Exemplos exemplares
de máquinas ideológicas
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Por Halley Margon V. Jr., do Rio de Janeiro
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Colagem de Luiz Rosemberg Filho
Que O Globo + a Rede Globo gostam de golpes e ditaduras todo mundo sabe. Está no DNA da família que é sua proprietária. Afinal, foi na ditadura militar e muito graças a ela que a empresa tornou-se o império que hoje é – graças também a um enorme talento empresarial e a uma desmedida ousadia para aproveitar todas as oportunidades de crescimento. Para além de toda ética. Não é sem razão que O Globo é o mais ideológico dos jornais grandes do país. Isso também está nos genes da empresa.
Uma das peculiaridades das máquinas ideológicas é que elas alimentam e são alimentadas por aqueles que querem digerir. Um jornal grande, por exemplo, também responde aos desejos do leitor que cativa e seduz. Não existe inocência. Muito menos leitor inocente. Na verdade, há alguma espécie de simbiose entre um e outro. O leitor de O Globo é muito próximo do que O Globo é. O mesmo vale, não sei em que medida, para a Rede Globo.
O mesmo vale, evidentemente, para os outros jornais grandes. Para a Folha de S.Paulo, por exemplo. No auge da campanha presidencial do ano passado, uma pesquisa do Instituto DataFolha publicado na Folha de S.Paulo mostrava que mais de 50% dos leitores do jornal eram eleitores do candidato tucano. Portanto, não era por nada que a Folha mantinha a postura despudorada de suporte da campanha de Serra, deixando muitíssimo contrariada outra parcela dos seus leitores. Corria um risco aparentemente calculado. Mas talvez não tão bem calculado assim.
É uma temeridade supor que os entes sociais se comportem sempre dentro de margens estritamente racionais. Assim como cada um de nós mesmos, frequentemente as instituições também se deixam conduzir por idiossincrasias, por manias, por neuroses e sabe-se lá pelo que mais!
O risco que corria a Folha: de sacrificar parte do seu eleitorado, perdendo assinantes e leitores avulsos. Difícil quantificar, mas é bem provável que isso tenha acontecido. Por que uma empresa com a experiência da Folha ousou fazer aposta tão arriscada? Duvido que exista uma explicação inteiramente racional para um comportamento tão temerário. Mas há, é claro, o sangue, a genética à qual me referi acima. O instinto de classe...
Mesmo assim, vale a pena continuar a indagação. Perguntas costumam ter melhor odor que respostas. Eram acaso antagônicos os projetos políticos eleitorais em disputa? Os interesses por detrás desses projetos soavam incompatíveis a ponto de compensarem os riscos que a empresa decidiu correr? Em outras palavras, em que os oitos anos do governo Lula contrariaram os interesses de classe representados pela Folha? Não consigo detectar.
A própria distribuição de renda, provavelmente o grande diferencial desses oito anos em relação a todos os governos que o antecederam, beneficia, antes de mais nada, é à sociedade de mercado. Uma distribuição de renda que, embora possa parecer paradoxal, não implicou em diminuição da concentração da renda no extremo oposto. Significou tão somente um enorme impulso para o fortalecimento do mercado interno. Repito: fortalecimento do mercado (interno).
Portanto, insisto, por que não é possível um jornal que responda a mais de uma parcela do seu leitorado? Por que submeter-se a uma dessas porções, ainda que seja a majoritária? Por que a Folha resolveu se desfazer da imagem que eficientemente construíra no decorrer de vários anos? Por que não foi possível que a Folha de S.Paulo continuasse sendo um jornal de rabo preso com o leitor, i.e., com o leitor genérico? O que é o mesmo que dizer com todos os seus leitores, milhares dos quais, como eu próprio, fidelíssimos, e aos quais interromper a relação implicou em muito desgosto.
Deve haver, imagino, muito de idiossincrasia no comportamento da Folha.
Além de um profundo narcisismo! (Porque outra das características das máquinas ideológicas é serem por natureza narcísicas.) Narcisismo que não deixa de ter aspectos contraditórios. A tão bem sucedida campanha do jornal vinte e poucos anos atrás (a do “rabo preso com o leitor”), que lhe permitiu dar o pulo do gato e se tornar o mais lido jornal do país, provavelmente estava grudada como uma máscara na cara do jornal. É possível que tenha sido dolorido removê-la dali. Esta é apenas uma das faces do seu narcisismo. Positiva, vamos dizer assim.
