sábado, 18 de maio de 2013

Filmes

 Cinzas e Diamantes
De cinzas e diamantes
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Por Jorge Pinheiro






Disse o pregador: "Há tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz".

Memórias. Em setembro dei uma entrevista a uma historiadora, minha amiga, e a conversa me fez recordar os anos 60. E me lembrei que, em 1965, ali no cinema Paissandu, na rua Senador Vergueiro, no Flamengo, travei um contato histórico com o melhor do cinema polonês, com o filme Cinzas e Diamantes (1958), o último filme da trilogia do diretor Andrzej Wajda sobre a Segunda Guerra Mundial.

O filme falou ao meu coração de jovem revolucionário, e foi gostoso ver como minhas leituras e sonhos se casavam com a estética de Wajda. Para quem não viu, a história de Cinzas e Diamantes acontece no último dia da guerra. Maciek, jovem membro da Resistência, interpretado por Zbigniew Cybulski, é militante do grupo que se opõe ao novo regime comunista e recebe ordem de matar um líder do PC. Maciek entra, então, em crise político-existencial: cumprir a ordem no momento em que a guerra chega ao fim ou rebelar-se. Não vou contar o filme, porque vale a pena você pegá-lo numa locadora. Mas é importante você saber que o pai de Wajda foi assassinado no início da guerra e que o próprio cineasta lutou na resistência contra os nazistas.

O filme foi baseado num romance de Jerzy Andrzejewski, um dos mais lidos da Polônia do pós-guerra. Esgotou vinte edições, sendo apontado como um dos mais importantes romances poloneses. Recebeu vários prêmios, entre eles da Academia Britânica de Cinema e do Festival de Cinema de Veneza, os dois em 1959. Mas, com a queda do regime, críticos se levantaram contra o romance de Andrzejewski e o filme de Wajda.

Nessa época, um dos expoentes da doutrina social da igreja católica, o padre Paul-Eugène Charbonneau, escrevia que "só uma verdadeira ordem social cristã (...) restituirá ao homem (...) sua liberdade total. Porque o combate social é um combate pela liberdade do homem, a qual nem o capitalismo, nem o comunismo respeitaram. Gorki tem toda a razão: Há muitos poucos homens livres no mundo, e é isso que faz a desgraça da humanidade".

Em 1967, eu me ligara a Ação Popular (AP) e, como estudante de Jornalismo da PUC/Rio, atuava no Centro Acadêmico das Ciências Sociais. Era uma época de boas discussões sobre a possibilidade do marxismo e do cristianismo caminharem em direção a um humanismo radical. A Ação Popular surgiu a partir do trabalho de antigos militantes da Juventude Universitária Católica (JUC).

Foi uma tentativa de construir um socialismo mais humano e, por isso, buscou inspiração em teólogos católicos como Teilhard de Chardin, Jacques Maritain e o padre Lebret. Teve também uma leitura protestante, cujo maior representante foi Paulo Stuart Wright. Foi de início uma organização predominantemente estudantil, e entre seus líderes podemos citar o Betinho (Herbert José de Souza), José Serra, Vinícius Caldeira Brant e Aldo Arantes. Sua mais expressiva liderança camponesa foi Manoel da Conceição, ativista das Ligas Camponesas.

Os debates na AP, apesar de interessantes, não me atraíam. Afinal, eu não me situava no campo da doutrina social da igreja. É certo que o tema da liberdade me sensibilizava, mas não o da religião. Era marxista, e tudo levava a crer que minha militância junto ao socialismo cristão da AP não deveria durar muito.

Para mim, religião era questão resolvida, pois concordava em gênero, número e grau com Marx. Ele, em suas obras filosóficas, mas especificamente na Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel, diz que “a miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real, e, de outro, o protesto contra a miséria real.” Hoje, a partir de Gramsci e de Dussel, faço uma nova leitura deste texto, mas, à época, não.

Por isso, partir para o enfrentamento com o regime militar era só uma questão de esperar, para ver onde se daria a seqüência de minha ação militante. Assim, no final de 1968, já não estava na Ação Popular. Tinha começado minha militância política no Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Só que agora, além de estudante de Jornalismo na PUC, era também jornalista da revista Manchete.

Foi em 1968 que vi mais um lindo filme, também ali no cine Paissandu: Trens Estreitamente Vigiados (1967), dos checos Jiri Menzel e Bohumi Hrabal, premiado com o Oscar da Academia de Hollywood como melhor filme estrangeiro de 1968.

Trens Estreitamente Vigiados também foi baseado em livro, do escritor Hrabal, uma obra autobiográfica. Nele, Hrabal traça um paralelo entre o sofrimento do povo checo debaixo da ocupação nazista e a desilusão de um jovem envolvido com conterrâneos que colaboram com os nazistas.

Hrabal viveu anos difíceis por causa de seu clamor e sua independência. Mas três milhões de leitores checos o amavam, e a crítica internacional acabou por descobri-lo. E as razões de seu sucesso também tocaram fundo meu coração, seu existencialismo explícito e sua resistência permanente ao totalitarismo.

Anos mais tarde, escrevendo sobre arte e revolução, Marcuse traduziria essa relação ao dizer que a arte, em virtude de sua própria qualidade subversiva, está associada à consciência revolucionária. Mas, agregava: quando a consciência de uma classe é integrada e embotada, a arte revolucionária será o seu oposto. E dava um exemplo que me obrigou a refletir sobre a União Soviética: onde os trabalhadores forem não-revolucionários, a arte revolucionária não será arte proletária.

A busca da compreensão dessa dialética abriu o caminho para a leitura de textos que iam de Trotsky à nova esquerda norte-americana. Memórias.

Talvez por isso o pregador deu seqüência ao seu discurso sobre o tempo, dizendo: "Deus marcou o tempo certo para cada coisa. Ele nos deu o desejo de entender as coisas que já aconteceram e as que ainda vão acontecer, porém não nos deixa compreender completamente o que ele faz".

12/7/2008

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