segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Egito III

Sonhos de Revolução
A idéia de democratização plantada nas mentes egípcias está acima de contenção, ainda assim, Mubarak continua resistindo.
[03 de fevereiro de 2011 - 09h26]
A terminologia realista do "efeito dominó" não contempla totalmente o fato dos árabes estarem hoje pretendendo destruir as hegemonias Árabes, do Cairo a Sana`a. Esta ação está desacorrentando a si própria de uma tripla dinâmica: o medo do estado Árabe controlador; construções orientalistas rebaixando as ações árabes; e a obsessão euro-americana dos teóricos da democratização pela estrutura, pela cultura e pela implantação de instituições top-down.

Similarmente, esta ação tropeça nas estruturas de uma ordem mundial motivada pelo interesse individual e inacessível aos sonhos de milhões de árabes de serem livres. Um precedente se abriu na Tunísia, e o Egito entrou na jogada. Embora os desafios sejam monstruosos, as sementes para que se plantem os sonhos democráticos foram iniciadas pelas demonstrações do poder popular na Tunísia.

Plantando o sonho

“Uma vez que uma idéia tomou conta da mente, é praticamente impossível erradicá-la”, disse Dom Cobb, interpretado por Leonardo DiCaprio no filme de Christopher Nolan, A Origem. Assim falou o povo tunisiano, derrubando seu ditador e libertando ondas de choque cujas reverberações políticas serão sentidas por um longo tempo. Hoje o leitmotif de Nolan sobre origens tem uma ressonância poderosa no mundo árabe.

A bandeira tunisiana exibida nos protestos testemunhados por várias cidades árabes manifesta tanto inspiração quanto admiração. Mas, mais importante, a Tunísia é um sonho realizado. O ditador que um dia foi temido e pareceu ser invencível caiu e fugiu rapidamente.

De Tunis ao Cairo, o “poder popular” representa uma nascente de águas, uma espécie de princípio d’A Origem. Ele agora serve como uma fonte para fluxos democráticos com uma sede feroz e determinada pelo autogoverno por parte dos oprimidos ao longo da geografia árabe.

As artimanhas vistas desde a queda de Ben Ali são chocantes. Os dominadores do Kuwait oferecendo comida de graça, o regime no Iêmen reduzindo os preços em 10%, a Jordânia se comprometendo com a manutenção de subsídios e em aumentar os salários, e ainda assim medidas similares no Egito não foram capazes de satisfazer os oprimidos.

Hastear a bandeira tunisiana nos contínuos levantes representa mais do que só um ato exibicionista de protesto. É uma conexão. É um ato de fé que demonstra que é o poder do povo, e não os ditadores, que é invencível. É uma promessa de lutar e não de esperar que a democracia venha acoplada a exércitos ocidentais como foi no Iraque em 2003.

De maneira mais potente, é a manifestação do brotamento de um sonho de ser livre, e o poder popular não é mais uma associação para se vender às Filipinas de Aquino, ou para a Tchecoslováquia de Václav ou mesmo para a Polônia de Walesa. Na história, bem como no vívido e vivido filme da vida, passos gigantescos frequentemente resultam de sonhos pequenos, porém criativos e que dão o poder a nós mesmos.

A incapacidade de sonhar é uma morte lenta. O ato de auto-imolação de Mohamed Bou`azizi’s, em 17 de dezembro, tocou todos aqueles preocupados com a condição da humanidade. Os combates subsequentes através de Twitter, Facebook, rap e destemidos protestos na Tunísia – e neste momento no Egito – representam uma posição conjunta pela soberania do povo. Talvez, mais do que isso, estejam intimamente ligados a um texto, ou um manifesto, da vida.

O direito de sonhar não pode ser confiado a demagogos, megalômanos ou líderes sem a seriedade de serem importantes para o povo.

As massas querem sonhar seus próprios sonhos, e não impedidos pelos sonhos de colecionadores de tigres bebê, de caçadores de ouro ou Faraós juniores. Aqui começa a recuperação e a retomada do espaço de ação que havia sido perdido.

Ressurgimento de uma Renascença

O Egito e a Tunísia são os dois Estados com a mais longa tradição de soberania no Oriente Médio árabe.
Ambos eram fonte de luz na era árabe de pensamento liberal da metade do século XIX. Ambos experimentaram os primeiros Conselhos eleitos e ambos executaram um inteligente sincretismo de maneira a casar modernidade com tradição.

