quarta-feira, 30 de março de 2011

O. Médio

Revolução no Mundo Árabe
DOSSIER | 10 MARÇO, 2011 - 17:57
A revolução que começou na Tunísia e que já derrubou as ditaduras deste país e do Egipto, avança com dificuldades na Líbia e espalha-se em toda a região, começando mesmo a fazer tremer o mais importante aliado dos EUA, a Arábia Saudita. Neste dossier, reunimos artigos para fazer o ponto da situação desta revolução que abala todo o mundo árabe.

Praça Tahrir, Cairo, dia 3 de Março. Foto de Ahmed Abd El-fatah
A revolução que começou na Tunísia e que já derrubou as ditaduras deste país e do Egipto, avança com dificuldades na Líbia e espalha-se em toda a região, começando mesmo a fazer tremer o mais importante aliado dos EUA, a Arábia Saudita. Neste dossier, reunimos artigos para fazer o ponto da situação desta revolução que abala todo o mundo árabe.
Começamos pelo Egipto, com uma entrevista com o socialista Sameh Naguib, seguida de um artigo de Mike Whitney destacando o papel da classe trabalhadora no derrube de Mubarak e de Graham Usher, que explica as razões de Washingtonnunca ter percebido os acontecimentos no Egipto. Na Tunísia, o homem que foi o artífice do capitalismo neoliberal foi expulso do poder pela pressão popular, explica Fathi Chamkhi. Vijay Prashad e Vicenç Navarro dão pistas sobre o Labirinto líbio e o papel de Khadafi, que resiste cruelmente mas sem conseguir deter a revolução, na opinião de David Hirst. E Alain Gresh opõe-se a uma intervenção militar do Ocidente no país. Finalmente, Robert Fisk diz que o destino da revolução pode passar pela Arábia Saudita e Pepe Escobar e Rannie Amiri escrevem sobre Omã e Bahrein.
Dossier coordenado por Luis Leiria

Esquerda.net)

Hobsbawn

"Como muda o mundo" Resenha de Hobsbawm, Eric; Como mudar o mundo: Marx e o marxismo 1840-2011 (How to change the world: Marx and Marxism 1840-2011), 2011: Little Brown, 470 pp.

Por Terry Eagleton, do London Review of Books | Tradução: Coletivo VilaVudu
Em 1976, muita gente no ocidente pensava que o marxismo era ideia a favor da qual se podia facilmente argumentar. Em 1986, a maioria das mesmas pessoas já não pensavam como antes. O que aconteceu nesse entretempo? Estarão todos aqueles marxistas enterrados sob uma pilha de filhos engatinhantes? Todo o marxismo terá sido desmascarado, com seus vícios expostos por novas pesquisas revolucionárias fortes? Terá alguém tropeçado em manuscrito perdido, no qual Marx confessou que era tudo mentira, piadinha?

Estamos falando, atenção, sobre 1986, poucos anos antes do colapso do bloco soviético. Como Eric Hobsbawm lembra nessa coleção de ensaios, não foi o colapso do bloco soviético que levou tantos crentes tão fiéis a mandar para a lixeira os cartazes de Guevara. O marxismo já estava em pandarecos desde alguns anos antes de o muro de Berlim vir abaixo. Uma das razões da debacle foi que o tradicional agente das revoluções marxistas, a classe trabalhadora, havia sido varrida do mundo por mudanças do sistema capitalista – ou, pelo menos, já não era maioria significativa. É verdade que o proletariado industrial encolheu muito, mas Marx jamais disse que a classe trabalhadora fosse composta só de proletários da indústria.

Em Das Kapital, os trabalhadores do comércio aparecem no mesmo nível que os trabalhadores da indústria. Marx também sabia muito bem que o maior, e muito maior, grupo de trabalhadores assalariados de seu tempo não eram os trabalhadores da indústria, mas os empregados domésticos, a maioria dos quais eram mulheres. Marx e seus discípulos jamais supuseram que alguma classe trabalhadora pudesse avançar sozinha, sem construir alianças com outros grupos oprimidos. E, embora o proletariado industrial devesse ter papel de liderança, nada permite supor que Marx supusesse que tivesse de ser maioria, para desempenhar seu papel.

Mas, sim, algo aconteceu, sim, entre 1976 e 1986. Acossada por uma crise de lucros, a produção de massa à moda antiga deu lugar a produção em menor escala, mais versátil, descentralizada e pós-industrial, a uma cultura ‘pós-industrial’ de consumo, de tecnologia da informação e da indústria de serviços. A terceirização e a globalização viraram a nova ordem do dia. Mas isso não implicou mudança essencial no sistema; só levou a geração de 1968 a trocar Gramsci e Marcuse por Said e Spivak. Ao contrário, o sistema estava então mais poderoso que nunca, com a riqueza ainda mais concentrada em poucas mãos e as desigualdades de classe crescendo rápidas. Foi isso, ironicamente, que fez disparar as esquerdas em busca da saída mais próxima.

As ideias radicais degradadas, oferecidas como mudança radical, pareciam cada vez mais implausíveis. A única figura pública que denunciou o capitalismo nos últimos 25 anos, diz Hobsbawm, foi o Papa João Paulo II. Duas ou três décadas depois, os covardes e fracos de coração assistiram à glória de um sistema tão exultante e impregnável, que só precisava cuidar de manter abertas as caixas de autoatendimento dos bancos em todas as ruas e esquinas.

Eric Hobsbawm, que nasceu no ano da Revolução Bolchevique, permanece amplamente comprometido com o campo marxista – fato que se deve destacar, porque é fácil ler seu livro sem se aperceber desse compromisso. Isso, pela consistência do saber do autor, não porque salte de galho em galho. O autor conviveu com tantas das turbulências históricas sobre as quais discorre, que é fácil fantasiar que a própria história falaria nessas páginas – efeito da sabedoria enxuta, que tudo vê, desapaixonada. Difícil pensar em outro crítico do marxismo, assim tão competente para refletir sobre as próprias crenças com tanta honestidade e equilíbrio.

Hobsbawm, é claro, não tem a onisciência do Espírito Absoluto hegeliano, apesar do saber cosmopolita e enciclopédico. Como muitos historiadores, não é muito afiado no campo das ideias e erra ao sugerir que os discípulos de Louis Althusser trataram O Capital de Marx como se fosse, basicamente, trabalho de epistemologia. Nem o Espírito de Hegel trataria o feminismo, sequer o feminismo marxista, com tão gélida indiferença, ou dedicaria só rápidas notas laterais a uma das mais férteis correntes do marxismo moderno – o trotskismo. Hobsbawm também pensa que Gramsci seja o mais original pensador que o ocidente produziu desde 1917. Talvez queira dizer o mais original pensador marxista, mas nem isso está absolutamente claro. Walter Benjamin, com certeza, seria candidato mais bem qualificado para esse trono.

Mas fato é que até os mais eruditos estudiosos de marxismo têm muito a aprender nesses ensaios. É parte, por exemplo, do fundo de comércio do materialismo histórico que Marx esgrimiu com decisão contra os vários socialistas utópicos que o cercavam. (Um deles acreditava que, no mundo ideal, o mar viraria limonada. Marx, sem dúvida, preferiria Riesling.) Hobsbawm, ao contrário, insiste em que Marx teria dívida substancial com esses pensadores, que iam “dos penetrantemente visionários, até os psiquicamente perturbados”. Fala claramente do caráter fragmentário dos escritos políticos de Marx, e insiste, acertadamente, em que a palavra “ditadura”, na expressão “ditadura do proletariado”, que Marx usou para descrever a Comuna de Paris, tem significado absolutamente diferente do que hoje se conhece. A revolução deveria ser vista não simplesmente como repentina transferência do poder, mas como prelúdio de longo, complexo, imprevisível período de transição. Dos últimos anos da década dos 1850 em diante, Marx já não considerava nem iminente nem provável qualquer repentina tomada do poder. Por mais que tenha elogiado entusiasticamente a Comuna de Paris, Marx pouco esperava dela. Nem a ideia de revolução seria simploriamente oposta à ideia de reforma, da qual Marx foi defensor persistente.

Como Hobsbawm poderia ter acrescentado, houve revoluções praticamente sem derramamento de sangue, e alguns espetacularmente sanguinolentos processos de reforma social.

