sábado, 4 de janeiro de 2014

Cuba

Em Cuba, fim de ano de esperanças e incertezas Fim da centralização obsessiva sugere possibilidade de socialismo mais baseado em ações autônomas. Mas quando irão concretizar-se planos há muito anunciados? Por Leonardo Padura, na IPS/Envolverde Depois de três décadas de socialismo supostamente planejado (1960-1990), ao longo das quais o que se “planejava” pelas estruturas de governo e Estado muitas vezes era cumprido pela metade, se perdia no esquecimento por falta de controle ou de realismo, ou, no melhor dos casos, era executado de qualquer forma só para cumprir o plano, os cubanos se acostumaram a viver esperando (ou sem esperar) que a direção política, financiada com potentes subvenções soviéticas, idealizasse um novo “planejamento”. Esta reorganização ou projeto entrava em nossas vidas como uma tromba, embora depois pudesse desaparecer com a velocidade e consistência da fumaça. Aquele planejamento idealista teve, no entanto, um resultado: as pessoas se acostumaram a receber ordens e orientações nas quais sua decisão individual tinha pouco ou nenhum peso. Se você tinha um telefone era porque o Estado o concedia; se viajava, era porque permitiam… e assim até o infinito. Os anos mais duros das crises e carências que se seguiram ao desaparecimento da União Soviética e de suas subvenções demonstraram com o país estava tão pouco preparado para cuidar de si mesmo, pois tantos planejamentos socialistas não haviam conseguido dotar a economia nacional de uma estrutura capaz de se sustentar sem apoios estrangeiros. Nos últimos seis ou sete anos, o Estado-governo-Partido único, dirigido pelo general Raúl Castro depois da saída efetiva do poder do até então máximo líder Fidel Castro, tratou de colocar ordem na estrutura econômica e social com um planejamento mais realista, e o referendou com a elucubração de umas Diretrizes da Política Econômica e Social, aprovadas como instrumento pragmático no Congresso do Partido Comunista de 2011. Amparada nessas diretrizes, a direção introduziu numerosas e importantes mudanças na vida econômica e social da nação. Contudo, entre o programa e a vida real, cotidiana, individual dos moradores dessa ilha do Caribe há uma distância estressante que é a do desconhecimento de como, quando, em qual ordem serão concretizadas as “atualizações” planejadas… Explico em duas palavras: para os cubanos continua sendo impossível, apesar dos planejamentos, criar seus projetos vitais, pois cada vez devem modificá-los, refazê-los ou esquecê-los, de acordo com o que desde as alturas de decisão política lhes chega no momento, a forma e com a intensidade que os reitores da atualização decidam, com seu elevado olhar macroeconômico ou macrossocial, esses planejamentos ou variações que muitas vezes chegam sem que os cidadãos tenham a possibilidade de fazer suas próprias atualizações e seus replanejamentos. Agora mesmo, os cubanos que por uma ou outra via conseguiram capitalizar algum dinheiro têm muito pouca certeza do que será o futuro monetário do país, pois haverá uma unificação das moedas circulantes, mas sem uma ideia precisa de como nem quando acontecerá, que valor terá o dinheiro, etc. Os mais afortunados ainda que, por exemplo, aspiravam adquirir um automóvel novo ou de segunda mão vendido pelo Estado, agora tampouco sabem se alguma vez, e como, poderão ter acesso a esse sonho que, por ocultas razões, continua sendo controlado, limitado ou negado pelo Estado, mesmo quando a venda de um automóvel em Cuba seja um dos mais benéficos negócios com que poderia sonhar qualquer vendedor do universo (os carros novos estão, ou estavam, gravados com 100% de impostos, ou seja, custavam o dobro de seu preço de mercado). Entretanto, esses afortunados são, como é fácil deduzir em um país empobrecido, uma porcentagem ínfima da população. A maior parte dos cidadãos vive o quotidiano em malabarismos econômicos domésticos de subsistência que são alterados constantemente por um processo de inflação que começou na década de 1990 e que não fez mais do que aumentar em uma proporção inalcançável para os salários que recebem os funcionários públicos, que são cerca de 80% dos que trabalham em Cuba. Os artigos de primeira necessidade (alimentos, higiene), além da eletricidade, do transporte e de outros serviços encarecem constantemente, segundo o planejado centralmente, e dão as costas ao planejamento com que a duras penas foram se ajeitando centenas de milhares de famílias, milhões de indivíduos. Enquanto se aproxima outro final de ano, a maioria dos cubanos sabe que nem as críticas e poéticas previsões que a cada mês de janeiro tornam públicas os sacerdotes de Ifá (o candomblé, a religião animista e de adivinhação de origem africana mais praticada em Cuba) poderiam dar uma verdadeira luz sobre seu futuro mais imediato, o que cada um deve planejar para viver sua vida pessoal, a única que a biologia (ou, talvez, algum deus), lhes concedeu. Como será o próximo ano para os 11 milhões de cubanos? Creio que nem o oráculo de Ifá sabe com certeza. * Leonardo Padura é escritor e jornalista cubano, ganhador do Prêmio Nacional de Literatura 2012. Suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas, e sua obra mais recente, O homem que amava os cães, tem como personagens centrais Leon Trotski e seu assassino, Ramón Mercader. (Outra palavras)

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