siguen cobrando numerosas vidas, daños a la infraestructura pública y la destrucción de bienes civiles.

LA INFANCIA EN EL TERRITORIO PALESTINO OCUPADO

Un hecho especialmente grave es el relativo al trato que recibe la infancia en el territorio Palestino ocupado. Según el Relator Especial de Naciones Unidas, desde el año 2000 se ha producido la muerte de 1.335 niños palestinos resultado de la presencia militar y de colonos israelíes.

Desde marzo de 2010, los soldados israelíes han disparado a 17 niños que recogían grava en la zona de amortiguación de Gaza para ayudar a la economía de sus hogares. Por otro lado, en el mismo año se registraron 256 menores de edad en los centros de detección israelí, entre ellos 34 de entre 12 y 15 años, cuyos delitos están relacionados con el lanzamiento de piedras o la participación en manifestaciones contra la ocupación o la construcción del muro. Cada año, alrededor de 700 menores de edad de Cisjordania son juzgados en tribunales militares israelíes tras ser detenidos, interrogados e internados por el ejército israelí. Estos niños además, denuncian graves violaciones de sus derechos durante los interrogatorios

ATRAPADOS EN LA FRANJA DE GAZA

La política de ocupación sobre la franja de Gaza se basa en el bloqueo que Israel ejerce desde que en el 2007 declarara la franja como “territorio hostil” a raíz de la victoria de Hamas en las elecciones legislativas.

El bloqueo es igualmente contrario al derecho humanitario Internacional, supone una violación masiva de los derechos humanos de la población, impide que la población se libere de la dependencia de la ayuda humanitaria, e imposibilita la reconciliación entre las dos fuerzas políticas mayoritarias de Palestina. El bloqueo israelí sobre Gaza ha creado una crisis humanitaria sin precedentes. En la actualidad las cifras de desempleo registradas (45 por ciento) se encuentran entre las más altas del mundo y la inseguridad alimentaria alcanza casi al 80 por ciento de la población. Este bloqueo ha producido que el número de personas que viven con menos de un dólar al día y solicitan diariamente asistencia alimentaria a la UNRWA se haya triplicado en los últimos dos años (de 100.000 a 300.000). El bloqueo repercute significativamente en los niños y jónes, que alcanzan más de la mitad de la población de Gaza, privándoles de futuro y abriéndoles la puerta hacia la radicalización.

En cuanto a la reconstrucción de Gaza, tras la agresión militar israelí Plomo Fundido que dejó casi 1.400 víctimas mortales (414 niños) y más de 5.000 heridos (1.855 niños), Israel apenas ha autorizado la entrada de materiales de construcción. UNRWA necesita construir 100 escuelas para cumplir con la obligación de educar a la siguiente generación en Gaza. A pesar de ello, las autoridades israelíes sólo han aprobado 100 proyectos humanitarios de organismos internacionales, 43 de ellos a la UNRWA, los cuales equivalen al 11 por ciento del presupuesto que la Agencia necesitaría implementar en la franja de Gaza.

Por otro lado, UNRWA se ve obligada a introducir la ayuda humanitaria en Gaza a través del paso de Kerem Shalom, dado que Karni, el paso de mayor capacidad, ha sido cerrado por Israel. Al ritmo actual de entrada de mercancías, la Agencia necesitará 75 años para completar el programa de reconstrucción. El cierre de Karni no sólo reduce la entrada de materiales a la Agencia, sino que produce un impacto devastador en el sector privado en Gaza y en los programas de organizaciones humanitarias como UNRWA. Además, el cierre de Karni también hace que sea casi imposible alcanzar las metas de exportación establecidas por el Acuerdo sobre Acceso y Movimiento de 2005 firmado por el Gobierno israelí y la Autoridad Palestina en el que se preveían 450 camiones de exportaciones diarios.

Además del bloqueo, otra medida que de forma alarmante vulnera los derechos humanos de los palestinos es el establecimiento por parte de Israel de una zona denominada de “amortiguación” que penetra 1.500m en Gaza desde la frontera, donde la población tiene prohibida la entrada y donde los militares disparan a todo aquel que penetre en la misma. Como resultado de esta medida, 58 palestinos perdieron la vida (22 civiles) y 233 resultaron heridos (incluidos 208 civiles) en 2010. Las fuerzas militares israelíes también obligan a los barcos de pesca de Gaza a no alejarse más de tres millas náuticas de la costa para faenar y disparan en señal de advertencia si sobrepasan ese límite.