No absorvente ensaio sobre A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra de Engels, o livro é apresentado como o primeiro estudo de todos os tempos sobre como lidar com toda a classe trabalhadora, não só com específicos setores das indústrias. Na opinião de Hobsbawm, a análise que ali se fez do impacto social do capitalismo ainda não foi superada, em vários aspectos. O livro não pinta seu objeto com cores suaves: a ideia de que todos os trabalhadores fossem famintos ou vivessem em miséria absoluta, ou que jamais ultrapassariam a linha da sobrevivência, não tem qualquer fundamento. Tampouco tem fundamento a burguesia que lá se vê, apresentada como bando de vilões de coração de pedra. Como tantas vezes acontece, cada um só vê o que já conhece: Engels, ele próprio, era filho de uma rico industrial alemão proprietário de uma fábrica de tecidos em Salford, e usava seus mal-havidos lucros para ajudar a alimentar, vestir e dar teto à família Marx — essa, sim, sempre à beira da miséria. Engels gostava de caçar raposas; herói de dois mundos, do proletariado e dos colonizadores irlandeses, sabia unir teoria e prática e amou apaixonadamente sua amante irlandesa da classe operária.

Marx antevia como inevitável a vitória do socialismo? Sim, como se lê no Manifesto Comunista, que Hobsbawm não concorda que seja documento determinista. Isso, em parte, porque Hobsbawm não discute o tipo de inevitabilidade que estaria em questão. Marx escreve às vezes como se as tendências históricas fossem forças da natureza e operassem como as leis naturais; mas, ainda assim, nada explica por que, depois do capitalismo, viria o socialismo, como resultado lógico.

Se o socialismo é historicamente predeterminado, por que tanto empenho na luta política? A explicação está em que Marx esperava que o capitalismo se tornasse cada vez mais explorador; e que a classe trabalhadora cresceria muito, em poder, em números e em experiência acumulada. Nesse quadro, os homens e mulheres trabalhadores, satisfatoriamente racionais, rapidamente encontrariam todos os motivos necessários para levantar-se contra seus opressores. Mais ou menos como, para os cristãos, o livre arbítrio que rege as ações humanas é parte de um plano preordenado por Deus, assim também, para Marx, o acirramento das contradições do capitalismo forçaria os homens e mulheres a, livremente, decidirem dar cabo dele. A ação humana consciente traria a revolução. O paradoxo está em que a ação livre consciente é, em certo sentido, predeterminada como em escrituras.

A verdade é que não se pode falar sobre o que homens e mulheres livres seriam obrigados a fazer em dadas circunstâncias, porque, se são obrigados a fazer, seja o que for, não são livres. É possível que o capitalismo esteja nas últimas, à beira da ruína, mas nada assegura que, depois dele, venha algum socialismo. Pode vir algum fascismo, ou a barbárie.

Hobsbawm nos lembra uma frase curta mas muito significativa do Manifesto Comunista pela qual, universalmente, todos os especialistas sempre passam apressados: o capitalismo, escreve Marx sinistramente, pode terminar “na ruína comum das classes concorrentes”. Não se deve descartar a possibilidade de que o único socialismo que talvez venhamos a conhecer seja o que nos for imposto por circunstâncias materiais, depois de uma catástrofe nuclear ou ecológica.

Como outros crentes do progresso infinito no século 19, Marx não considera a possibilidade de o engenho humano avançar tanto no campo da tecnologia, que acabe por se autodetonar. Aí está uma das várias vias pelas quais se pode demonstrar que o socialismo não é historicamente inevitável, como, de fato, nada é. Marx não viveu o suficiente para ver como a democracia social consegue subornar qualquer paixão revolucionária.

Poucos trabalhos mereceram tantos elogios das classes médias, com tanto embaraçoso fervor, quanto O Manifesto Comunista. Do ponto de vista de Marx, as classes médias foram, de longe, a força mais revolucionária na história humana, e sem seu empenho na luta pelos próprios objetivos e a riqueza espiritual que acumularam, o socialismo fracassaria. Esse, desnecessário dizer, foi dos mais agudos e certeiros prognósticos de Marx.

O socialismo no século 20 tornou-se mais necessário precisamente onde era menos possível: em regiões atrasadas do mundo, socialmente devastadas, politicamente obscurantistas, economicamente estagnadas, onde nenhum pensador marxista apareceu antes que Stalin sequer sonhasse em ali deitar raízes. Ou, pelo menos, tentar deitar raízes com o socorro massivo de nações azeitadas. Nessas condições terríveis, o projeto socialista está destinado a converter-se em monstruosa paródia dele mesmo.

Assim também, a ideia de que o marxismo leva inevitavelmente a essas monstruosidades, como Hobsbawm observa, “é tão racional e justificável quanto a tese de que o cristianismo levará necessariamente ao absolutismo papal; ou que todo o darwinismo levará à glorificação do livre mercado”. (Hobsbawm não considera a possibilidade de o darwinismo levar ao absolutismo papal – que bem se aplica, como descrição racional, a Richard Dawkins.)

Hobsbawm, contudo, lembra também que Marx foi, de fato, generoso demais com a burguesia, vício do qual não é muito frequentemente acusado. No momento em que surgiu o Manifesto Comunista, os sucessos econômicos eram muito mais modestos do que Marx imaginava. Numa curiosa arquitetura de tempos, o Manifesto descreveu, não o mundo que o capitalismo havia criado em 1848, mas o mundo que haveria depois de transformado, como era seu destino, pelo capitalismo. O que Marx tinha a dizer não era exatamente verdade, mas viria a ser verdade, digamos, à altura do ano 2000, resultado da transformação operada pelo capitalismo.

Até os comentários sobre a abolição da família foram proféticos: mais da metade das crianças nos países ocidentais avançados nascem hoje, ou são criadas, por mães solteiras; e metade de todas as moradias nas grandes cidades são ocupadas por um só morador.

O ensaio de Hobsbawm sobre o Manifesto comenta “a eloquência obscura, lacônica” e nota que, como retórica política “tem força quase bíblica”. “O novo leitor”, escreve ele, “dificilmente deixará de ser fascinado pela convicção apaixonada, pela brevidade concentrada, pela força intelectual e estilística desse extraordinário panfleto.” O Manifesto inaugurou um novo gênero, um tipo de declaração política do qual se serviram artistas como os Futuristas e os Surrealistas, cuja redação e vocabulário audaciosos e as hipérboles de escândalo fizeram, dos próprios manifestos, obras de arte.

O gênero literário “manifesto” é uma mistura de teoria e retórica, de fato e ficção, programático e performativo, que ainda não foi tomado seriamente como objeto de estudo.

Marx, ele próprio, também foi artista. Pouco se fala sobre o quanto era extraordinariamente estudado e culto e o quanto investiu, de aplicado trabalho, no estilo literário de seus escritos. Ansiava por livrar-se do “lixo econômico” de Das Kapital, para poder dedicar-se integralmente ao seu grande livro sobre Balzac.

O marxismo trata de lazer, não de trabalho. É projeto que deve ser apoiado por todos que detestam ter de trabalhar. O marxismo afirma que as mais preciosas atividades são feitas “porque sim e deixe-me em paz”[1], e que a arte é, nesse sentido, o paradigma da autêntica atividade humana. O marxismo diz também que os recursos materiais que tornariam possível a sociedade onde seria possível essa vida humana já existem em princípio, mas são geridos de tal modo que a maioria é obrigada a trabalhar tão duro quanto trabalhavam nossos ancestrais no Neolítico. Fizemos, pois, extraordinários progressos e, ao mesmo tempo, progresso nenhum.

Nos anos 1840, argumenta Hobsbawm, não era de modo algum improvável concluir que a sociedade estivesse às portas da revolução. Improvável, isso sim, seria a ideia de que, em meia dúzia de décadas a política da Europa capitalista estaria transformada pela ascensão de partidos e movimentos das classes trabalhadoras. Pois foi o que aconteceu.

E foi nesse momento que a discussão sobre Marx, pelo menos na Grã-Bretanha, passou, de admiração cheia de cautelas, a, praticamente, histeria.

