quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Tunísia

''Para nós, jovens, a revolução começou com o futuro negado''


Publicamos o testemunho de um estudante universitário tunisiano que assina com um pseudônimo: o texto foi publicado no blog coletivo de Nawaat, sítio próximo da oposição.
O depoimento foi publicado no jornal La Repubblica, 13-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Ninguém ousa discutir a respeito em público. Ninguém confia. O vizinho, um amigo, o farmacêutico pode ser um espião de Ben Ali (foto). Queres que te levem embora à força, a ti ou ao teu pai, a algum lugar indefinido, de noite ou às quatro da manhã?
Crescemos com esse medo de se comprometer, e continuamos estudando, vamos por aí, saímos à noite sem nos ocuparmos de política. Nos anos do colégio, começamos a conhecer os meandros da família real e ouvimos histórias aqui e ali, sobre este ou aquele parente de Leila [a primeira-dama tunisiana] que tomou o controle da indústria, que se apropriou dos terrenos de algum outro ou que negociou com a máfia italiana.
Fala-se, discute-se a respeito entre nós, todos estão a par, mas não se age. Prosseguem-se os estudos. Em breve, damo-nos conta de que a TV tunisiana é a pior de todas. Toda informação é um hino à glória do presidente. Ben Ali aparece sempre na sua melhor luz. Todos sabem que ele pinta os cabelos de preto. Sua mulher, com aquele seu sorriso lenhoso, não agrada a ninguém; jamais pareceu ser sincera.
Vive-se. Ou não se vive: pensa-se que se vive. Tem-se vontade de acreditar que tudo vai bem, porque fazemos parte da classe média, mas sabemos que, durante o dia, os bares estão cheios de gente: desempregados que discutem sobre futebol.
Os primeiros locais noturnos abrem as portas, começamos a sair,a beber, a fazer a vida noturna em Sousse ou em Hammamet. Circulam outras histórias sobre um certo Trabelsi [o sobrenome da primeira-dama] que quebrou a cara de um porque não o aguentava mais, ou de um outro com o mesmo sobrenome que provocou um acidente de carro e depois voltou para casa dormir. Essas histórias são contadas às pressas, discretamente. Vingamo-nos do nosso modo: contando, parece que estamos fazendo um complô.
Os policiais têm medo. Se você lhes disser que é parente de Ben Ali, todas as portas se abrem. Nos hotéis, te dão os melhores quartos. Os estacionamentos são gratuitos. O código de trânsito deixa de existir. A Tunísia se torna um campo de jogo virtual. Não arriscam nada, podem fazer o que querem, tratar as leis como se fossem marionetes.
A Internet é bloqueada. As páginas censuradas passam-se por não encontradas ou inexistentes. Na escola, trocam-se os proxys [os meios para evitar a censura informática]. "Você tem um proxy que funciona?", é a palavra de ordem: não se ouve dizer outra coisa.
Estamos fartos, e falamos disso entre nós. Todos sabemos que Leila Ben Ali procurou vender uma ilha tunisiana, que quer pedir que a Escola Americana de Túnis promova uma escola sua: essas histórias circulam. Na Internet e nas bolsas troca-se A regente de Cartago [biografia impiedosa da primeira-dama]. Amamos o nosso país, queremos ver as coisas mudarem, mas não há um movimento organizado. A tribo está pronta, mas o líder não faz a sua convocação.
A Tunísia, a corrupção, os subornos – simplesmente, há a vontade de ir embora daqui, candidatamo-nos para ir estudar na França, no Canadá... Você gostaria de abandonar tudo. Você é um velhaco, e reconhece isso. O país, você o deixa para eles.
Você vai para a França, esquece-se um pouco da Tunísia, volta para as férias. A Tunísia? É a praia de Sousse, ou a de Hammamet, ou locais noturnos, os restaurantes. Eis o que é a Tunísia: um gigantesco Club Méditerranée.
E então o WikiLeaks revela em plena luz do dia aquilo que todos murmuravam.
E um jovem se imola com o fogo.
E 20 tunisianos são mortos em um único dia.
E, pela primeira vez, vê-se em tudo isso a ocasião para se rebelar, para se vingar dessa família real que se apoderou de todas as coisas, para inverter a ordem constituída que acompanhou toda a vida dos jovens.
Jovens que estudaram, e que agora já têm o suficiente. E se preparam para imolar todos os símbolos dessa velha Tunísia autocrática, com uma nova revolução, a Revolução do Jasmim, a verdadeira.
(Inst. Humanitas Unisinos)

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