terça-feira, 23 de abril de 2013

Palestinos

Livros para a guerra e para a paz

por Pierre Klochendler, da IPS

Aos jovens palestinos da Cidade Velha de Jerusalém é ensinada uma versão dos fatos históricos diferente da ensinada aos israelenses. Foto: Pierre Klochendler/IPS

Jerusalém, Israel, 16/4/2013 – No Orfanato Islâmico Dar el-Eitam, uma escola secundária apoiada por um “waqf” (fundo religioso muçulmano) e localizado na amuralhada Cidade Velha de Jerusalém, estudantes palestinos do décimo-segundo grau preparam seu exame de história. Na parede há dois retratos de “mártires” mortos durante a Segunda Intifada (2000-2005).

Por outro lado, em Tel Aviv, alunos israelenses do sexto grau da aldeia comunitária de Eshkol, na fronteira com Gaza, percorrem o Hall da Independência, um santuário nacional onde, no dia 14 de maio de 1948, o primeiro-ministro David Ben-Gurión leu a declaração de nascimento do Estado de Israel.

“A Organização das Nações Unidas (ONU) votou o Plano de Divisão (da antiga Palestina), mas como os árabes não o aceitaram, não se concretizou e, no dia seguinte, estourou a Guerra da Independência”, diz a guia israelense Lili Ben-Yehuda às crianças.

Na escola islâmica de Jerusalém, o professor de história Iyad el-Malki relata aos estudantes: “Os judeus queriam dois Estados, o palestino e o israelense. por acaso não tomaram a Cisjordânia 20 anos depois, em 1967, e se assentaram em nossas terras?”, pergunta de maneira retórica.

No dia 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU votou a favor de acabar com o mandato britânico na Palestina, e pela divisão do território em dois Estados independentes: um judeu e outro árabe. Para os israelenses, a votação habilitou a criação de seu Estado, seis meses depois. Para os palestinos significou a “nakba”, ou “catástrofe”, porque passaram de ser maioria em seu território para uma minoria no que se converteria em Israel.

Observando como são dadas as duas aulas – uma para israelenses, outra para palestinos – em um momento elementar de sua história comum, demonstra-se que “os fatos históricos, embora não sejam falsos ou inventados, são apresentados seletivamente para reforçar a narrativa nacional de cada comunidade”, diz um estudo sobre os livros de texto dos dois povos.

Intitulada Vítimas de Nossas Próprias Narrativas? Retrato do “Outro” nos Livros Escolares Israelenses e Palestinos, a pesquisa conclui que “as duas partes estão fechadas em suas próprias narrativas nacionais herdadas do conflito”. E “cada parte classifica negativamente a outra”, disse à IPS Sami Adwan, professor-adjunto de educação na Universidade de Belém, e coautor do estudo. “E nenhuma das duas inclui informação sobre cultura, religião e vida cotidiana da outra”, acrescentou.

Nos acordos de Oslo (1993), as duas partes concordaram em “reconhecer seus direitos legítimos e políticos mútuos” e a negociar uma solução de dois Estados para seu conflito. Mas, quase 20 anos depois, o reconhecimento recíproco não está no mapa, literalmente, e muito menos uma solução de dois Estados. E continuará não constando do mapa enquanto os livros de texto, que “têm um papel crucial na educação das crianças e em forjar sua ideologia como adultos”, segundo Adwan, não reconhecerem a existência do “outro”.

Ao analisar mais de três mil textos de 94 livros palestinos e 74 israelenses, em um período de três anos (2009-2012), o estudo identificou mapas nos quais há claras evidências de tentativas de cada parte de apagar as fronteiras e, portanto, as reclamações históricas. “Nos dois lados, as crianças crescem com a representação de que a área que se estende entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo é realmente sua pátria”, disse à IPS Daniel Bar-Tal, professor de pesquisa em desenvolvimento infantil e educação na Universidade de Tel Aviv e coautor do informe.

E, enquanto os livros escolares “descrevem de modo consistente a outra comunidade como agindo para destruir ou dominar sua própria comunidade, mostram suas próprias ações como pacíficas e atuando em autodefesa”, afirma o estudo. Os sistemas educacionais dos dois lados são diferentes. O israelense, que existe desde 1948, é heterogêneo, e está integrado por escolas estatais seculares e religiosas, além de escolas ultraortodoxas independentes. Todas usam diferentes livros de texto.

Criado no começo da década de 2000, o sistema palestino é mais homogêneo, e todos seus estudantes usam os mesmo livros. Para Adwan, esses textos refletem a realidade que experimentam os dois povos. “Os israelenses veem os palestinos esperando a oportunidade para atacá-los. Ainda sob ocupação, os palestinos veem que estão tirando sua terra”, afirmou.

O estudo também comparou os ensinos referentes à glorificação do martírio e do autossacrifício. As crianças palestinas que cursam a sexta série podem ler em um livro de idioma: “Morte antes da submissão, avante!”, o que críticos israelenses consideram uma exaltação de passados atentados suicidas. Por outro lado, os israelenses do segundo grau aprendem a história de Joseph Trumpeldor, um pioneiro do sionismo cujas últimas palavras ao defender um assentamento judeu dos atacantes árabes foram: “É bom morrer pelo nosso país”.

Durante o processo que levou aos acordos de Oslo, no qual israelenses e palestinos foram se aproximando cautelosamente, Bar-Tal cuidou de preparar os livros de textos estatais para uma nova era de paz. Para ele, “o propósito das narrativas nacionais é, primeiro, mobilizar as pessoas, prepará-las para lutar pela causa. Mas também podem ser usadas para preparar as pessoas para a paz”.

Na década de 1990, Israel começou a aceitar o assunto dos refugiados palestinos. Pela primeira vez, os livros escolares reconheceram que os palestinos não haviam escolhido fugir durante a Guerra da Independência, mas que, em muitos casos, foram obrigados a fazer isso.

Em 2007, Yuli Tamir, uma liberal ministra da Educação, introduziu o termo “nakba”, que se refere ao êxodo forçado dos palestinos, nos livros de texto israelenses em idioma árabe, destinados aos alunos israelenses de origem palestina. Dois anos depois, essa palavra foi eliminada. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu justificou a decisão dizendo que o termo era “propaganda contra Israel”.

Neste contexto, o ensino parece ter profundas implicações para a construção da paz. Ao que parece, os livros de texto criados por adultos ainda não estão comprometidos com a tarefa de preparar as crianças para uma ética de amizade. Envolverde/IPS
(IPS)

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