Em 1885, Balfour – e ninguém menos revolucionário que Balfour – comentou os escritos de Marx, elogiando a força intelectual e o brilho do raciocínio econômico. Muitos comentaristas liberais e conservadores levaram realmente muito a sério aquelas ideias econômicas. Quando as mesmas ideias assumiram a forma de força política, porém, começaram a aparecer os primeiros trabalhos ferozmente antimarxistas. A apoteose foi a espantosíssima revelação, por Hugh Trevor-Roper, de que Marx não trazia qualquer contribuição original à história das ideias.

A maioria desses críticos, aposto, teriam rejeitado a ideia marxista de que o pensamento humano é muitas vezes modelado, curvado, pela pressão de interesses políticos, fenômeno que atende quase sempre pelo nome de “ideologia”.

Só recentemente o marxismo voltou à agenda planetária, ali metido, ironicamente, por um capitalismo agonizante. “Capitalismo em Convulsão” – em manchete do Financial Times em Londres, em 2008. Quando os capitalistas começam a falar sobre o capitalismo, aposte: o sistema está em estado crítico. Nos EUA, nenhum jornal (e nenhum capitalista), até agora, se atreveu tanto.

Há muito mais a admirar em How to Change the World. Numa passagem sugestiva sobre William Morris, o livro mostra que era lógico que brotasse em Londres uma crítica baseada nas artes e nos artesanatos, do capitalismo; em Londres, onde o capitalismo industrial avançado impunha ameaça mortal a todas as artes e artesanatos. Um capítulo sobre os anos 1930 traz fascinante relato das relações entre o marxismo e a ciência – e foi o único período, Hobsbawm anota, em que os cientistas naturais deixaram-se atrair em números significativos, pelo marxismo. Aparecia no horizonte a ameaça de um fascismo irracionalista; e os traços “iluministas” do credo marxista – a fé na razão, na ciência, no progresso humano e no planejamento social – atraíram homens como Joseph Needham e J.D. Bernal. Durante o renascimento histórico seguinte do marxismo, nos anos 1960 e 1970, essa versão do materialismo histórico seria deslocada pelos parâmetros mais culturais e filosóficos do chamado Marxismo Ocidental. De fato, a ciência, a razão, o progresso e o planejamento já eram então mais inimigos que aliados, em guerra contra novos cultos libertários, do desejo e da espontaneidade. Hobsbawm mostra, no máximo, uma simpatia ilustrada pelo pessoal de 1968, o que não surpreende, em membro eterno do Partido Comunista. A idealização, naqueles anos, da Revolução Cultural na China, ele sugere, com bastante razão, teria tanto a ver com a China quanto o culto do “bon sauvage”, no século 18, teria a ver com o Tahiti.

“Se algum pensador deixou marca que ainda se vê no século 20”, diz Hobsbawm, “foi Marx”. Setenta anos depois da morte de Marx, para o bem ou para o mal, um terço da humanidade vivia sob regimes políticos inspirados por seu pensamento. Bem mais de 20% continuam a viver. O socialismo foi descrito como o maior movimento de reforma da história da humanidade. Poucos intelectuais mudaram o mundo, de modo tão objetivo e prático. É coisa que se diz, mais, de estadistas, cientistas e generais, não de filósofos ou teóricos da política. Freud pode ter mudado a vida de muita gente, mas não se sabe que tenha mudado governos.

“Os únicos pensadores individualmente identificáveis que alcançaram status comparável” – escreve Hobsbawm – “são os fundadores das grandes religiões do passado; e, com a única possível exceção de Maomé, nenhum deles triunfou nem tão rapidamente, nem em escala comparável”. Mas poucos, como Hobsbawm destaca, previram que seriam tão célebres também pela miséria extrema ou pelo exílio de judeu atormentado por furúnculos, homem que observou um dia, falando de si próprio, que ninguém jamais escrevera tanto sobre dinheiro, nem vivera com menos dinheiro, que ele.

Vários dos ensaios reunidos nesse livro já foram publicado, mas dois terços deles eram inéditos em inglês. Os que não leiam italiano podem, agora, ler vários importantes ensaios de Hobsbawm editados primeiro naquela língua, entre os quais três importantes revisões da história do marxismo, de 1880 a 1983. Bastariam esses ensaios, para tornar valiosíssimo o novo volume, mas há mais, sobre o socialismo pré-Marx, Marx sobre as formações pré-capitalistas, Gramsci, Marx e o trabalhismo, que ampliam consideravelmente o âmbito da nova seleção.

How to Change the World é o trabalho de um homem que chegou a idade em que a maioria de nós dar-se-á por feliz se conseguir sair sozinho do fundo da poltrona, sem precisar de duas enfermeiras e um guindaste, mestre também da pesquisa histórica. Não será, com absoluta certeza, o último trabalho desse espírito indomável.

[1] Orig. “the most precious activities are those done simply for the hell of it”. Tradução impossível, sem perder o que o autor escreveu. Mais uma tradução tentativa precária. Há outras. (NTs)
Fonte: http://www.outraspalavras.net/

terça-feira, 22 de março de 2011

Ministros Revistados

O VEXAME - MINISTROS REVISTADOS
O VEXAME – MINISTROS REVISTADOS


Laerte Braga


Em menos de três meses de governo a presidente Dilma Roussef quadruplicou o feito do governo Fernando Henrique Cardoso e com um agravante. O ex-ministro de FHC Celso Láfer foi revistado no aeroporto de New York. Os quatro ministros brasileiros, Guido Mantega, Edison Lobão, Aloisio Mercadante e Fernando Pimentel foram revistados em território brasileiro, por agentes norte-americanos, pouco antes do discurso do terrorista Barack Obama, no encontro da Cúpula Empresarial Brasil-Estados Unidos.

A notícia foi divulgada pelo jornal ESTADO DE SÃO PAULO. A despeito de terem abandonado o encontro os ministros não reagiram à revista e só deixaram o local ao perceberem que a língua a ser usada no encontro seria a inglesa.

A mais absoluta falta de dignidade dos quatro.

A visita de Barack Obama ao Brasil é um escárnio, um insulto à soberania nacional, não tem nada ver com encontro de chefes de governo e estados, mas de show, de espetáculo para definir direitinho que manda.


Não se sabe se Mantega, Lobão, Mercadante e Pimentel saíram do local de quatro ou se conseguiram ficar de pé e se mostrarem bípedes.

Qualquer governo decente, com um mínimo de respeito por si próprio, pelo País e pelos brasileiros, naquele momento, ou no momento seguinte, o do conhecimento do fato, teria exigido a imediata saída do líder terrorista norte-americano do País.

O que é o Brasil afinal?

Retirar-se do encontro em sinal de protesto depois de aceitarem ser revistados não muda coisa alguma. São quatro figuras que empesteiam o governo de fraqueza, covardia, falta de dignidade e respeito por tantos quantos acreditam que sejamos uma nação independente e soberana.

O governo Dilma acaba antes de começar.

Obama e sua gangue pisaram, sapatearam e continuam a fazê-lo no Brasil e nos brasileiros.

Treze brasileiros estão detidos – são presos políticos como na ditadura – por protestar contra a visita do genocida que agora mata civis na Líbia a pretexto de garantir direitos humanos e democracia.

Um jornal brasileiro – mídia privada colonizada e corrupta – noticiou ontem, sábado, que “Obama comanda a guerra direto do Brasil”. E o fez em tom de ufanismo, como se a barbárie de EUA/ISRAEL TERRORISMO S/A fosse motivo de orgulho para os brasileiros.

Barack Obama é um terrorista dissimulado, ao contrário de George Bush, mas nem por isso deixa de ser responsável por crimes contra a humanidade.

Chega a ser inacreditável que esse criminoso tenha pisado em solo nacional e tratado como majestade suprema do planeta.

O episódio envolvendo os quatro ministros, a prisão de manifestantes, todo o aparato de segurança da paranóia terrorista de norte-americanos – são doentes, uma nação doentia – é uma ofensa sem tamanho à nossa independência e à nossa soberania.

Espera-se que, com um mínimo de vergonha na cara e um resto de dignidade – se é que têm – que os quatro peçam demissão, sumam de Brasília e purguem esse ultraje longe dos olhos dos brasileiros.

A barreira que Dilma diz ter rompido não existe. O fato de ser a primeira mulher presidente não a absolve de três meses de absoluta e total incapacidade, traição, mesmo porque, a mulher brasileira não é assim.

