sábado, 29 de dezembro de 2012

Nouvelle Vague

Truffaut e Goddard: até que o cinema os separe
publicado em cinema por jeferson scholz

O novo cinema francês, batizado de Nouvelle Vague, revolucionou a história da sétima arte, além de ser responsável pelo surgimento de Jean-Luc Godard e François Truffaut. Cineastas brilhantes, porém bastante complicados, acabaram se tornando vítimas do próprio movimento que ajudaram a instituir e tiveram seu relacionamento fatalmente afetado por isto.



Desde o cinematógrafo, a grande máquina de projeção de August e Louis Lumiére derivada de um invento de Thomas Edson, a França parece predestinada ao pioneirismo na sétima arte. A criação dos irmãos, no fim do século XIX, é o marco inicial do cinema, mas há depois um outro francês que pode ser considerado seu pioneiro, George Meliés. Responsável por criar gêneros, técnicas e estéticas do pensar cinematográfico, este ilusionista, diretor e ator definiu os contornos desta arte para o mundo e deixou uma semente plantada em seu país. E no fim dos anos 50 ela germinou gloriosamente, com a criação da Nouvelle Vague, a nova onda.

O filme Nas garras do vício (Le Beau Serge), 1958, de Claude Chabrol, é considerado o primeiro do movimento, que tinha o objetivo de resgatar a arte e a poesia cinematográfica em decadência após a Segunda Guerra Mundial. Para isto, contava com vários cineastas jovens e talentosos, imbuídos de um espírito de mudança. Dentre eles, dois nomes merecem destaque como os principais da Nouvelle Vague: Jean-Luc Godard e François Truffault. Ambos geniais, eram grandes amigos, mas tinham personalidades fortes e incompatíveis.



Godard inicia-se na nova escola cinematográfica com o clássico O acossado (A bout de souffle), 1959, mostrando a vida de um criminoso foragido da polícia e seu romance com uma jovem. No mesmo ano, Truffaut produz Os incompreendidos/ Os 400 golpes (Les quatre cents coups), uma fulminante crítica ao autoritarismo de poderes dominantes. As obras são revolucionárias, desde a narrativa ousada à estética inovadora e de forte tom autoral. A partir de então, dois dos principais idealizadores desta transformação cinematográfica se uniriam por meio de suas criações, ajudando um ao outro a produzir obras, com elogios mútuos e constantes.

Inevitavelmente, a paradoxal relação dos dois cineastas começou a se desgastar na medida em que os filmes seguintes de ambos viraram fracassos. Truffaut não impressionou o público e a crítica com seu segundo filme Atire no pianista/ Disparem sobre o pianista (Tirez sur le pianiste), 1960. Os trabalhos seguintes de Godard, Uma mulher é uma mulher (Une femme est une femme), 1961, e O pequeno soldado (Le Petit Soldat), 1963, também não agradaram os espectadores, apesar de manterem o espírito transgressor da Nouvelle Vague. Allém de que Truffaut recebeu críticas técnicas e estéticas de seu companheiro. Este foi o estopim que destruiria a amizade entre eles.

Os diretores que outrora já haviam se unido em prol da cinemateca francesa e de sua arte estavam se distanciando. Godard queria fazer um cinema político e ativista e seu companheiro queria elevar sua produção a um status artístico. Tal incompatibilidade ideológica atingiu seu ápice durante o festival de Avignon de 1968, quando Truffaut se negou a apoiar o colega num protesto de estudantes de cinema, alegando que estes eram parte da burguesia. Sua atitude fez com que fosse chamado de traidor pelo seu ex-amigo, que saiu do circuito cinematográfico.


A esta altura, ambos tinham se tornado grandes influências mundiais na sétima arte, com fãs e admiradores das mais diversas opiniões. Entre as mais fortes estava a do cineasta brasileiro Glauber Rocha, que deu a Truffaut a alcunha de pequeno burguês. Mesmo assim, ao contrário de Godard, que até hoje faz apenas obras esporádicas para os fãs, ele produziria mais 20 filmes até o ano de sua morte, em 1984. Seu falecimento finalizou a rixa entre eles, mas deixou remorso em seu companheiro, que hoje, aos 81 anos, ainda questiona o porquê das brigas.

Hoje a Nouvelle Vague representa uma referência para alguns dos maiores cineastas modernos, como David Lynch e Martin Scorsese. Seu legado foi responsável por instaurar no cinema o espírito inconformista e anárquico da juventude, e sua criação presenteou o mundo com dois dos maiores gênios da sétima arte. Compartilhando o caráter cinematográfico único da França, Jean-Luc Godard e François Truffaut sempre foram grandes entendedores das ideologias humanas, mas diferentes demais para compartilhá-las harmonicamente.



jefersonscholz
Sobre o autor: jeferson scholz é fascinado pela cultura pop em todas as suas esferas de manifestação, por música, cinema e nerdices em geral. Saiba como fazer parte do obvious.

Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2012/06/truffaut_e_goddard_ate_que_o_cinema_os_separe.html#ixzz2GC6vHsD7

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