sábado, 6 de abril de 2013

Saramago

A verdadeira cegueira de Saramago
por Mariana Keller em 21 de jan de 2012 às 05:17 | 9 comentários

Como o escritor português interpreta a real cegueira da humanidade.


“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Já na epígrafe de “Ensaio sobre a Cegueira”, Saramago mostra sua real interpretação para a cegueira exposta no livro. Mais do que um retrato de como as pessoas agiriam se não pudessem enxergar, o autor propõe uma análise da sociedade em que vivemos.

Saramago joga com a diferença entre as palavras ver e olhar. O olhar aparece como a própria visão, o ato de enxergar. E o ver aparece como a capacidade de observar, de analisar uma situação. E para ele, a maior dificuldade do ser humano é justamente conseguir enxergar além do superficial.

A cegueira apresentada por Saramago pode ser encarada como a alienação do homem em relação a ele mesmo. No livro, quando a cegueira branca se torna uma epidemia, os problemas da nossa sociedade que não queremos enxergar se intensificam de tal forma que chega a um ponto em que o civilizado se torna primitivo. As regras da civilização são quebradas e o instinto de sobrevivência toma conta do homem.

Durante o tempo em que ficam sem visão, o desespero dos personagens faz com que alguns deles usem artifícios sujos para conseguir sobreviver. A partir disso, observamos situações como segregação de grupos, abuso de poder pelos mais fortes, disputas por comida, ganância, traição, violência e abuso sexual. E nas entrelinhas, inúmeras chances de praticar a solidariedade.

E quais dessas situações descritas acima não são comuns em nosso cotidiano? Todos esses fatores citados são problemas da sociedade em que vivemos. Freqüentemente lidamos com abuso de poder das autoridades; desigualdade social, em que grande parcela da população vive abaixo da linha de pobreza e nem se quer faz uma refeição por dia; todo o tipo de violência, física, moral ou sexual, inclusive, feitas também pelas próprias autoridades. Sem contar os diversos tipos de preconceito que geram a segregação de muitas pessoas.


Enfim, nada do que os personagens de Saramago sofrem no livro é estranho para nós. E o que ele queria nos mostrar é exatamente isso. Na verdade, o autor fala da nossa cegueira cotidiana em relação a crise de nossa própria sociedade. Que ironia, tudo parecer mais visível quando não se pode enxergar. Só damos valor quando o problema nos afeta diretamente.

Através de uma escrita densa e chocante, Saramago mostra como o ser humano reage às próprias necessidades e principalmente às próprias incapacidades. Mostra como não conseguimos suportar a impotência e o desprezo causado por ela. Além disso, nos faz refletir sobre a moral, a ética e as nossas próprias convicções.

A cegueira dos olhos é apenas uma metáfora para a nossa verdadeira cegueira mental. A perda de um dos sentidos aparece como pano de fundo para fazer um retrato da nossa sociedade: individualista, oportunista, chantagista, preconceituosa e por vezes solidária. A única diferença é que sem a visão, essas características não se discriminariam por classe social ou raça.

“Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”


marianakeller
Artigo da autoria de Mariana Keller.
Observadora e sonhadora, faz de cada sorriso e olhar alheio uma história inventada..
Saiba como fazer parte da obvious.

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