O País foi humilhado, está sendo humilhado e toda a política externa construída ao longo dos oito anos do chanceler Celso Amorim está sendo jogada por terra por figuras sinistras e que não têm nada a ver com o Brasil, a começar pela presidente, passando por ministros execráveis, sem falar em Jobim, Moreira Franco e Patriota.

A simples menção de revista a ministros brasileiros é um desafio. Deveriam ter voltado, saído, naquele momento. Faltou-lhes coragem, porque falta-lhes compromisso com o Brasil, falta-lhes dignidade.

O governo Dilma é uma piada. Sem que se consiga rir ao fim.

Não é, por essas e outras, impensável ter certeza que o Brasil acaba de dançar no pré-sal. A vocação entreguista do governo, a visão estreita da presidente, o deslumbramento com o cargo, a presença de agentes estrangeiros em funções chaves, o controle que o terrorismo norte-americano exerce sobre a mídia e a cumplicidade do empresariado nacional – empresários são apátridas – todo esse estado de submissão nos leva a uma simples conclusão.

O poste que Lula elegeu é uma cobra traiçoeira e de veneno fatal.

No duro mesmo, diante da opção José Serra e Dilma Roussef se percebe agora que os brasileiros – e o próprio Lula – foram ludibriados pela cópia cuspida e escarrada do tucano paulista. As elites perceberam que a cópia – Dilma – acaba sendo melhor (para eles) que o original.

Na Líbia, a pretexto de criar uma zona aérea de exclusão para defender os rebeldes da tirania do ditador Muammar Gaddafi, os norte-americanos e suas colônias européias matam civis indefesos com bombardeios inconseqüentes como fazem diariamente no Afeganistão, fizeram no Iraque, no golpe em Honduras, em todas as partes do mundo onde seus interesses nos “negócios” são contrariados.

São terroristas, são bárbaros, primitivos, os Estados Unidos da América do Norte são a mais cruel e sanguinária ameaça a humanidade e Obama é parte disso.

O Brasil neste fim de semana inclui em sua história páginas de covardia e submissão.

E o governo Dilma, do ponto de vista dos interesses nacionais, acaba sem começar.

O que se assiste nesta “visita” do terrorista Barack Obama é uma invasão do território nacional. Uma série de abusos inaceitáveis por um governo, qualquer que seja, que se respeite e respeite ao seu povo.

É preciso pensar se os brasileiros serão capazes de suportar quatro anos com uma presidente sem rumo – ou com rumo diferente do que anunciou em campanha – e com ministros que não hesitam em submeterem-se ao vexame de uma revista em pleno território nacional e por agentes estrangeiros.

É um vexame que indigna. A suposta reação dos quatro abandonando o local foi tardia. Não deveriam sequer ter entrado.
Postado por Laerte Braga às 13:17
(QTML)

Revolução

A revolução não cede aos Tomahawks
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Antonio Martins
– 20 de março de 2011
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Em seu terceiro mês, revolta árabe é acossada na Líbia – por Gaddafi e pelos mísseis. E no entanto, avança no Egito, espalha-se pela Síria, produz importantes novidades no Bahrain, Yemen e Arábia Saudita…

“Quando as armas falam, as ideias silenciam”, lembra com sabedoria um velho ditado. Na semana em que completou três meses, o vendaval árabe foi atingido na Líbia tanto pela selvageria do ditador quanto pelos mísseis lançados por Estados Unidos, França e Reino Unido. Seu desfecho tornou-se imprevisível, como se verá. Mas a revolução prossegue. Ofuscada nos noticiários pelo brilho mortal dos Tomahawks, ela avançou nas ruas e continua a ser narrada nos blogs. Houve desdobramentos importantes e visíveis em ao menos cinco países.
No Egito, milhões de pessoas foram às urnas sábado (19/3), num plebiscito popular sobre temas-chave para futuro do país. As filas – divididas entre homens e mulheres (foto), como manda ainda a tradição islâmica – serpentearam pelas ruas do Cairo e de dezenas de cidades. Os eleitores pronunciaram-se sobre nove temas. Os mais importantes são: o fim das leis “de emergência”, que transformavam o país num Estado policial; a criação de uma Justiça eleitoral; o direito à apresentação de candidaturas independentes, não ligadas a partidos políticos; a limitação do mandato presidencial a dois períodos de quatro anos.

Os resultados ajudarão a compor o cenário das futuras eleições – e em torno delas, há polêmica. Os grupos de juventude e de esquerda, que foram parte essencial da luta contra o regime de Mubarak, não desejam um pleito ainda este ano. Pensam que ele favoreceria as forças mais organizadas: o antigo partido no poder e a Fraternidade Muçulmana. De qualquer modo, prevalece nitidamente um sentimento de entusiasmo. Zeinobia, a jovem autora do ótimo blog Egyptian Chronicles, postou em terceira pessoa, logo após o plebiscito: “e ela está de volta, ela está mais do que contente e não importa se vai ganhar ou perder, porque, pela primeira vez em sua vida, sabe que seu voto contará”.

* * *
Um dia antes (18/3), os sinais de agitação social haviam contagiado a Síria. Antecedidos por pequenos protestos no início da semana, eles explodiram na sexta – emblemática tanto para o mundo árabe quanto para sua revolução. Houve manifestações importantes na capital, Damasco, e em cinco cidades: Aleppo, Baniyas, Daraa, Homs e Deir ez Zor.
É possível acompanhar relatos e vídeos no próprio Egyptian Chronicles, em blogs sírios como Syria in Transition e Syria Comment e na página The Syrian Revolution 2011, no Facebook (onde quase todas as postagens são feitas em árabe). Eles relatam que na pequena Daraa (75 mil habitantes, no extremo sul, fronteira com a Jordânia), a repressão brutal a uma manifestação pacífica com mil pessoas (assista vídeo) provocou quatro mortes. Ontem (19/3), 20 mil manifestantes voltaram às ruas, para novos protestos, durante o funeral das vítimas. Há informações de que, a seguir, o exército isolou a cidade do resto do país.
Em Banyas, cidade portuária no extremo leste do Mediterrâneo, manifestantes tomaram, por horas, o prédio das forças de segurança. Em Deiz ez Zor, centro turístico e petroleiro às margens do rio Eufrates, 5 mil torcedores gritaram slogans contra o governo, durante uma partida de futebol que era transmitida para todo o país pela TV. Após alguma hesitação, a transmissão foi interrompida. Em Damasco, houve manifestação, na sexta-feira, no interior da grande Mesquita de Ummayad, considerada o quarto lugar sagrado do mundo islâmico.
* * *
Já no Bahrain e Yemen, governos com os quais os Estados Unidos mantém sólidas relações promoveram novos ataques brutais contra a própria população, sem sentirem-se ameaçados pelos mísseis. Na capital yememita, Sana’a, forças de segurança reagiram contra manifestações realizadas na sexta-feira. Mataram 42 pessoas. A maior parte das vítimas foi atingida por disparos feitos por atiradores postados no topo de edifícios.
Dois membros do governo – Nasr Taha Mustafa, o chefe da agência oficial de notícias e Mohamed Saleh Qara’a, um importante líder do partido no poder – renunciaram a seus postos. No sábado, o governo impôs estado de emergência. Centenas de soldados e tanques tomaram as principais cidades do país.
Já em Manama, capital do Bahrain, o governo buscou dissolver a rebeldia por meio de medidas bizarras. Na sexta-feira, logo após convocarem tropas estrangeiras para tentar conter a revolta e decretarem lei marcial, as autoridades iniciaram a demolição da Rotatória Pérola (veja foto), que, ocupada durante semanas pelos manifestantes, havia servido como uma versão local da Praça Tahrir, no Cairo. A estátua de gosto duvidoso que dominava o local foi posta abaixo. O próprio calçamento da praça está sendo destruído. Um popular ouvido pelo correspondente do jornal londrino The Guardian zombou da atitude: “O símbolo não significa nada. Estamos na ofensiva”.