A Tunísia pós-independência adotou o dirigismo francês com uma mistura da marca secular liberal de construção do estado e da nação. O Egito caiu na farsa de uma formação top down, socialista-nacional secular guiada por um programa pan-arábico. O segundo foi dominado pelo poder militar, o primeiro por um jurista francófilo.

Entretanto, existe uma diferença no que concerne aos correntes protestos pelo poder popular, que atravessam a região. O poder popular na Tunísia espalhou os ventos de protestos populares para diversas cidades árabes. O sucesso do poder do povo no Egito mudaria o Oriente Médio como um todo, senão o mundo.

Isto teria o efeito de um castelo de cartas que colapsa; elites, políticas, alianças, doutrinas estratégicas e relações entre os países árabes mudariam para sempre. Reescreveria a relação Egito-Israel bem como a re-colocação da questão palestina no centro não só da relação árabe-isarelense, mas, também das relações árabe-ocidentais.

Sem mencionar que o Egito renegaria todos os seus acordos com Israel. Mais além, o Egito reconquistaria seu status de motor do mundo árabe, dinamicamente defendendo a igualdade, a legitimidade dos direitos palestinos, e soluções justas como o único caminho para a valente e justa paz.

Democratizar o mundo árabe traria ferozmente poder a forças pró-Palestina, livres da realpolitik e não neutralizadas pela abstração diplomática e ética da questão palestina – seja esta liderada pelos EUA, Quartet ou mesmo ONU. Nota-se, obviamente, um perigoso beco sem saída.

Portanto, a única parte ganhando com as negociações de paz ou a ausência destas é Israel. É por isto que os sonhos democráticos e os ventos do poder do povo que sopram através do mundo árabes têm que se preocupar principalmente com Israel mais do que com qualquer outra nação no mundo.

Israel se resguarda sob o conhecimento de que muitas das elites árabes governantes deslegitimadas desistiram, de certa forma, de colocar a questão palestina de seus programas de políticas externas.
No Mundo Árabe, se o poder do povo obtiver sucesso – e já é o momentum de Mubarak mudar de idéia sobre concorrer a um sexto mandato, e sobre seus planos hereditários pra que seu filho tomasse o poder – a dinastia da Líbia será a próxima a ser varrida do mapa pela fúria do povo cansado de Ghaddafi, desgastado por seu clã opressor.

Egito: o quê deu errado?

Mubarak só tem a si mesmo para culpar pelo “dia de fúria” de engoliu todas as metrópoles egípcias, de Suez ao Cairo.

Depois de quase 30 anos no poder, seu Egito fica pra trás na democratização e em desenvolvimento e distribuição econômica justa. O status do Egito como líder pan-árabe e mundial – particularmente para sua própria segurança nacional, da Palestina ao Sudão – foi enfraquecida e perdida como o uso despropositado de uma pedra d’água. Ahmed Aboul Gheit sem dúvida deve ser o pior ministro de relações exteriores que o Egito teve em anos.

É o filho Gamal quem, como presidente de fato, tem reordenado as políticas internas através de ministros chave e servis aliados do preponderante NDP.

A ira incontrolável expressa por milhões de Egípcios hoje deriva de todo o dano infligido por Gamal e seu grupo de serviçais do NDP sobre toda a nação, elementos cuja corrupção, nepotismo e desprezo pela inteligência do povo do Egito incendiaram as páginas de centenas de jornais de oposição.

O erro de Mubarak foi o fato de ele gradualmente ter dado muito alcance ao filho e sua cabala, incluindo pessoais tais como Ahmed Ezz, Fathi Sorour, Safwat Sherif e Ali Eddin Helal. Ademais, a introdução de políticas liberalizantes ignorou a questão da justiça distributiva.

Gamal esteve tentando ostentar sua maré econômica para a pequena, global, comunidade corporativa, subestimando o quanto o desmantelamento do estado de bem-estar introduzido por Nasser podia se provar calamitoso para os habitantes egípcios, e também para sua própria sobrevivência como um presidenciável esperançoso.

Mas o fato de ele ter assumido que os milhões de habitantes do Egito estão felizes sendo para sempre os oprimidos – chamados em egípcio vernacular de ghalaba – que têm total respeito com as castas effendi e pasha, agora se provou errado.

