segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Frei Betto

Informação é poder
Frei Betto
Adital

A presidente Dilma não teria sido pega de surpresa com as revelações de Edward Snowden –de que o Planalto é espionado pelo governo dos EUA– se a sua assessoria fosse mais atenta às novas estratégias da Casa Branca após a queda do Muro de Berlim e o desaparecimento da União Soviética.


Joseph S. Nye e William A. Owen escreveram na revista Foreign Affairs, de março-abril de 1996, um intrigante artigo intitulado "A vantagem informativa dos EUA". Nye dirigiu o Conselho Nacional de Inteligência e foi subsecretário assistente de Defesa para Assuntos Internacionais no governo Clinton. Em seguida, dirigiu a Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard. Owen foi subchefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas no governo Clinton.

Os autores ressaltam que, malgrado a superioridade estadunidense nas esferas militar e econômica, "sua mais sutil vantagem comparativa é a habilidade para coletar, processar, atuar sobre e disseminar informação". Para eles, a informação exerce, agora, o papel de "poder suave" (soft power), graças ao qual os EUA podem influenciar a política internacional, substituindo a coerção pela sedução.

As transmissões por satélite reduzem o nosso planeta às dimensões de uma pequena aldeia. Esse olho instantâneo que nos permite ver, do Sul da América, o momento em que ocorre uma enchente na China, produz profundas modificações na estratégia militar, que hoje utiliza drones –aeronaves não tripuladas– para bombardear supostos terroristas.

Que as guerras são sujas, todos sabemos. O complicador é quando telespectadores dos quatro cantos do mundo assistem ao procedimento criminoso das forças militares de países que se gabam de não agir como Hitler. E agem exatamente como os nazistas: segregação étnica, sequestros, torturas, confinamento territorial, invasão de propriedades etc.

Durante a Guerra Fria, a frágil estabilidade internacional dependia do arsenal nuclear dos países antagônicos. Segundo Nye e Owen, na era da globalização tudo depende da capacidade estadunidense de manter seus aliados informados. E aliados não são apenas governos, mas também amplos setores da população de países cujos governos são contrários à Casa Branca.

No Irã, na China ou em Cuba, há pessoas convencidas de que o símbolo da democracia é um McDonald's em cada esquina e, portanto, suscetíveis de serem mobilizadas pelo poder informativo dos EUA.

Entenda-se: pela versão estadunidense dos fatos.

Nye e Owen não relutam em afirmar que "à medida que sua capacidade de prover este tipo de informação crescer, os EUA serão vistos, cada vez mais, como o líder natural de coalizão, não só por ser o mais forte, mas porque podem produzir o insumo mais importante para as boas (sic) decisões e a ação efetiva a outros membros da coalizão". Portanto, "assim como o domínio nuclear foi a chave para a liderança na era passada, o domínio da informação será a chave nesta era informativa".

O que encanta os autores é constatar que a informação gerada desde os EUA tem ampliado os espaços do livre mercado e restringido a esfera de ação dos poderes centralizados. Citam como exemplo o papel dos computadores e das máquinas xerox no governo Gorbachev, quando "as tecnologias puderam disseminar também diversas ideias políticas".

Agora, com a proliferação de redes sociais e a conexão propiciada pela internet, dilatam-se os espaços democráticos na China.

"O belo da informação, como recurso de poder” -dizem os autores– "é que, enquanto reforça a efetividade do poder militar, inelutavelmente democratiza as sociedades".

Através do "poder suave", os EUA podem projetar, em todo o orbe terrestre (como diria um papa) sua ideologia, sua cultura, seu modelo de democracia, suas instituições sociais e políticas, "liderando as redes de negócios internacionais e as telecomunicações".

Esse "poder suave" visa a quatro objetivos prioritários: 1) Favorecer as transições democráticas dos atuais Estados considerados autoritários e ditatoriais; 2) Prevenir a reversão das frágeis democracias; 3) Prever e resolver os conflitos regionais; 4) Enfrentar a ameaça do terrorismo, do crime internacional e da proliferação de armas, sobretudo atômicas (que EUA e Israel têm, mas não admitem o direito de outros países tê-las).

A internet é outra arma nada desprezível. "Deixado a si mesmo, o mercado provavelmente continuará a tendência de concentrar desproporcionalmente o acesso à Internet". Por isso, a Agência de Informação dos EUA (USIA) e a AID "devem trabalhar para melhorar o acesso global à Internet".

Informação globalizada, por enquanto, é isso: uma versão que se impõe como a única e se julga a verdadeira. E é precedida por inescrupulosa espionagem eletrônica, doa a quem doer.

[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de "Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros. http://www.freibetto.org -twitter:@freibetto.
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(Adital)

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