domingo, 30 de janeiro de 2011

O Tempo

E de repente o relógio para. O tempo não. “O tempo não pára”, cantou no passado recente o poeta Cazuza, e ainda nos (en)canta no presente, pelas vitrolas, rádios, televisões, Ipods, Internet e demais máquinas, mídias e gadgets de reprodução áudio e visual por aí afora. Seja no formato analógico ou digital, suas virtualidades ainda nos provocam arrepios, cujos efeitos ora tiram o nosso sossego, ora nos acalantam. O poeta boêmio ainda canta e encanta aqueles que possuem sensibilidade e param por alguns minutinhos para curtir uma música. E curtir exige certo tempo, no que talvez vá além das nossas capacidades de medição. Tempo intensivo, desmedido, relacionado mais às sensibilidades e aos afectos, do que aos relógios.

Um tempo que não para é o das urgências. E as urgências não deveriam ser tratadas com pressa, mas sim, com modulações de velocidade, que podem ser rápidas ou lentas. No mais das vezes, a pressa funciona tal como um índice de paixão triste, operando como uma inimiga das velocidades, diminuindo a nossa potência de ação. Necessitamos de uma alternância entre velocidades e lentidões que aumente a nossa potência de ação para afinarmos a nossa capacidade de afectar e de sermos afectados, tal como nos sugere o filósofo Spinoza, e assim nos tornarmos capazes de experimentar o que pode um corpo.

E subitamente um coelho branco salta da toca, mete a mão no inexistente bolso de seu colete e retira de lá um relógio sem ponteiros para o qual olha e diz: “Oh puxa! Oh puxa! Como estou atrasado!” Em seguida, o coelho branco salta de volta para a toca sendo seguido imediatamente por Alice. Lewis Carroll e as aventuras de Alice, como Deleuze nos chamou a atenção, primeiro sobre o jogo de profundidades de Alice no país das maravilhas, e na seqüência, acerca da força das superfícies planas em Alice no país do espelho. Livros mágicos em que uma sucessão de acontecimentos se sustenta em uma miríade de paradoxos desconcertantes.

N’outro dia mesmo eu estava a pensar que talvez um relógio tivesse que ter ponteiros e ao mesmo tempo um espaço onde não houvesse ponteiros, onde de preferência não houvesse nada além de um vazio (espécie de presença edificante). Vazio para nos lembrar que algo do tempo sempre escapará aos nossos regimes de medição, ao controle. Daí a pensar um relógio que ao invés de marcar as horas, as libertasse. Ou melhor, se fosse para ter ponteiros, que estes fossem frouxos e não tão firmes e que apontassem saídas, brechas, rupturas, mais do que segundos, minutos e horas com exatidão. Um relógio que fosse um elogio ao tempo que escapa. De toda maneira, ainda prefiro os relógios analógicos aos digitais, a velocidade analógica costuma ser mais interessante do que a digital.

Há os que usam o relógio para marcar as horas, e os que olham para esta maquineta a fim de medir um tempo, outros tantos usam estes gadgets inusitados apenas como enfeite. Por essas e outras: “Está cada vez mais complicado convencer uma criança a usar um relógio, máquina de um só gadget” Talvez porque as crianças se interessem mais por um relógio que entre em seus jogos e brincadeiras do que um que sirva apenas para lembrá-las de que nas horas que passam logo elas terão que parar de brincar. Se o relógio não solta raios laser, mesmo que imaginários, para que pregá-lo no pulso?

Se o tempo fosse mesmo líquido eu saberia ver as horas nos relógios de Dalí. Mas, daí a um, ou dois segundos, numa tarde de calor, as horas se evaporariam em nuvens invisíveis como o tempo. Você não vê o tempo, especialmente quando diz: “Eu não vejo a hora...”

Já faz um tempo que eu pretendo não fazer nada. Mas não fazer nada exige um esforço danado, ou seja, é preciso fazer muito, com precisão, numa exata medida que eu desconheço. Da espera eu também nada sei, pois tenho pouca paciência e (quase) nenhuma esperança. Apenas sinto, no mais das vezes, vontade(s). E a vontade, tal como uma força, eu também não vejo, apenas sinto (quando sinto). E quando sinto, pode ser como uma pancada, ou suave como uma pluma.

E o tempo passa, as horas se vão, os minutos escorregam e os segundos, pela pequenez desta unidade de medida, são os primeiros de que sentimos falta.
(O Pensador Selvagem)

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