* * *
Ainda na sexta-feira, a Arábia Saudita experimentou outra forma radical de combate à revolução. O velho rei Abdullah, de 86 anos, fez uma de suas raríssimas aparições (foto). Em comunicado transmitido a partir de seu gabinete real, anunciou um vasto conjunto de concessões sociais: sua nova tentativa de manter o levante popular que apenas se insinua no país.
Os funcionários públicos ganharam como presente, sem nenhuma contrapartida, dois meses extra de vencimentos. O salário mínimo foi elevado para 3 mil riads (cerca de R$ 1200). Os estudantes universitários foram contemplados com dois meses grátis de mensalidades. Ordenou-se a construção de 500 mil novas casas, que serão vendidas à população com financiamento fácil e barato.
Para enfrentar a inquietação dos milhões de desocupados, instituiu-se um seguro-desemprego equivalente a R$ 800, que começará a ser pago a partir do próximo ano novo árabe. Mais emblemático: o rei prometeu criar rapidamente 60 mil novos postos de trabalho… todos eles nas forças de segurança. Também elevou as patentes de milhares de militares. O blog Crossroads Arabia é uma importante fonte de informações.

* * *
A importância de todos estes acontecimentos não impediu a mídia comercial de focar todas as atenções na Líbia. Como analisa o sociólogo Immanuel Wallerstein, num artigo publicado por Outras Palavras, a militarização do conflito é um passo que interessa a todos os déspotas da região.
Wallerstein, que escreveu em 15 de março – antes, portanto, da reviravolta diplomática1 que levou à Resolução 1973 da ONU e ao início dos ataques ao território líbio –, pensa que é um erro ver a disputa como uma batalha pelo petróleo. A violência foi iniciada pelo próprio Gaddafi – que lançou há um mês, contra a revolução árabe, um ataque que já fez milhares de mortes.
Mas o sociólogo frisa: embora estejam, aparentemente, num lado oposto ao do ditador líbio, os demais tiranos da região sentem-se encorajados por sua atitude. Porque “à medida em que obtém sucesso, ele sugere a todos os outros déspotas ameaçados que a repressão violenta é um caminho melhor que as concessões”.
Os dois primeiros dias após o início dos ataques ocidentais parecem dar razão a este raciocínio – segundo o qual a verdadeira disputa não se dá entre potências ocidentais e Líbia – mas entre a multidão árabe e os Estados que querem esmagá-la.
Na manhã do sábado (19/3), horas depois de se declarar disposto a um cessar-fogo, o ditador líbio lançou um ataque devastador contra Benghazi, o último reduto da revolta que permanecia imune a sua ofensiva militar. Houve centenas de mortes, entre as quais a de Mohammed Nabbous, ou Mo, jovem jornalista que animava o canal de WebTV AlHurra (ainda ativo!).
Os ataques que Estados Unidos, França e Grã Bretanha iniciaram horas depois, e cujos desdobramentos são incertos, dificilmente servirão à revolta árabe. Se bem-sucedidos, favorecerão os grupos líbios militarizados que se opõem ao ditador. E a guerra encobre, convenientemente, as atrocidades que continuam a ser praticadas, neste exato momento, pelos demais tiranos, aliados de Washington, Paris ou Londres.
A militarização do cenário será suficiente para sufocar a revolução árabe? É muito cedo para responder. O levante, que já é um dos grandes acontecimentos do século 21, começou apenas em 17 de dezembro passado. Mohammed Bouazizi [ver na Wikipedia], o vendedor ambulante com formação universitária que se cansou de sua vida medíocre e imolou-se em público, em Tunis, não poderia imaginar que seu gesto mudaria a face de uma das regiões estratégicas do planeta.
Os novos fatos da revolta e sua repercussão em todo o mundo sugerem que a chama atiçada por ele permanece acesa.


1Sobre esta reviravolta, liderada pela secretária de Estado Hillary Clinton, vale ler reportagem no New York Times (em inglês)
(Le Monde Diplomatique)

Obama

Obama, go home!
Escrito por Luiz Eça
19-Mar-2011

Intensa propaganda nos programas de maior audiência da Rede Globo, apoiada por cartazes que cobrem o Rio e promoções patrocinadas pela embaixada yankee, divulgam a visita do presidente Obama ao Brasil. Ela esconde uma verdade: não se trata do mesmo Obama que empolgou o mundo na campanha presidencial americana, em 2008.

É outro.

Aquele Obama prometia mudar a política imperial dos EUA, radicalizada nos tempos de Bush. Tornar seu país respeitado pela justiça e não temido pela força. Era uma grande esperança, não só para os americanos de mente aberta, mas todas as pessoas que anteviam um EUA exercendo um papel ativo na construção de um mundo melhor.

Uma vez presidente, aquele Obama foi se desvanecendo. Em seu lugar apareceu esse que chega ao Brasil. Muito mais parecido com o tão criticado George Bush do que com o Obama-2008, do qual conservou apenas a retórica, hoje divorciada dos fatos.

Ainda não era assim em junho de 2009, quando, no histórico discurso do Cairo, Obama proclamou uma nova relação de amizade e justiça com os povos islâmicos, defendendo até a criação de uma Palestina independente e viável.

No princípio parecia que era para valer. Obama pediu, suplicou, exigiu que Bibi Netanyahu parasse de ampliar os assentamentos israelenses em terras da Cisjordânia para permitir o início de conversações de paz com os líderes da Autoridade Palestina. Nada feito. O primeiro-ministro de Israel concedeu, no máximo, um congelamento temporário, por 10 meses. Pressionados por Obama, os árabes aceitaram.

Nesse período, pouco ou nada se avançou. Para conseguir mais três meses de congelamento, Obama fez uma vergonhosa proposta que, além de armas e muito dinheiro, garantia apoio dos EUA a Israel contra quaisquer propostas que surgissem na ONU condenando suas ações.

Nem assim, Bibi topou. Ele sabia que conseguiria tudo isso sem precisar conceder nada.

E, de fato, proposta de condenação de Israel pelos seus assentamentos ilegais e injustos, aprovada por 14 dos 15 membros do Conselho de Segurança, inclusive Alemanha e França, foi vetada pelos EUA, que foram contra. Outros furos apareceram no discurso do Cairo.

O relatório do inquérito da ONU sobre a invasão de Gaza, presidido pelo juiz judeu Goldstone, apontara crimes de guerra praticados pelo exército de Israel. Submetido à Comissão de Direitos Humanos da ONU, foi sabotado pelos EUA, que chegaram a forçar, com forte pressão, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, a retirar seu apoio. Embora sob pesadas críticas americanas, o relatório acabou aprovado.

Mas, no Conselho de Segurança da ONU, Obama conseguiu melar uma investigação oficial do caso. Primeiro, sustentou que Israel é que deveria fazê-la (seria a raposa investigando a matança de galinhas no galinheiro...). Isso foi aceito. No entanto, decidiu-se que os palestinos também deveriam fazer sua investigação. Claro, as conclusões foram opostas. E o empate não deu em nada...

O massacre do navio que levava socorros a Gaza trouxe novas chances de Obama mostrar que não falara à toa no Cairo. Mas, enquanto países do mundo inteiro reprovaram a ação israelense, os EUA limitaram-se a "deplorar". E agiram para neutralizar a Comissão de Investigação da ONU.

Ao lado de um representante de Israel, um da Turquia e um político neozelandês respeitado, foi escolhido o ex-presidente colombiano Uribe, o mais próximo aliado dos EUA na América Latina, cujo governo foi marcado por graves violações dos direitos humanos. Portanto, mais um empate à vista, com a probabilidade do massacre da chamada "flotilha da liberdade" passar em branco.

Como também está passando em branco a razão de ser da guerra do Afeganistão, conforme Obama expôs na campanha eleitoral de 2008. Seria necessária para impedir que o país fosse uma base da Al Qaeda para ataques terroristas no Ocidente. Há mais de um ano este objetivo já teria sido alcançado. Segundo o próprio assessor militar da Casa Branca, James Jones, existem menos de 100 seguidores de Bin Laden no Afeganistão – muito poucos para justificar a manutenção de um exército de 150 mil homens, dos quais 50 mil enviados por Obama, e transformar o país numa base terrorista.

Apesar disso, os EUA prosseguem uma guerra que já dura nove anos, sem resultado algum a não ser a morte de 1.500 soldados americanos, o gasto de centenas de bilhões de dólares, o deslocamento forçado de centenas de milhares de refugiados, a desestabilização do país e a ascensão ao poder em Cabul de um bando de políticos corruptos.