UNRWA es considerada como uno de los actores que más contribuyen a la estabilidad regional hasta que se alcance una solución justa a la situación en la que se encuentran los 4,8 millones de refugiados de Palestina. En este contexto, la labor humanitaria de la UNRWA sólo tendrá efectos duraderos si se lleva a cabo en el marco de un proceso político significativo.


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*Raquel Martí es directora ejecutiva de UNRWA Comité Español.

Este artículo ha sido publicado en el nº 48 de Pueblos - Revista de Información y Debate, tercer trimestre de 2011.

Olimpíadas

25.11.11 - Brasil
A Copa (não) é nossa
Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital
Para bem funcionar, um país precisa de regras. Se carece de leis e de quem zele por elas, vale a anarquia. O Brasil possui mais leis que população. Em princípio, nenhuma delas pode contrariar a lei maior – a Constituição. Só em princípio. Na prática, e na Copa, a teoria é outra.

Diante do megaevento da bola, tudo se enrola. A legislação corre o risco de ser escanteada e, se acontecer, empresas associadas à Fifa ficarão isentas de pagar impostos.

A lei da responsabilidade fiscal, que limita o endividamento, será flexibilizada para facilitar as obras destinadas à Copa e às Olimpíadas. Como enfatiza o professor Carlos Vainer, especialista em planejamento urbano, um município poderá se endividar para construir um estádio. Não para efetuar obras de saneamento...

A Fifa é um cassino. Num cassino, muitos jogam, poucos ganham. Quem jamais perde é o dono do cassino. Assim funciona a Fifa, que se interessa mais por lucro que por esporte. Por isso desembarcou no Brasil com a sua tropa de choque para obrigar o governo a esquecer leis e costumes.

A Fifa quer proibir, durante a Copa, a comercialização de qualquer produto num raio de 2 km em torno dos estádios. Excetos mercadorias vendidas pelas empresas associadas a ela. Fica entendido: comércio local, portas fechadas. Camelôs e ambulantes, polícia neles!

Abram alas á Fifa! Cerca de 170 mil pessoas serão removidas de suas moradias para que se construam os estádios. E quem garante que serão devidamente indenizadas?

A Fifa quer o povão longe da Copa. Ele que se contente em acompanhá-la pela TV. Entrar nos estádios será privilégio da elite, dos estrangeiros e dos que tiverem cacife para comprar ingressos em mãos de cambistas. Aliás, boa parte dos ingressos será vendida antecipadamente na Europa.

A Fifa quer impedir o direito à meia-entrada. Estudantes e idosos, fora! E nada de entrar nos estádios com as empadas da vovó ou a merenda dietética recomendada por seu médico. Até água será proibido.

Todos serão revistados na entrada. Só uma empresa de fast food poderá vender seus produtos nos estádios. E a proibição de bebidas alcoólicas nos estádios, que vigora hoje no Brasil, será quebrada em prol da marca de uma cerveja made in usa.

Comenta o prestigioso jornal Le Monde Diplomatique: "A recepção de um megaevento esportivo como esse autoriza também megaviolação de direitos, megaendividamento público e megairregularidades.”

A Fifa quer, simplesmente, suspender, durante a Copa, a vigência do Estatuto do Torcedor, do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor. Todas essas propostas ilegais estão contidas no Projeto de lei 2.330/2011, que se encontra no Congresso. Caso não seja aprovado, o Planalto poderá efetivá-las via medidas provisórias.

Se você fizer uma camiseta com os dizeres "Copa 2014”, cuidado. A Fifa já solicitou ao Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) o registro de mais de mil itens, entre os quais o numeral "2014”.

(Não) durmam com um barulho deste: a Fifa quer instituir tribunais de exceção durante a Copa. Sanções relacionadas à venda de produtos, uso de ingressos e publicidade. No projeto de lei acima citado, o artigo 37 permite criar juizados especiais, varas, turmas e câmaras especializadas para causas vinculadas aos eventos. Uma Justiça paralela!

