quinta-feira, 9 de maio de 2013

Jabor, q já foi de esquerda

A Suprema felicidade:
Jabor e seu adágio
cinematográfico
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Por Luiz Rosemberg Filho & Sindoval Aguiar, do Rio de Janeiro


Duro é sentir que a única poesia que se consegue tirar hoje em dia é a da miséria política, da violência, da pobreza, da miséria espiritual do ser humano reduzido a farrapos.

“Conscientes de estarmos destinados a perder nossos amores, nós somos melancólicos talvez ainda mais por percebermos no amante a sombra de um objeto amado outrora perdido.”
Julia Kristeva

Colagem de Luiz Rosemberg Filho
Digamos que o cinema é um sistema aberto de linguagens tensionadas por um saber profundo, ou não. Entre nós foi sempre uma utopia sem gozo, pois temos todo um mercado ocupado militarmente por Hollywood. Defendido pela mídia e por um modelo vazio de poder, apenas reprodutor da lógica da manutenção do status quo. Bem, preencher a ludicidade da nossa má formação afetiva, política e cultural é complicado porque um buraco negro aparece na vida de todos nós, uma espécie de labirinto vazio, onde a concretude passa a ser o não-ser para a vida, numa construção complexa de contradições diferenciadas para cada indivíduo.

O resgate familiar é sempre mais complicado. Todo o processo de assimilação passa por choques, encantamentos e voyeurismos. Jabor, neste sua A Suprema Felicidade, é menos obsessivo criativamente que no seu genial Tudo Bem, para nós a sua obra-prima. Aqui a experiência é menos totalizante, e passa por uma espécie de nostalgia feliz como substância da sua formação. Ou talvez, a formação de todos nós, com o passado sendo ultrapassado por um presente sem singularidade alguma. Faz um filme de transição pós-vanguarda e pós Fellini, a quem o trabalho poderia ser dedicado. Jabor tenta traduzir tempos distantes e esquecimentos simbólicos. Ênfase na presença do avô (não muito bem interpretado por Nanini), e a descoberta do sexo que tem suas raízes na sua própria mãe.

Jabor não esconde sua constelação de desejos no redimensionamento das nossas primeiras utopias: o Brasil! Sempre sonhando como uma esperança que nunca chegou, e subestimado por partidos, políticos e pensadores de plantão. Basta ver a abstenção do primeiro e segundo turno da eleição de dona Dilma e do Zé Ruela do PSDB. A nossa própria política tornou-se asfixiante, bolorenta e vazia de um sentido mais humano. Virou um espetáculo de bufões melancólicos numa espécie de Fla X Flu simbólico. Talvez essa volta de Jabor ao passado seja uma forma de superação das tantas e tantas grosserias desse nosso tempo, em que o populismo afirmativo banalizou todo e qualquer sentido de uma arte mais profunda baseada no humano e no saber.

Não mostra também a solenização dos seus filmes com Nelson Rodrigues, mas traz à tona encontros, momentos, passagens, desafios e desencantos numa reconstrução da sua própria caminhada, ao modular articulações ora alegres, ora melancólicas sem fetichizar nada. Nem mesmo o ideário burguês que foi seguido pela sociedade brasileira depois dos anos 40 e 50. A Suprema Felicidade é um jogo de encenações do cotidiano enquanto rito de vida. É como diz o avô ao seu pequeno neto: “ –A vida só gosta de quem gosta dela.” Jabor teatraliza o tempo na sua historicização kitsch da família docemente frágil onde a mãe-mulher não podia ter desejos próprios. Como o seu desejo de ser mais útil e trabalhar.

A Suprema Felicidade é quase uma volta afetuosa ao seu delicado Opinião Pública, onde o possível uso da melancolia termina na psicanálise sem moralismos ou panfletos fáceis. Talvez seja um filme comum e até menor. Nem por isso menos sensível. Ainda assim, bem melhor que essa glamourização grotesca da violência cuja encenação nos remete ao fascismo, tão vivo e tão desejado entre nós. Mas claro que ninguém vai se dizer fascista , pois se esconde bem em todos os partidos políticos (de uma extremidade a outra) com o eterno argumento salvacionista de fetichização do povo (desistoricizado e santificado por uma infinidade de velhos chavões populistas). E mais, o ideário de todos os partidos é sempre que possível enraizar uma concentração de fachadas mediocrizantes onde todos vão gozar sem prazer algum.

Há momentos em que é preciso outro movimento no tempo. O do novo filme de Arnaldo Jabor é este adágio, sob esse ruído louco que tudo emudece. Ruído insuportável de apagamento da história. Da memória e do enterro dos mitos de origem, cuja vida é a significação de nossa própria existência, em relação de reinversões e confrontos com a própria realidade, onde deveria estar o conhecimento como presença, aproximação e solidariedade no tempo; coisa simultânea e invariável de nossos movimentos.