A última pesquisa (Post-ABC) mostra que o povo americano em sua maioria, 64%, é contra a guerra. Mas os militares são a favor. E Obama tem preferido ficar com eles. Apoiou mesmo sua solicitação de aumentar o número de ataques de "drones"- aviões sem piloto - visando talibãs nas zonas do aliado Paquistão fronteiriças com o Afeganistão. Passaram de 41, nos quatro anos de Bush, para 190 nos dois anos e pouco de Obama.

Os drones já mataram mais de 1.000 talibãs. Só que, junto com eles, foram mortos cerca de 720 civis inocentes. E a imagem dos EUA foi para o espaço. Em pesquisa realizada em meados de 2010, 68% dos paquistaneses tinham uma visão negativa dos EUA. Outra pesquisa nessa época (Pew Research) colocava os EUA muito mal, considerado como inimigo por 59%, enquanto apenas 8% expressaram confiança no presidente Obama.

Esse tipo de números jamais abalou o partido da guerra, que conquistou uma grande vitória nos bastidores da Casa Branca, no front do Irã.

O presidente parecia empenhado na paz com os aiatolás. Até produziu uma peça publicitária especial para impressioná-los, estendendo a mão para o Irã. O problema é que a outra mão estava fechada, pronta pra golpear. O que aconteceu depois de alguns meses de palavras bonitas.

Dando de barato que Ahmadinejad tinha um programa secreto para produzir armas atômicas, apesar das afirmações em contrário de El Baradei, então presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, e do próprio serviço secreto americano, Obama passou a exigir que os iranianos interrompessem o enriquecimento de urânio.

Apesar de essa operação ser permitida pelos acordos internacionais, o Ocidente apoiou os EUA e em quatro ocasiões aplicou severas sanções ao país. O Brasil e a Turquia tentaram resolver o litígio, apresentando uma solução (anteriormente aprovada pelo próprio Obama) que permitiria o total controle do urânio iraniano para garantir sua aplicação em atividades pacíficas.

Mas não era o que Obama desejava. Ele pressionou o Conselho de Segurança para recusá-la e, mais uma vez, sancionar o Irã. A essas alturas a brilhante retórica de Obama no Cairo já era letra morta. Agora, ele ainda tenta ressuscitá-la, mas o faz de maneira imprópria.

Somente apoiou as revoluções democráticas contra as ditaduras pró-EUA do Egito e da Tunísia quando já estavam vitoriosas. E, mesmo assim, no caso do Egito, ainda tentou (em vão) substituir Mubarak pelo general Suleiman, grande amigo de Israel e chefe do serviço secreto egípcio, o qual torturou dezenas de suspeitos de terrorismo por encomenda da CIA.

Enquanto isso, no plano interno, a maioria das promessas de campanha viraram pó. Logo no começo de sua gestão, Obama anunciou o fechamento de Guantánamano no prazo de um ano para, logo, dar o dito por não dito. E adiar. Até quando? Respondeu o secretário Gates: "daqui a muito, muito tempo". Mesmo porque Obama decretou que 47 prisioneiros ficarão em Guantánamo para sempre. Sem direito a julgamento, pois poderiam ser absolvidos, já que as provas contra eles tinham sido obtidas sob tortura.

Porém, o desrespeito aos direitos humanos não ficou por aí. Bradley Manning, o "whistleblower" (denunciante) que forneceu ao WikiLeaks milhares de documentos da diplomacia e do exército americano, revelando seus podres, está preso desde maio pelos militares. Mantido em reclusão solitária, com interrupção de sono, privação de exercícios físicos, em condições "planejadas para degradar a mente e a resistência de Manning para que incrimine a WikiLeaks", conforme seu advogado David MacMichael, militar reformado, ex-comandante do mesmo quartel onde se acha preso Manning..

Diante dos protestos das organizações de defesa dos direitos humanos, Obama respondeu estar tranqüilo, pois o Pentágono lhe informara que Manning estaria preso "em condições adequadas".

Justificando o "novo Obama," seus defensores alegam que ele teria boas intenções, mas o poder das forças da reação - particularmente, o Partido Republicano, o lobby pró-Israel e as forças armadas - seria invencível.

Mas o Partido Republicano só assumiu o controle do Congresso em fins do ano passado, Obama governou dois anos com maioria democrata. Só a partir de agora sua influência poderá se efetivar.

Não se pode negar o imenso poder de pressão dos judeus americanos. Segundo pesquisa da American Jewish Opinion, 62% deles apóiam o governo do direitista Netanyahu. Apesar de representarem apenas 3% do eleitorado, seus votos pesam em estados como Nova York e Flórida, onde estão mais concentrados. E, o que é mais importante, estima-se que judeus americanos forneçam 40% das contribuições das campanhas eleitorais do Partido Democrata.

A mais forte dessas organizações, a AIPAC (Associação Israelo-Americana), reuniu nada menos do que 2/3 dos congressistas na sua última convenção. Sua palavra tem sido lei, tanto no Senado quanto na Câmara dos Representantes.

Entretanto, começam a ocorrer fraturas nessa frente até há pouco monolítica. Surgiram várias organizações judaico-americanas liberais, como a JStreet, que prega a paz com os palestinos, a cessação dos assentamentos e a criação de um Estado árabe independente na região. E a JStreet cresce já está organizada em 30 estados, com um orçamento de 6 milhões de dólares (pouco diante dos 67 milhões anuais da AIPAC).

A esquerda do Partido Democrata questiona a fraqueza de Obama, ao permitir que os lobbies ditem os rumos da política americana na Palestina e no Oriente Médio, em geral, onde a defesa intransigente de Israel é prioritária.

Ele teria armas poderosas para mudar de atitude e pressionar o governo Netanyahu. O exército de Israel depende muito dos 3 bilhões anuais em armamentos, os mais modernos, recebidos da Casa Branca. Secar esta fonte deixaria Tel-aviv em maus lençóis.

Obama teria também o apoio da maioria do povo americano. Segundo pesquisa da Zogby, em março de 2010, 63% dos democratas e 40% dos independentes achavam que os EUA deveriam "pegar duro" com Israel para impedir sua expansão territorial. E apenas 34% da população em geral defendiam a construção de assentamentos, enquanto 40% queriam seu abandono.

Não vamos esquecer os 13 milhões de ativistas que lutaram por Obama na campanha eleitoral, empolgados por suas propostas de mudanças. Convocados, eles formariam um poderoso exército em defesa do Obama modelo 2008.

Quanto às Forças Armadas propriamente ditas, sua pressão não pode ser desdenhada. Mas ela tem limites. Na História dos EUA não há um só caso de golpe militar. Não há por que ele acontecer neste século, quando as instituições democráticas estão cada vez mais fortes em todo o mundo.

Dizem os analistas que Obama vem ao Brasil, basicamente, por dois motivos: promover o aumento das exportações americanas para nosso país e estimular o governo Dilma a abandonar a política externa independente do governo Lula, voltando a nos aproximar (ou submeter?) aos EUA.

Ora, em matéria de comércio exterior, os interesses brasileiros são contrários aos dos americanos. Sendo nosso comércio com eles deficitário, precisamos, isso sim, aumentar nossas exportações para lá, não o contrário.

Evidentemente uma política externa independente é fundamental para a soberania plena de um país. E lhe dá autoridade para intervir nas questões internacionais, pois independência exclui parcialidade. Por que, então, mudar a nossa?

Se é por coisas assim que Obama vem ao Brasil, o mais importante que podemos lhe dizer é mesmo Obama, go home!

Luiz Eça é jornalista.
(Correio da Cidadania)

Drummond

Essas coisas

"Você não está mais na idade
de sofrer por essas coisas".

Há então a idade de sofrer
e a de não sofrer mais
por essas, essas coisas?

As coisas só deviam acontecer
para fazer sofrer
na idade própria de sofrer?

Ou não se devia sofrer
pelas coisas que causam sofrimento
pois vieram lá de fora, e a hora é calma?

E se não estou mais na idade sofrer
é por que estou morto, e morto
é a idade de não sentir as coisas, essas coisas?