Na África do Sul, foram criados 56 Tribunais Especiais da Copa. O furto de uma máquina fotográfica mereceu 15 anos de prisão! E mais: se houver danos ou prejuízo à Fifa, a culpa e o ônus são da União. Ou seja, o Estado brasileiro passa a ser o fiador da FIFA em seus negócios particulares.

É hora de as torcidas organizadas e os movimentos sociais porem a bola no chão e chutar em gol. Pressionar o Congresso e impedir a aprovação da lei que deixa a legislação brasileira no banco de reservas. Caso contrário, o torcedor brasileiro vai ter que se resignar a torcer pela TV.

[Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org- twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].

(Adital)

Egito

Egito: o povo está vencendo
Escrito por Luiz Eça
Sábado, 26 de Novembro de 2011


Não foi o exército que venceu a revolução egípcia. Ele apenas a aceitou - como mal menor. O regime de Mubarak chegara ao fim. Tinha o povo todo contra ele, a opinião pública internacional, a maioria dos governos árabes e ocidentais. Não valia a pena ao exército sujar sua imagem de modo definitivo, transformando a Praça Tahrir num mar de sangue. E tudo na defesa de um governo que chegava ao fim, cujo provável sucessor seria o filho querido do ditador, um “garoto” de mente pró-Ocidente que venderia o país.



Tomando decisivamente a liderança da revolução, o exército pensava preservar seu poder. Ele não pretendia abandoná-lo. Apenas num futuro, o mais distante possível, poderia partilhá-lo com políticos civis pragmáticos, prontos a aceitar a manutenção dos privilégios militares.



Que não são poucos. No período Mubarak, o exército tornou-se proprietário de uma série de empresas, em geral dirigidas por generais reformados, que atuam nas áreas de veículos, tecidos, alimentação, cimento, construções, turismo, gasolina, aparelhos elétricos e plásticos, representando 25% da economia.



Há já 60 anos, o Egito vem sendo governado por militares. Foram eles que derrubaram a ditadura corrupta e pró-Ocidente do rei Farouk. Foi um deles, o coronel Nasser, que realizou a reforma agrária e pretendeu unir os árabes. Acabou derrotado por Israel, mas teve um enterro de herói, acompanhado por alguns milhões de pessoas.



É verdade que seus sucessores acabaram se compondo com os EUA e se tornando fiéis aliados. Até mesmo se estabeleceram relações amistosas com Israel. Mesmo assim, parecia natural que, para assumir o país no período pós-revolucionário, fosse formada uma junta militar. Talvez para deixar claro seu comprometimento com a democracia, os militares nomearam também um ministério civil, porém, com poderes bastante limitados.



Prometeu-se realizar eleições democráticas: “Conservaremos o poder até termos um presidente”, disse o general Mahmoud Hegazy, sob delirantes aplausos populares. E completou afirmando que isso aconteceria num prazo máximo de seis meses.



Mas a lua de mel durou pouco. Surgiram protestos contra a demora em julgar Mubarak, a manutenção de ministros e policiais comprometidos com as violências do regime anterior, a brandura com que foram julgados os mais odiados dentre eles e a permanência da Lei de Emergência, que dava à junta militar amplos poderes para prenderem quem desejasse.



As manifestações populares foram reprimidas com violência. Seguiu-se grande número de prisões: 14.000 em sete meses. Os presos foram julgados por tribunais militares. Que condenaram centenas deles a penas que iam de alguns meses a oito anos de prisão.



Mas as manifestações pedindo o fim das Leis de Emergência e do julgamento de civis por tribunais militares não pararam. Nesse clima, a campanha eleitoral começou.



População e os políticos duvidavam que os militares entregassem o poder e que as eleições parlamentares e presidenciais, marcadas para setembro e novembro, respectivamente, se realizassem.



Em fins de outubro, a Junta Militar convocou os líderes de 13 partidos para lhes apresentar um acordo que mantém o Supremo Conselho das Forças Armadas no governo até 2012 ou inícios de 2013. Esse acordo estabelecia um novo calendário eleitoral.



As eleições da Assembléia do Povo (equivalente à Câmara dos Deputados) começariam em outubro e prosseguiriam em três etapas, findando em janeiro. As eleições para o Conselho Shura (Senado) começariam em janeiro e seriam concluídas em março.



