sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Deus e Satanás

O desafio entre Deus e Satanás


"O Senhor, arrastado pela tentação de Satanás, está no jogo, colocando o seu predileto como prêmio. Consegue salvaguardar a incolumidade de Jó, mas abandona o seu pupilo à violência do adversário. É um duelo inútil, porque só pode ter um resultado. Porém, é inevitável."
A opinião é do poeta e ex-senador italiano Mario Luzi, falecido em 2005, em texto publicado no jornal Corriere della Sera, 20-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Somos subdesenvolvidos e até alienados na nossa cultura ocidental. Assim, pode acontecer que nos surpreendamos de encontrar nas páginas iniciais do Livro de Jó o prólogo no céu, para nós inseparável da fantasia poética de Goethe. O poeta moderno parece ter ocultado a fonte. Mas, surpreendentemente, nos damos conta de que ele encobriu com vestes e panos mais majestosos a mesma substância, isto é, o momento em que a prova vem. É a prova à qual o Senhor submete Jó. E é, até pela sua clarividência e poder, uma prova a despeito do adversário e por meio dele. Acredito que devemos nos libertar do sentido proverbial conectado à figura de Jó. A proverbialidade, como sempre, exaltou e desmoralizou o herói. Mas, neste caso, a desnaturalização foi muito forte; a redução da figura, muito grave.
O grandioso agonismo do Livro que se refere a ele sofre dessa simplificação, e devemos reconquistar todo o seu sentido possível. O primeiro drama é do Senhor. Embora superior a Satanás em poder, ele não pode, porém, se isentar do seu desafio. Os poderes de Satanás não são ilimitados, mas sim suficientemente extensos para curvar Javé a uma dura verificação da sua onipotência. Que humilhação aceitar essa comparação – por necessidade? Por pura ostentação de força e de segurança? Quem é aqui o tentado?
O Senhor, arrastado pela tentação de Satanás, está no jogo, colocando o seu predileto como prêmio. Consegue salvaguardar a incolumidade de Jó, mas abandona o seu pupilo à violência do adversário. É um duelo inútil, porque só pode ter um resultado. Porém, é inevitável. Dois poderes se enfrentam, portanto.
Deus. Autocelebração? Catálogo das maravilhas da criação e das criaturas. Triunfal resenha dos prodígios e da onipotência.
Jó, tocado na medula, não pelo sublime cortejamento, mas sim pela condescendência enfim mostrada por Javé, não se confessa réu, mas se proclama humilde, porém reconhece que não se deteve aos fatos.
O mistério do mal não venceu. Porém, nesse plano de mútua inteligência, ocorre a reconciliação. Deus é onipotente – esse é o argumento principal da Bíblia. Jó não coloca em causa esse princípio. Quanto imputa o mal a Deus, ao contrário, demonstra observá-lo, embora paradoxalmente. Porém, o binômio Deus-onipotência não seduz Jó verdadeiramente. A ele, ao seu desejo, dedica-se um Deus fraterno, que não opõe o silêncio e a indiferença ao grito do infeliz, mas "fiant aures tuæ intendentes in vocem deprecationis meæ". Talvez um Deus que compartilha o sofrimento das suas criaturas, um Deus que prefigura o Cristo.
(Inst. Humanitas Unisinos)

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