segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Jovens

Os rapazes são “curiosos” e as raparigas “cuscas”
Na verdade ambos são coscuvilheiros revela o livro "Fazendo Género no Recreio: a Negociação do Género e Sexualidade entre Jovens na Escola".

Por Sara Pelicano (texto e fotos)

Maria do Mar Pereira licenciou-se em Sociologia no ISCTE, em Lisboa.
À hora marcada, Maria do Mar Pereira, autora do livro, surge para a entrevista de mochila às costas e caderno na mão, os mesmos objectos que usou para se “imiscuir” durante dois meses numa turma de oitavo ano de uma escola de Lisboa.

A investigadora quis acompanhar os jovens, rapazes e raparigas, para perceber como é que as ideias de masculinidade e feminilidade “são vividas entre os jovens no contexto da escola, e também fora deste espaço. E também perceber que ideias é que estes jovens têm sobre masculinidade e feminilidade, como é que se vigiam uns aos outros para gozar com quem não encaixa nessas regras”, explica Maria do Mar.
O trabalho foi desenvolvido há seis anos. Os resultados serão apresentados no início de 2013 com a publicação do livro "Fazendo Género no Recreio: a Negociação do Género e Sexualidade entre Jovens na Escola".

Homens e mulheres têm características sociais próprias, são diferentes e nada há a fazer. A ideia é generalizada, mas Maria do Mar sublinha que “diferentes disciplinas das ciências sociais têm vindo a demonstrar que estas diferenças não são uma questão biológica, fundamentalmente são sociais e culturais. Diferentes sociedades têm diferentes ideias sobre o que é um homem ou uma mulher, as pessoas são educadas em função dessas ideias e tornam-se dessa forma”.

Com esta premissa, a jovem investigadora acompanhou o quotidiano de 23 adolescentes. “Entrei na vida de todos os dias, participei dela”. A este processo de investigação chama-se “método etnográfico”.

O trabalho de Maria do Mar, inserido na tese de mestrado em Sociologia no ISCTE, tem uma componente mais científica no sentido em que “tento perceber se as teorias e conceitos que, neste momento, utilizamos nas ciências sociais para compreender estes processos, são os mais adequados ou se têm limitações”.

O outro objectivo da investigação “é sair do mundo da ciência e pensar como é que podemos conhecer melhor estes processos de masculinidade e feminilidade e intervir sobre eles”, comenta.

E a principal conclusão a retirar é que homens e mulheres são muito parecidos socialmente. “Há uma série de coisas que acontecem na escola e na vida de todos os dias que faz parecer com que as diferenças entre rapazes e raparigas sejam maiores do que realmente são”, diz a entrevistada.

A coscuvilhice, habitualmente associada ao género feminino, é um bom exemplo. Maria do Mar Pereira pormenoriza: “No meu primeiro dia de escola, os rapazes disseram-me logo: ‘as raparigas são umas cuscas, mas os rapazes não são’. Durante dois meses observava os rapazes a conversar uns com os outros sobre outras pessoas, a partilhar aquilo que chamaríamos coscuvilhices. Quando confrontados com esse facto, os rapazes consideram que o que fazem é curiosidade, e não coscuvilhice”.

Daqui se conclui que “o mesmo comportamento quando é feito por um homem ou por uma mulher é interpretado de formas diferentes e tem nomes diferentes. Isto faz parecer que homens e mulheres são diferentes, mas não o são. A cusquice é um elemento central da amizade de raparigas e rapazes”, acrescenta.

Colocar os jovens a reflectir sobre o tema
O livro "Fazendo Género no Recreio: a Negociação do Género e Sexualidade entre Jovens na Escola" resulta de um trabalho de investigação/acção porque Maria do Mar confrontou os jovens que acompanhou com os seus próprios conceitos de masculinidade e feminilidades.

“No momento em que lhes digo ‘vocês criticam, são violentos, gozam, etc, mas na entrevista que vos fiz todos me dizem que não gostam de fazer isto’, começam a olhar uns para os outros e pensam que algumas atitudes eram desnecessárias”, explica.

"Diziam-me que parecia uma adolescente", diz Maria do Mar, porque ia de mochila e caderno.
Após o confronto com essas ideias pré-concebidas, Maria do Mar terminou o seu trabalho e sabe que aqueles jovens “mudaram os seus comportamentos porque chegaram à conclusão de que não era necessário gozarem uns com os outros e fazerem todas estas coisas que faziam. As pessoas muitas vezes sentem que as ideias sobre géneros são uma coisa fortíssima, milenar e não há nada a fazer. É assim e pronto. E o interessante é que quando se cria espaço para conversar sobre estas questões, as pessoas percebem que estas normas, estereótipos, são arbitrárias”.

Essa mudança de comportamentos está patente no livro pela voz dos proprios alunos. Liliana (pseudónimo) considera “extremamente positivo” o trabalho de Maria do Mar porque “faz-nos perceber, a tua entrada na nossa turma melhorou imenso as coisas, porque a partir daquela tese as coisas más que foram ditas foram todas resolvidas, toda a gente aprendeu a respeitar-se uns aos outros, e epá, eu tenho a certeza que se fizessem trabalhos destes em todas as turmas, quebrava a rotina, fazia muitas melhoras mesmo".

Já Andreia (pseudónimo) comenta que “li a tese e acho que a nossa turma depois disso ficou muito mais unida e apercebemo-nos de que tínhamos feito mal uns aos outros, que tínhamos falado mal dos outros e que não o devíamos ter feito, e fomos injustos, e pedimos desculpa uns aos outros e estamos mais amigos”.

Aos 30 anos, Maria do Mar Pereira é professora auxiliar na Universidade de Leeds, na Inglaterra. O livro vai ser apresentado dia 6 de Janeiro no Centro de Cultura e Intervenção Feminista de Lisboa.
(C. Hoje)

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