domingo, 6 de março de 2011

Mulheres

Quando o “belo feminino” se torna um pesadelo e uma obrigação
Posted: 23/02/2011 by Revista Espaço Acadêmico in colaborador(a), gênero
4
por ROSANGELA ANGELIN*
A beleza é, em sua própria essência, algo muito relativo. Prova disto, é que os padrões de beleza modificaram-se no decorrer da história da humanidade. Dentro deste contexto, a mulher continua sendo o alvo mais visado da “estética” corporal dominante em nossa sociedade. A maior propagação dos “modelos de beleza” ocorre através dos grandes meios de comunicação social, os quais reforçam os ditames do consumismo capitalista, construindo um padrão de “beleza” dado como obrigatório.
A corrida desenfreada para as academias de ginástica e para a medicina estética, o uso de produtos dietéticos para emagrecer, a anorexia e a bulimia, revelam uma espécie de “ditadura da beleza” à qual a maioria das mulheres se condiciona em busca de um corpo “perfeito”. Antes considerada um atributo da natureza, a beleza passou a ser encarada como uma questão de “conquista” e, nesta lógica, é necessário investir muito dinheiro e tempo a fim de se alcançar a aprovação da sociedade. A beleza, ou melhor, a feiúra, acabou gerando um lucrativo mercado no mundo capitalista. Com muita propriedade, a escritora americana Noemi Volf afirma, em seu livro O mito da beleza, que a beleza é um sistema monetário assim como o ouro. É o último e o melhor sistema de crenças que mantém a dominação masculina intacta. Assim, o capitalismo usa as mulheres ‘bonitas’ como isca para a venda dos seus produtos, lucrando com a discriminação das consideradas ‘feias’ que buscam o maior número de produtos possíveis para compensarem sua ‘feiúra’.”
A figura da mulher é exposta e explorada como um “objeto”. Os grandes meios de comunicação social vêm desempenhando um papel decisivo, através de revistas, jornais, comerciais, novelas e programas em geral, contribuindo, desta maneira, com a afirmação de um padrão de “beleza”. Um exemplo a ser considerado, são os programas de televisão, principalmente os humorísticos, onde as mulheres são apresentadas, em sua grande maioria, como figuras bonitas e atraentes, porém, imbecis, desprovidas de idéias e vontades. Constantemente, em contraste a esta figura, encontra-se uma mulher feia. Esta, por sua vez é apresentada como uma pessoa chata e desinteressante, embora, algumas vezes dotada de certa inteligência. Estes estereótipos reforçam a idéia de que são os “dotes físicos” de uma mulher que realmente importam.
A discriminação do corpo da mulher também ocorre, de uma forma específica, através da maioria dos concursos de beleza, onde somente as mulheres jovens e que se enquadram nos padrões estéticos impostos, podem participar. Com este intuito, estas mulheres são avaliadas por meros critérios físicos. Analogicamente pode-se comparar os concursos de beleza com as mostras de gado, realizadas em muitos estados do Brasil, onde os animais desfilam na frente dos jurados e juradas que adotam critérios para a avaliação física destes, como por exemplo, o tamanho e a textura dos pernis, das paletas, a postura e desenvoltura do animal e, no caso das vacas, seus úberes.
Lamentavelmente, este exemplo evidencia a forte discriminação da mulher como ser humano, ditada pelo mundo masculino e, muitas vezes, aceita pelas próprias mulheres. A ideologia de “beleza física” acaba gerando uma inversão de valores, nos quais a busca por um corpo perfeito, é considerada um sinônimo de aceitação social, geralmente confundida com a felicidade.
Embora as mulheres, ao longo de muitos anos, com muita luta e persistência, tenham conquistado direitos e se afirmado em vários espaços da sociedade, lamentavelmente, ainda é “normal” continuarmos sendo vistas e consideradas pelos contornos físicos de nossos corpos, o que evidencia um empobrecimento da capacidade de olhar o ser humano. Como afirma Maria Rita Kehl, “a maior beleza está no corpo livre, desinibido em seu jeito de ser, gracioso porque todo ser vivo é gracioso quando não vive oprimido e com medo. É a livre expressão de nossos humores, desejos e odores; é o fim da culpa e do medo que sentimos pela nossa sensualidade natural; é a conquista do direito e da coragem a uma vida afetiva mais satisfatória; é a liberdade, a ternura e a autoconfiança que nos tornarão belas. É essa a beleza fundamental.”
________________________________________
* ROSANGELA ANGELIN é militante feminista e Doutora em Direito na Universidade de Osnabrück – Alemanha. Publicado na REA, nº 46, março de 2005, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/046/46cangelin.htm
(Revista Espaço Acadêmico)

Nenhum comentário:

Postar um comentário