sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Nosso Beto

Um homem atraído por Capitu.
“ Quem é de Deus não teme o mar . Não tenho medo de onda forte. Sei nadar muito bem” ( Padre Jaime, da cidade do Cabo de Santo Agostinho,Pernambuco, pouco antes de morrer na praia de Gaibu,onde foi nadar numa ressaca).
“Que praia linda, que mar sereno. Que bom entrar na água sem pensar em perigo”. O inglês Jonathan Burker, engolido por uma subida de onda repentina na praia de Ponta Negra em Natal, Rio Grande do Norte.
Esses dois casos me faz lembrar a maior personagem feminina da literatura brasileira : Capitu. Não tive o prazer de conhecer a Capitu original, que Machado de Assis criou para o desfrute de Bentinho, Escobar e dos homens do Rio do século 19. Discordo do agregado José Dias que via nela olhos de cigana, dissimulados, falsos. O olhar de Capitu é forte e verdadeiro. Traz a ressaca que engoliu o padre Jaime. Traz a onda repentina que surpreendeu o inglês em Natal. Acho que hoje em dia existem poucas mulheres,conta-se nos cinco dedos, que tenham o olhar de Capitu, que ainda adolescente franzia a testa quando pensava e virava qualquer situação. Capitu pode viver agora numa favela do Rio, numa super-quadra de Brasília, ou na paulicéia desvairada. Devastando corações igual ao mar quando avança, atraindo homens para o redemoinho do amor, enfeitiçando corações só com o olhar enigmático e possuidor de todos os segredos da conquista. O segredo dos seus olhos. Mesmo porque Capitu nunca precisou dos artifícios que as mulheres usam hoje , a maioria imitando as medíocres personagens das novelas da TV Globo. Pra usar uma gíria antiga: Capitu não está no gibi! É outra história, são outras palavras,mas o olhar continua o mesmo : nitroglicerina pura. Para amarrar o sexo e o coração dos homens. Quando filmei na Bolívia, pedi diante da imagem de San Ernesto de La Higuera (que em vida se chamava Che Guevara) que botasse uma Capitu no meu caminho. Apareceu uma no Paraguai (que perigo) e outra em Pernambuco ( que tsunami em minha vida).Jurei nunca mais querer saber de Capitus. Vou voltar a La Higuera e diante da imagem de San Ernesto,o Guevara, pedir...de novo uma Capitu.Masoquismo ? Não. É porque quem prova do feitiço de uma Capitu, fica enfeitiçado mesmo. E chega a provar o doce sabor da morte. Mas antes de morrer, quanta delícia! Eu já morri nos braços de duas Capitus. Queria, nos meus 101 anos, uma terceira morte , provocada de novo por uma Capitu. Quem sabe eu não a encontre e a reconheça numa locação de filmagem, na porta de um cinema, numa livraria, ou fazendo um documentário sobre a universidade brasileira? Quem sabe? Talvez eu veja de cara uma moça que traz nos olhos perguntas que eu não sei responder,nem nenhum homem saberia. Aí vou ter certeza: é ela! É Capitu! Ela vai me olhar de cima, vai desinventar tudo que escrevi ou filmei. Mas, quem sabe, talvez ela descubra, quando noite for, que sente uma pontinha de querer bem pelo dinossauro que se aproximou dela. Depois desse encontro, posso morrer. Numa ressaca como Escobar. Valei-me, San Ernesto de La Higuera. Que em vida aconselhou um ex-guerrilheiro, acusado pela companheira de não saber tratá-la bem na cama. Guevara chamou o cara pra um canto, mão no ombro dele, e falou : “Há que endurecer, porém sem perder a ternura jamais”. A frase virou enunciado político, quando na verdade é um aconselhamento conjugal. E eu fico imaginando : que conselho o Che daria a Capitu, diante da loucura que ela provoca nos homens ? Acho que nenhum. Ela comia ele, antes que o Comandante abrisse a boca. Viva hasta siempre San Ernesto de La Higuera. E viva Capitu, e os mistérios, segredos e perguntas do seu olhar inimitável.
Esse texto é pra ela.
E em memória de Ernesto “Che”Guevara, hoje San Ernesto de La Higuera, santo não reconhecido pela Igreja mas muito amado pelo povo pobre da Bolívia.
RobertoMenezes

Nenhum comentário:

Postar um comentário