Meu último domingo em Charitas
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Por Sergio Santeiro, de Niterói
Bebo a cerveja, fumo um cigarro, douro ao sol, dou um mergulho, de volta à areia, pouco depois, ela chega a meio caminho, eu digo que sim.
Colagem de Luiz Rosemberg Filho
Fui à praia mais de uma vez. Logo ao comprar jornal e cigarros vou e volto à beira mar com direito a quantos mergulhos quiser. Perto de mim, já em meio à confusão de gentes que acorrem ao mar, abancou-se uma banca de cerveja e água. Não sei como acho que tem mais gente vendendo que comprando. Era um compadre que lá esteve ano passado acompanhado pela mulher, uma bela figura, transbordando simpatia, ancas fortes capazes de suportar peso. Nesta manhã estava ele só. Mais tarde, ao fim do dia, como às vezes faço, voltei. Prefiro a praia antes ou depois do meio dia. Nesse miolo de tempo em torno do almoço encontro outros prazeres.
Lá estava ela na barraca, alguns meses de gravidez, o corpo aquela forma maravilhosa que está a gerar outra forma. Firme, reluzente no bronzeado, é uma cabocla. Fiquei a vê-la de vez em quando à distância. Sou tímido. Explico-me: de nada adianta chegar-me, não é esse o espírito da coisa. O ar de desejo é mais que suficiente para tocar a vida. Não se vai querer complicá-la: é a fábula da galinha dos ovos de ouro, não se vai matá-la. O sentimento disperso também me satisfaz.
Não demorou muito e, como ano passado, foi ela que se chegou a oferecer a cerveja. É pra isso que ela ali está. Esbanjando simpatia e sedução como nós, povos mestiços, sabemos fazer e, portanto, aceitei a cerveja. Só porque era ela. Vou à praia em frente de casa. Não preciso consumir na areia, mas era ela.
Recusar por quê? Uma é dois reais. Dou uma nota de cinco, ela me pergunta se quero duas. Claro que quero. Depois quando eu quiser ela traz a segunda. Não é possível que a minha admiração passe ignorada. E não passa.
Diz-me ela: lembrei de você. Eu digo, pois é, não vi mais vocês. Ela diz: É porque a gente só faz isso quando firma o sol. Tava chovendo. Eu digo: É, foi essa coisa horrível. Ela sorri: Tem tanto preto bonito por aí, pena que eu não posso.
Queimado como estou de sol, não sei se ela me inclui nessa categoria como eu gostaria ou se ela pensa que eu, com esse meu jeito afetado, com essa tanga, me interesso por eles. Devolvo-lhe um olhar de desejo sem nada dizer, nada é mais eloquente.
Bebo a cerveja, fumo um cigarro, douro ao sol, dou um mergulho, de volta à areia, pouco depois, ela chega a meio caminho, eu digo que sim. Trocamos a vazia pela cheia. Ela diz: Se precisar me chama. Penso: Não se precisa ir às vias de fato sempre. Pode-se ficar na esquina.
O sol tá caindo, um tempo depois me arrumo pra sair, a cabocla volta: Quer mais uma? Não meu bem já estou de saída. Ela diz: É, o sol tá caindo, volta domingo que vem. Digo que sim. Não voltarei: é meu último fim de semana em Charitas. Estou de mudança pra Copa, enfim só, mandado de volta pra Copa, onde nasci e me criei. Nada mal.
Melhor despedida não poderia sonhar. É destino. Despeço-me com o sorriso da cabocla. Será que ela se ria pra mim? Por que não? Nestes tantos tempos aqui encontrei tantas simpatias anônimas. Os lixeiros cedo, o ônibus que para pra saber se estou indo pra lá, o táxi que sabe onde moro e posso pagar amanhã.
Todo mundo aqui já sabe o que eu quero. Nem preciso falar. Faço as mesmas coisas nos mesmos lugares. Inesquecível. O ver-se sempre, o cumprimento com a cabeça, um sorriso, um bom dia, boa tarde, boa noite, fazem da vida um convívio agradável sem a menor necessidade de se estender além.
Não que de repente não se queira. Êta vida cabocla! É o mais melhor da vida.
29/1/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
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E-mail: santeiro@vm.uff.br
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