Carlos Drummond de Andrade
(1902-1988)
(Poemblog)

Líbia II

As tribos da Líbia
Posted: 20 Mar 2011 05:20 AM PDT
O Diário de S. Paulo publicou hoje uma versão modificada do seguinte artigo meu:

Líbia, território milenar,


nação ainda inexistente



Renato Pompeu

especial para o Diário



Os antigos egípcios deram o nome de Líbia aos desertos a oeste de seu país, mas esse nome logo caiu em desuso, pois já nos primeiros tempos históricos o território que hoje é da Líbia era dividido em três partes que levaram vidas independentes durante a maior parte dos últimos séculos: a Tripolitânia no litoral oeste, a Cirenaica no litoral leste, o Fezzan desértico no sudoeste.

A Tripolitânia foi originalmente uma colônia fenícia, a partir do século 7.o a.C. Em seguida, foi ocupada pelos herdeiros dos fenícios, os cartagineses, e, mais tarde, pela Numídia. Depois, pelos romanos, a partir de 46 a.C.; pelos vândalos, em 435, pelos árabes no século 7.o e pelos turcos otomanos no século 16, quando só então foi reunida à Cirenaica (o Fezzan só foi incorporado pelo Império Otomano já no século 19). No entanto, num período nos séculos 18 e 19 a Tripolitânia se tornou um país independente, que vivia largamente da pirataria e foi atacado pelos Estados Unidos em 1801-1805. Em 1835, voltou ao domínio otomano, de novo reunida à Cirenaica. Na Tripolitânia fica Trípoli, a capital da Líbia e principal reduto de Gaddafi.

Já a Cirenaica, na mesma época, o século 7.o a.C., em que a Tripolitânia foi colonizada pelos fenícios, foi colonizada pelos gregos, nunca esteve dominada por fenícios, cartagineses, númidas ou vândalos, e durante a sua ocupação pelos romanos, a partir do século 1.o a.C.. e pelos árabes no século 7.o, nunca esteve unida administrativa ou politicamente à Tripolitânia, até a ocupação de ambas pelos otomanos no século 16.. Também não passou, ao contrário da Tripolitânia, uma fase como país independente. Na Cirenaica, fica Benghazi, o principal reduto anti-Gaddafi.

Já o Fezzan, habitado imemorialmente por tribos berberes, só entrou na História no século 1.o a.C., quando foi ocupado pelos romanos, sucedidos igualmente pelos árabes no século 7.o. Os otomanos só chegaram no século 19, nos anos 1840, quando o Fezzan foi reunido numa unidade administrativa com a Tripolitânia e a Cirenaica.

A partir de 1911 a Itália derrotou o Império Otomano e ocupou as três regiões, a que, nos anos 1930, deu de novo o nome de Líbia, Durante a Segunda Guerra Mundial, tropas italianas e alemãs foram derrotadas por tropas britânicas e francesas. Após o fim da guerra, a Líbia esteve sob mandato anglofrancês até 1951, quando se tornou independente. Sem maiores recursos, por ser desértico, o novo país foi sustentado por subsídios ocidentais, em troca da permanência ali de tropas britânicas, que só saíram em 1966. A partir de 1958, quando foi descoberto o petróleo, é que a Líbia passou a prescindir cada vez mais da ajuda estrangeira.

Se a história do território líbio é assim conturbada, a de seu povo é ainda mais intricada. Dos fenícios aos italianos, todos os ocupantes estrangeiros deixaram sua marca, sem contar os judeus, que sempre foram uma presença significativa, até abandonarem o país em massa, rumo a Israel, já durante o início do governo de Gaddafi, a partir de 1969. As tribos berberes originais continuaram majoritárias no Fezzan, e não tiveram maior participação nos últimos acontecimentos. Mas, a partir do século 7.o, e com maior intensidade nos séculos 9.o e 10.o, a Tripolitânia e a Cirenaica foram sucessivamente invadidas e ocupadas majoritariamente por dezenas de tribos árabes, que se mantêm até hoje.

Secularmente, essas tribos tomavam conta dos raros poços d’água no imenso país desértico (com quase 2 milhões de quilômetros quadrados, a Líbia só tem cerca de 6 milhões de habitantes, dos quais um quarto de imigrantes africanos que também, a não ser pela fuga em massa, não tiveram maior participação nos últimos acontecimentos) e dos caminhos das caravanas. Criavam gado e tentavam a agricultura onde dava, como fazem até hoje os berberes, mas as tribos árabes migraram em massa rumo à costa após a descoberta do petróleo. Calcula-se que sejam 140 essas tribos árabes; as da Cirenaica controlaram a monarquia enquanto esta durou, de 1951 a 1969, e o próprio Gaddafi é oriundo de uma pequena tribo do mesmo nome, da Tripolitânia, e foi como cabeça das tribos da Tripolitânia que ele derrubou a monarquia. Esse mapa se repete agora ao contrário, com a rebelião tendo sido liderada pelas principais tribos da Cirenaica, em especial os Werfalla, a maior tribo da Líbia, com perto de um milhão de integrantes.

Cumpre notar que Gaddafi tentou substituir as estruturas tribais por “conselhos populares” ao estilo de Cuba, mas a partir de 1993 concedeu aos chefes de tribos poderes para distribuírem financiamentos para a casa própria, vagas nas escolas, e empregos. Só não lhes devolveu os poderes militares e policiais, que continuaram unificados sob o comando de Gaddafi, o que explica a inépcia militar dos rebeldes, com representantes de várias tribos da Cirenaica tendo pedido a intervenção estrangeira, agora concretizada.



Do ponto de vista político, as principais tribos são:



Gaddafi – A tribo de Gaddafi, pequena em número de pessoas, veio nas últimas décadas do deserto para a região do porto de Sirta, no extremo leste da Tripolitânia, perto da Cirenaica; a cidade fica a meio caminho entre Trípoli, a capital da Tripolitânia e do país e reduto de Gaddafi, e Benghazi, a capital da Cirenaica, reduto rebelde. Os Gaddafi formam o núcleo das chamadas Unidades de Proteção do Regime e também fornecem a maioria dos pilotos da Força Aérea. São prósperos e acusados por membros de outras tribos de enriquecimento ilícito.



Werfalla – A maior tribo da Líbia, com perto de um milhão de integrantes. Sua cidade principal é Misrata, na Cirenaica, a terceira cidade da Líbia, mas sua área chega às vizinhanças de Sirta. Membros seus tentaram um golpe contra Gaddafi em 1993 (na mesma época em que Gaddafi redistribuiu o poder dos conselhos populares para as tribos); os chefes foram presos e executados. Os Werfalla formam o maior grupo rebelde.



Margaha – A segunda maior tribo do país, agrupada na Tripolitânia, sua liderança apoiava Gaddafi, mas ele a afastou do poder no fim dos anos 1980. Com isso, os Margaha apoiaram a tentativa de golpe dos Werfalla em 1993 e agora foram das poucas tribos da Tripolitânia que aderiram à revolta.



Barasa – Embora seja da Cirenaica, essa tribo não tomou partido na crise atual, talvez pelo fato de a segunda mulher de Gaddafi ser integrante dos Barasa. Eles ficam mais no interior desértico, dominando campos de petróleo, do que na costa. Alguns filhos de Gaddafi são ligados a essa tribo.



Zuwwaya – Da Cirenaica, controlam regiões petrolíferas e se opuseram a Gaddafi.



Misrata – Segunda maior tribo da Cirenaica, depois dos Werfalla, seus membros se estabeleceram em Benghazi, segunda maior cidade da Líbia e principal centro urbano anti-Gaddafi.



Taruna – Da Tripolitânia, forma boa parte da população de Trípoli, reduto de Gaddafi. Mesmo assim alguns de seus integrantes apoiaram os rebeldes; a maioria continuou seguindo Gaddafi.



Zentan – Localizada no extremo oeste da Tripolitânia, na fronteira da Líbia com a Tunísia, sua grande maioria continuou seguindo Gaddafi.