Mas, não. Neste concreto que vivemos, tudo cessa. Menos as musas cujos mistérios e encantos vão se tornando inacessíveis. O que Jabor toca. E o que sua crônica leve, singela e dolorida de 24 de outubro sobre seu filme, nos faz lembrar. Diz lá que nosso cinema vai ficando menor e onde reina o silêncio. No máximo um tiroteio vindo de oráculos, pela força de reverberações e ricochetes, emanações de um poder tirânico e indevassável.

Na onda do Jabor e no movimento em surdina de seu adágio, é bom lembrar que desapareceu o Estúdio Herbert Richers, simultaneamente à morte do chefe. Sempre de portas abertas, e onde muitos de nós demos os primeiros passos no sonho, na arquitetura artística e lúdica de um cenário e no processo que as exigências do progresso nos encaminhava pela maquinaria. Herbert Richers era o cinema possível: industrial, profissional e experimental, como foi o Vidas Secas, produzido por ele e dirigido por Nelson Pereira dos Santos.

Corajoso nos investimentos e no que as telas nos projetavam. Também foi morrendo aos poucos. E enfrentar o ruído desigual do cinema tem sido para poucos. Mas Jabor soube fazer o seu apelo bem direcionado. O nosso público é fiel e generoso. Sabe desejar, e o desejo não morre quando o filme vem bem direcionado, como este em questão. Uma cabeça cinematográfica de portabilidade conhecida e definida. De tempo e história que alargam o espaço da tela! Sabemos que o tempo não está para nós, e vale até um retorno nela para mais algumas avaliações e para aqueles que já perderam ou perderam a memória. Um regresso à traumática era Collor. Quando a nossa luta pelo cinema parecia mais solidária e as muitas diferenças entre nós eram mais respeitadas. O que nunca negamos, mas que os poucos recursos e a política elitista de sempre iam maltratando.

Desde a era Collor, a da ruína, a força de partidos entre nós já estava em queda. O governo Collor e o que ele representou em sua rápida e nefasta passagem pelo poder, foi um desastre para o cinema. E hoje? Infelizmente é tempo de calar! Misterioso é o silêncio. Como esse adágio de Jabor! Mas, em relação ao tempo, estamos inseridos num processo do que restou de concreto, por razões que a boa razão não desconhece.

O cinema tem se alargado deixando-nos um buraco negro, mesmo quando os segredos da esfinge ameaçam ser desvendados. O tempo já foi o de Marlboro e de tantos signos isolados de um mesmo capital que se monopolizou e se tornou o controle absoluto dos meios de produção de imagens e do imaginário. Não é Jabor?

Mas o seu filme está aí. E nós com ele. Visto que deve ser visto, como uma reinversão ou uma reinvenção do outro. Ver o outro no sentido de uma metonímia, um pouco distante da metáfora, deste sentir o outro. Porque o tempo não perdoa, vai fazendo esquecer, fazendo fugir o ato do que conhecemos. Muito oportuna esta sua reinvenção de si mesmo, como uma re-escritura do próprio tempo e de como você o sente e o sentia. E, para todos nós, muita coisa de bom para a crítica de nosso cinema neste adágio cinematográfico. Uma idéia de Jabor. Uma idéia de algum Brasil esquecido ou perdido no tempo.

Para concluir, A Suprema Felicidade é parte de todos nós. Divididos, cindidos, irados, brigando com Deus e o Diabo. É um retrato do mundo ou do que fizeram com todos. Não poderia ter sido diferente? A realidade é essa sem sonhos ou utopias. Ficamos apenas com as feridas. E da dor os personagens retiram o seu saber. É preciso cuidado para não confundir e misturar. Saber diferenciar o joio do trigo. Hoje, fazer espetáculo da violência e da miséria virou plataforma para publicitários culpados e eruditos no cinema contemporâneo, em especial no Brasil. Mas neste A Suprema Felicidade há muito valor, que seja a convivência do autor com suas personagens que transparecem no filme. Ora, para filmar os ambientes da forma que Jabor filmou, para obter a intimidade de suas personagens que captou tão docemente, é necessário ir aos locais para impregnar-se daquele cheiro e daquelas almas.

Duro é sentir que a única poesia que se consegue tirar hoje em dia é a da miséria política, da violência, da pobreza, da miséria espiritual do ser humano reduzido a farrapos. Talvez seja essa a condição dessa época triste sem sonhos ou utopias. Lembram-se de Deus e o Diabo na Terra do Sol? Mesmo de Os Fuzis? Ali também havia miséria, mas havia uma crença, um sentido e sentimento de fé, um entusiasmo e uma grandeza poética que, hoje, está difícil de conseguir. Quando muito é pelo filtro do que vem do real, do documentário. Porque a ficção (o imaginário)... esse é inadiplente, anêmico, fraco de uma indigência estética que enoja. Talvez esse adágio de Arnaldo Jabor possa lhes dizer alguma coisa.

13/11/2010

Fonte: ViaPolítica/O autor

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