A carreira política de Gama certeiramente irá encontrar seu Waterloo quando as massas iradas finalmente ganharem a batalha.

É sempre um risco jogar com um pão de um egípcio.

Rolando os dados

Gamal e seu círculo interno do NDP desconsideraram uma das regras de Mubarak sênior de obrigações políticas: opressão limitada com válvulas de segurança é preferível ao total controle da sociedade.
Foi neste ponto que Gamal cometeu um pecado capital, ao ignorar os conselhos de seu pai. Ele, e outros como Ahmed Ezz e Ali Eddin Helal, apostam seus futuros ao excluir a Irmandade Muçulmana e outros partidos políticos.

Esta cabala premeditadamente fraudou as eleições parlamentares de novembro de 2010. Pensou-se ser um caminho para assegurar a dominação do NDP com posteriores manobras constitucionais para facilitar com pouca ou nenhuma oposição um sexto mandato para Mubarak sênior ou mesmo um primeiro mandato para Mubarak júnior.

Este foi um erro imperdoável. As 420 cadeiras, incluindo os independentes que impugnaram os mais aberta e arrogantemente fraudados candidatos pelo NDP no país, deram ao partido predominante uma maioria sem precedentes nas 518 cadeiras do recém-aumentado parlamento.

Mubarak sênior sabia de seus limites, então elaborou mecanismos e válvulas de segurança para descompressão política. Ele permitiu uma margem de existência à Irmandade Muçulmana, sabendo que este era um importante fórum e um canal para contenção da ira anti-regime.

Ele permitiu à imprensa um nível de livre expressão que era completamente inexistente na Tunísia de Ben Ali. As ONGs, mesmo que parcialmente perseguidas, eram ativas. O Kefaya, “Movimento por Mudança” do Egito, proporcionaram alguns protestos que comunicavam e enviam mensagens a Mubarak e seu regime.

Gama teria sido como a maioria dos ditadores: alguém que é péssimo com política. Mas ele não teve a astúcia para entender estas sutilezas.

O fim se aproxima!

Para a Era Mubarak, o fim está próximo.

Mesmo que Mubarak – cujo exército supera aquele do deposto Ben Ali em tamanho, força e lealdade – previna uma repetição do cenário tunisiano, a sentença iminente já foi decidida nas ruas do Egito.
O NDP foi desnudado e exposto pelo que ele é – um partido que somente atrai multidões quando as compra com dinheiro, cargos ou favores.

Nenhuma contra-mobilização de massas do NDP foi possível em resposta às manifestações; a típica tática de aluguel de multidões não funcionou desta vez.

As demissões de membros de gabinete não serão suficientes se somente reciclarem velhos rostos do NDP para conciliar com as massas, mas talvez novas eleições possam ir a algum lugar no sentido de conter as massas, as elites políticas e a sociedade civil.

Mubarak não tem outra opção senão anunciar – honrosamente – a aposentadoria e, contra a persistência de sua mulher, ordenar a aposentadoria de Gamal da política. Ele tem uma vantagem sobre a Tunísia que Ben Ali governou: formidáveis forças políticas, um forte judiciário e uma tradição de livre imprensa que vem de longa data.

Além disso, há também líderes confiáveis, como El-Baradei, com quem ele pode procurar um programa que cumpra as urgentes demandas sociais por reformas. E ademais, ele tem tempo, por menor que seja, para fechar as cortinas sobre a Era-Falha-do-NDP ou então de juntar a Bem Ali no solitário e humilhante exílio.
As palavras proferidas um pouco tarde demais por Ben Ali foram: “Eu entendi a mensagem.”
Mubarak sênior e junior ignoraram por tempo demais duas mensagens da sociedade civil: não à dominação prolongada pelo pai, não à dominação hereditária pelo filho.

O quanto antes eles proclamarem isto, melhor para o Egito e para os Mubaraks.

Larbi Sadiki é um conferencista sênior em Política do Oriente Médio na Universidade de Exeter, e autor de “Arab Democratisation: Elections without Democracy” (Oxford University Press, 2009), e “The Search for Arab Democracy: Discourses and Counter-Discourses” (Columbia University Press, 2004) e do ainda a ser lançado “Hamas and the Political Process” (2011).

http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/02/2011228022611887.html
(Revista Forum)

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