As duas Casas se reuniriam, então, num período entre fins de março ou começo de abril para eleger os membros de uma assembléia exclusiva para redação da nova Constituição num prazo de mais um ano, quando então seria submetida ao povo. Depois disso, seriam marcadas novas eleições presidenciais e parlamentares em fins de 2012 ou nos primeiros meses de 2013.



O novo calendário eleitoral, aplaudido por uma Hillary Clinton que teme a vitória da Irmandade Muçulmana, foi enfiado goela abaixo dos líderes dos 13 partidos.



No começo de novembro, a junta apresentou aos partidos alguns princípios e regras que deveriam constar da nova Constituição. Seu objetivo era preservar os privilégios dos militares, manter os assuntos de sua área fora da alçada do governo civil e conferir a eles, militares, a posição de guardiães da democracia. Confirmavam-se assim as suspeitas de que os generais pretendiam ser praticamente um Estado dentro do Estado.



Mas o povo não aceitou. Voltaram a acontecer manifestações de protesto no Cairo, convocadas por diversos grupos. Até que, em 18 de novembro, o povo voltou à Praça Tahrir, uma multidão, clamando pela marcação imediata das eleições presidenciais.


A princípio, a Irmandade Muçulmana, o maior agrupamento político do país, com cerca de 500 mil membros, recomendou calma, que o melhor seria seguir o caminho das negociações. Ficou fora. Na opinião dos seus chefes, mais importante seria garantir as eleições parlamentares marcadas para novembro, quando, segundo as pesquisas, teria 30% dos votos e o primeiro lugar destacado entre todos os partidos.



O povo continuou na Praça Tahrir, agora exigindo a saída imediata dos militares. Porém, a repressão foi mais violenta do que nunca: 38 mortos e quase 1.300 feridos. A Anistia Internacional divulgou um documento acusando a junta de ter fracassado em garantir os direitos humanos, descumprindo suas promessas, e cometido violências piores do que as do tempo de Mubarak.



Então, a maioria dos membros da Irmandade Muçulmana passou a engrossar os protestos. E o ministério civil fantoche resignou.



Assustados, os militares procuraram uma conciliação. Novamente os líderes partidários foram chamados e receberam a proposta de antecipação do pleito presidencial para julho do ano que vem.


No entanto, não estavam dóceis mais. Fortalecidos pelo apoio popular, exigiram eleições em abril e demissão da Junta Militar antes do início do verão, ou seja, até 21 de dezembro.



O marechal Tantawi foi à TV e repetiu a proposta de eleições do presidente em julho, quando então a Junta Militar renunciaria. Falou também na formação de um Ministério de Salvação Nacional, com figuras de confiança do povo.



Em vão. O povo não mais confiava no exército. Havia prometido sair em seis meses; 10 meses depois, continua no poder e ainda quer ficar mais nove meses. Era inaceitável.



Como último lance, os militares convocaram novamente os partidos e as forças populares a uma reunião para buscar um entendimento. Na ocasião, pretendem apresentar um novo ministério, com figuras respeitadas pelo povo. El Baradei, ex-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica e Prêmio Nobel da Paz, foi convidado para ser o novo primeiro-ministro. Mas só aceitará caso tenha poderes plenos para governar. O que dificilmente os militares concederão, pois aí ficariam sem função.



Tantawi chegou mesmo a falar em plebiscito para o povo decidir se querem ou não que eles saiam. Mas ninguém acredita que seja para valer.



Enquanto isso, embora a campanha eleitoral tenha parado, as eleições parlamentares continuam marcadas para segunda-feira, 28 de novembro. Se não forem adiadas, é certo que a Irmandade Muçulmana sairá como a mais poderosa força política do país. Desta vez endossada por esperados 30% dos votos.



Os militares farão de tudo para cooptá-la, de olho na grande massa de egípcios que ela passa a representar. Mas esses 30% dos votos darão forças para a Irmandade assumir as reivindicações da Praça Tahrir. Será um interlocutor poderoso que o exército terá de respeitar. Como a Irmandade emergiu dos cárceres de Mubarak moderada, é de se supor que ela aceite certas concessões.



No entanto, a decisão final não estará nas mãos dela. O povo, na Praça Tahrir, terá a palavra final. Alguns jornais falam em “Segunda revolução egípcia”. É mais crível que a verdadeira revolução começou agora.





Luiz Eça é jornalista.

(Correio da Cidadania)