sexta-feira, 3 de maio de 2013

Boston

Boston, simbolismo de um massacre moderno
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por Joaquín Roy*

Miami, Estados Unidos, abril/2013 – A qualquer visitante em Boston é lembrado que, em 1770, houve, diante da Old State House (edifício governamental colonial), o chamado Massacre de Boston. Foi uma demonstração da repressão violenta das tropas inglesas contra os protestos anticoloniais.

Boston ocupa um lugar preferencial no altar dos mitos identitários dos Estados Unidos. A cidade é os Estados Unidos em essência pura, com todas suas excelências, carências e contradições. Cultura, história, experiência imigratória e política são palpáveis com pleno sabor norte-americano. Talvez por isso, os responsáveis pela nova matança de Boston decidiram tirar as vidas dos maratonistas de dezenas de países que seguiam um sonho.

Boston possui um impressionante elenco universitário, de todas as classes e custos, abrigo de conservadorismo, liberalismo e radicalismo. Nada de estranho no fato de o puritano John Winthrop falar em 1630 aos seus concidadãos sobre o destino da cidade de se converter em uma “cidade na colina” (city upon a hill), qualidade de reminiscências bíblicas.

Como mérito e cumprimento da missão recebida, Boston presume ter fundado a primeira escola pública dos Estados Unidos, a Latin School (1635). Conseguir entrar em Harvard (a primeira universidade dos Estados Unidos, fundada em 1636) ou no Massachusetts Institute of Technology (MIT) é uma proeza e garantia de sucesso profissional.

Entretanto, o mais identificável de Boston é seu especial “parque temático” de marcos históricos, reais e engrandecidos, reverenciados e protegidos, com se deles dependesse a existência de uma nação que desde seu nascimento não foi mais do que uma ideia.

O credo nacional continua baseado em um trio fundamental: “a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. A primeira deriva do direito natural, a segunda está juridicamente garantida, mas a busca (que não a garantia) da felicidade é o que cabalmente define a genuína ideia norte-americana, e de Boston.

A forma mais lógica de rastrear este código é deixar-se levar pelo meticulosamente sinalizado “caminho da liberdade”, indicado nas calçadas e pavimentos com pedra avermelhada.

Inaugurado em 1951, com um trecho de quatro quilômetros, cobre 16 ícones. Pode-se começar no parque Boston Common e dali visitar o cemitério onde estão enterrados alguns dos líderes e fundadores da nova nação. Depois pode-se visitar a Old South Meeting House, um dos prédios de fundação do sistema deliberativo.

Depois, o itinerário adequado é caminhar até a casa de Paul Revere (mitificado patriota de origem francesa-huguenote), onde se desenhou o sistema de alertar a população próxima do lugar de penetração das forças britânicas, com o uso de sinais de lanterna: dois por mar, um por terra.

O périplo deve terminar no monolito de Bunker Hill. Uma rota alternativa é tomar uma balsa no porto até o molhe onde está amarrado o navio USS Constitution, o mais antigo da marinha norte-americana, em serviço desde 1797.

De volta ao centro, a escala obrigatória deve ser o cenário do Boston Tea Party (1773), emblemática mostra de irritação dos bostonianos.

Sem tratar de cruzar a linha de exigir a independência, protestaram pela imposição de taxas sobre a importação do chá. “No taxation without representation” (não a impostos sem representação) foi o grito de guerra civilizada. Mas as reticências inglesas em responder a esta petição razoável acabaram com a paciência da população e inspiraram a “revolução”, que acabou por se estender a todas as colônias.

Por esses motivos, os fundadores do atual movimento político de tendência contestatória, que considera a oscilação centrista do Partido Republicano como um desvio, consideram conveniente se apropriar da emblemática etiqueta. Não por casualidade a variedade ideológica de Boston foi o berço da carreira do frustrado candidato republicano Mitt Romney.

Para equilibrar o ânimo, o dia deve obrigatoriamente acabar em Faneuil Hall, com uma bem merecida ceia de frescos produtos marinhos.

O paradoxo dos Estados Unidos consiste em desfrutar de um legado de rejeição ao colonialismo britânico e depois conservar suas tradições políticas e normas jurídicas, para cimentar a construção da nova nação na atração dos estrangeiros, qualquer que seja sua procedência.

Boston é uma mostra palpável. Aceitando o convite de Emma Lazarus inscrita na Estátua da Liberdade (“dê-me vossas massas bagunçadas, desejando ser livres”), as famílias dos supostos terroristas chechenos chegaram a Boston.

As modernas e maciças boas-vindas ao resto do mundo mostradas pela maratona foi castigada pelo novo massacre de Boston. No próximo ano haverá nova corrida, de luto pelo segundo moderno massacre, mas em busca da felicidade. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami (jroy@Miami.edu).
(IPS)

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