Dolorido ou não, o fato é que o jornal resolveu andar para trás. Quem vai ocupar o vácuo deixado não se sabe. Talvez jornais e mídias (de internet, por exemplo) menores, mais ágeis, menos estúpidos. E menos ideológicos. (Voltarei ao narcisismo na próxima coluna.)
Máquinas produtoras de mentiras
As máquinas ideológicas sufocam as máquinas que desejam. Ao escutar o som horrendo do mecanismo em movimento você deveria saber que ele está em ação para paralisar o desejo ou para pervertê-lo – seduzi-lo, corrompê-lo, comprá-lo, são verbos que mais se aproximam do conteúdo dessa perversão. Eventualmente, permitem que o desejo respire unicamente sob a condição de que já esteja domado, submetido. As máquinas ideológicas cobram nossa aceitação total, exigem que engulamos inteiras suas falas tronchas indigestas. Elas existem para manipular as vontades e tornar indigente a imaginação.
Mesmo que por uma questão moral, mesmo que não haja mais como derrotá-las, é preciso, no entanto, atacá-las. Isso não significa que devemos agir como máquina ideológica, atuando em sentido contrário – embora muitas vezes seja essa nossa tendência natural. Contra-atacar, simplesmente contra-atacar, como se utilizássemos de um espelho para refletir a luz que nos ofusca. Isso nos levaria aos mesmos mecanismos já operados no passado, e cujo resultado não foi outro que não novas máquinas de propaganda e ideológicas tão perversas quanto aquelas às quais se tentava opor resistência.
Uma outra lógica é possível. Deveria ser. Uma outra fala. Outra maneira de olhar. Não para isto ou para aquilo. A utilidade obrigatória das ações é parte da artimanha das máquinas ideológicas contemporâneas. Simplesmente é possível. Como pura ação. Sem esperar por resultados contábeis positivos. A arte muitas vezes expõe essa outra forma do olhar e desmonta a aparência fraudulenta do mundo da mercadoria construída pelas máquinas ideológicas.
Atitudes básicas de saneamento
(Proibiram Paulo Coelho no Irã)
Nota publicada na coluna Conexão Global, de Nelson Vasconcelos, em O Globo, em 11 de janeiro:
“Nada a ver comentar aqui os méritos literários do Paulo Coelho, se é que os tem. Mas a proibição de sua obra no Irã só reforça sua estratégia de publicar os textos gratuitamente na internet... Mas verdade seja dita: nunca, na história da internet, vi tantos elogios ao Ahmadinejad...”
Não cheguei a ver na rede os tais elogios. Sei que esse negócio de censura provoca arrepios e faz mal à saúde (mental). Mas, como diz a dona Joaninha, cada coisa é cada coisa e cada um cada um. Todo mundo sabe que o regime dos aiatolás é uma titica – não muito melhor que dezenas de outros regimes cultuados pelos ideólogos do mundo próspero. Mas mesmo governos terroríficos às vezes produzem boas ações. Finalmente, o regime obscurantista do Irã toma uma medida contra o obscurantismo. Um alerta a mais de que no meio do não há às vezes um sim ou de que, como diz a música, “no fim da cabeça começa o chifre”.
Eu me lembro de quando, no começo de 2001, o governo talibã resolveu demolir, bombardeando, duas estátuas gigantes de Buda esculpidas na rocha de uma montanha no vale de Bamiyan, no Afeganistão. Conhecidas como os Budas de Bamiyan, uma delas tinha 53 metros de altura (a outra tinha 38 metros) e era considerada a maior imagem de Buda em pé no mundo. Quando li a notícia imediatamente me perguntei: por que o Bush (era época do governo Bush) não faz um pequeno bem à humanidade ao menos uma vez na vida e vai lá botar esses caras para correr?
Como sabemos, foi justamente o que fizeram os americanos uns tantos meses depois. É claro, não porque os talibãs eram obscurantistas. Mas fizeram. E aí, é claro, todos nos opusemos. Mas que no fundo a mim pelo menos pareceu que algo de bom existia no gesto imperialista, ah! isso me pareceu!
29/1/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
Halley Margon V. Jr é o mais novo colunista de ViaPolítica.
É escritor e arquiteto. Nasceu em Catalão, Goiás, em 1956. Na década de 70 colaborou com o jornal Versus, de São Paulo. Hoje reside no Rio de Janeiro. Lançou, recentemente, seu primeiro romance. Trata-se de Paisagem com cavalo [Rio de Janeiro, Ed. 7Letras, 160 páginas, R$ 33,00
Site: http://www.7letras.com.br/
E-mail: halleymargon@globo.com
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