Tuaregues – Ao contrário das anteriores, essas tribos não são árabes e sim berberes, os habitantes originais da Líbia. Se espalham por vários países da região e não reconhecem, nômades que são, as fronteiras nacionais. Embora tenham participado de revoltas em outros países, na Líbia, onde se concentram no Fezzan, tendem a apoiar Gaddafi, suspeito de armá-los para criar problemas além-fronteiras.
(Blog do Renatão)

Líbia

Aliados intensifican ataques contra Libia

Escrito por Redacción Digital
Sábado, 19 de Marzo de 2011 22:56
Trípoli, Libia. - Aviones de Francia, Reino Unido y Estados Unidos intensificaron en la madrugada (hora de Libia) los ataques contra esa nación del norte de África, como parte de la Operación Odisea al Amanecer que desarrollan un grupo de países occidentales contra el gobierno del coronel Muamar el Gadafi.
Tras los primeros ataques de ayer en zonas próximas a la ciudad de Bengasi y en el área de Trípoli, en la madrugada se escucharon nuevas explosiones en la capital libia, mientras los sistemas antiaéreos repelieron la ofensiva de los aliados.
Ante la agresión, el mandatario libio Muamar el Gadafi, dijo en un mensaje a la nación que "Vamos a abrir los arsenales y armar a todos los libios", condenando a las potencias atacantes.
También el gobierno de Libia solicitó una reunión urgente del Consejo de Seguridad de las Naciones para discutir el ataque, nota donde precisa que "se trata de una agresión que amenaza la paz y la seguridad internacionales".
Reportes de prensa, indican la muerte de 48 personas y 150 heridos, después de la primera embestida de los aviones y cohetes lanzados desde barcos norteamericanos.

sábado, 19 de março de 2011

Radiações

Uma advertência ao mundo
A era nuclear iniciou não muito longe de Fukushima, quando os EUA se converteram na primeira nação na história da humanidade a lançar bombas atômicas sobre outro país, duas bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, matando centenas de milhares de civis. O jornalista Wilfred Burchett foi o primeiro a descrever a “praga atômica” como a chamou: “nestes hospitais encontro gente que, quando as bombas caíram não sofreram nenhuma lesão, mas que agora estão morrendo por causa das sequelas”. Mais de 65 anos depois de Burchett escrever sua advertência ao mundo, o que aprendemos de fato? O artigo é de Amy Goodman.
Amy Goodman – Democracy Now
Democracy Now

Ao descrever a devastação em uma cidade do Japão, um jornalista escreveu: “É como se uma patrola gigante tivesse passado por cima e arrasado tudo o que existia. Escrevo sobre estes fatos como uma advertência ao mundo”. O jornalista era Wilfred Burchett, que escrevia desde Hiroshima, Japão, em 5 de setembro de 1945. Burchet foi o primeiro jornalista do Ocidente a chegar a Hiroshima após o lançamento da bomba atômica. Informou sobre uma estranha enfermidade que seguia matando as pessoas, inclusive um mês depois desse primeiro e letal uso de armas nucleares contra seres humanos. Suas palavras podiam perfeitamente descrever as cenas de aniquilação que acabam de se verificar no noroeste do Japão. Devido ao agravamento da catástrofe na central nuclear de Fukushima, sua grave advertência ao mundo segue mais do que vigente.

O desastre se aprofunda no complexo nuclear de Fukushima após o maior terremoto da história do Japão e o tsunami que o sucedeu, deixando milhares de mortos. As explosões nos reatores número 1 e número 3 liberaram radiação em um tal nível que ela foi detectada por uma navio da Marinha dos EUA a uma distância de 160 quilômetros, obrigando-a a afastar-se da costa. Uma terceira explosão ocorreu no reator número 2, fazendo com que muitos especulassem que um compartimento primário, onde fica o urânio submetido à fissão nuclear, teria sido danificado. Pouco depois o reator número 4 foi atingido por um incêndio, apesar dele não estar funcionando quando o terremoto atingiu o país. Cada reator utilizou o combustível nuclear armazenado em seu interior e esse combustível pode provocar grandes incêndios, liberando mais radiação no ar. Todos os sistemas de resfriamento falharam, assim como os sistemas de segurança adicionais. Uma pequena equipe de valentes trabalhadores permanece no lugar, apesar da radiação perigosa, que pode ser letal, tratando de bombear água do mar às estruturas danificadas para esfriar o combustível radioativo.

O presidente Barack Obama assumiu a iniciativa de liderar um “renascimento nuclear” e propôs novas garantias de empréstimos federais de 36 bilhões de dólares para promover o interesse das empresas de energia na construção de novas plantas nucleares (o que se soma aos 18,5 bilhões de dólares aprovados durante o governo de George W. Bush). A primeira empresa de energia que esperava receber esta dádiva pública foi a Southern Company, por dois reatores anunciados para a Georgia. A última vez que se autorizou e se concretizou a construção de uma nova planta de energia nuclear nos Estados Unidos foi em 1973, quando Obama estava no sétimo ano na Escola Punahou, em Honolulu. O desastre de Three Mile Islan, em 1979, e o de Chernobyl, em 1986, efetivamente fecharam a possibilidade de avançar em novos projetos de energia nuclear com objetivos comerciais nos Estados Unidos. No entanto, este país segue sendo o maior produtor de energia nuclear comercial no mundo. As 104 plantas nucleares são velhas e se aproximam do fim de sua vida útil originalmente projetada. Os proprietários das plantas estão solicitando ao governo federal a prorrogação de suas licenças para operar.

A Comissão Reguladora Nuclear (NRC, na sigla em inglês) está encarregada de outorgar e controlar estas licenças. No dia 10 de março, a NRC emitiu um comunicado de imprensa “sobre a renovação da licença de operação da usina nuclear Vermont Yankee, próxima de Brattleboro, Vermont, por mais vinte anos”. Está previsto que o pessoal da NRC conceda logo a renovação da licença”, dizia o comunicado de imprensa. Harvey Wasserman, da NukeFree.org, me disse: “O reator número 1 de Fukushima é idêntico ao da planta de Vermont Yankee, que agora aguarda a renovação da sua licença que o povo de Vermont pretende encerrar. É importante levar em conta que esse tipo de acidente, esse tipo de desastre, poderia ter ocorrido em quatro reatores na Califórnia, caso o terremoto de 9 graus na escala Richter tivesse atingido o Cânion do Diabo em San Luis Obispo ou San Onofre, entre Los Angeles e San Diego. Poderíamos perfeitamente estar testemunhando agora a evacuação de Los Angeles ou San Diego se esse tipo de coisa tivesse ocorrido na Califórnia. E Vermont tem o mesmo problema. Há 23 reatores nos Estados Unidos que são idênticos ou quase idênticos ao reator n° 1 de Fukushima. A maioria dos habitantes de Vermont, entre eles o governador do Estado, Peter Shumlin, apoia o fechamento do reator Vermont Yankee, desenhado e construído pela General Eletric.

A crise nuclear no Japão repercute mundialmente. Houve manifestações em toda a Europa. Eva Joly, membro do parlamento europeu, disse em uma manifestação: “A ideia de que esta energia é perigosa, mas que podemos manejá-la, foi rechaçada hoje. E sabemos como eliminar as plantas nucleares: necessitamos de energia renovável, energia eólica, energia geotérmica e energia solar. A Suíça deteve seus planos de renovar as licenças de seus reatores e 10 mil manifestantes em Stuttgart pediram à chanceler alemã Angela Merkel o fechamento imediato das sete plantas nucleares alemãs construídas antes da década de 80. Nos Estados Unidos, o deputado democrata de Massachussetts, Ed Markey, disse: “o que está acontecendo no Japão neste momento dá indícios de que também nos Estados Unidos poderia ocorrer um grave acidente em uma usina nuclear”.

A era nuclear iniciou não muito longe de Fukushima, quando os Estados Unidos se converteram na primeira nação na história da humanidade a lançar bombas atômicas sobre outro país, buas bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, matando centenas de milhares de civis. O jornalista Wilfred Burchett foi o primeiro a descrever a “praga atômica” como a chamou: “nestes hospitais encontro gente que, quando as bombas caíram não sofreram nenhuma lesão, mas que agora estão morrendo por causa das sequelas. Sua saúde começou a se deteriorar sem motivo aparente”. Mais de 65 anos depois de Nurchett sentar-se em meios aos escombros com sua castigada máquina de escrever Hermes e escrever sua advertência ao mundo, o que aprendemos de fato?

(*) Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna

(**) Tradução: Katarina Peixoto
(Carta Maior)

O. Médio

Segue firme a revolução árabe
17/03/2011 | Lejeune Mirhan

Os destinos da revolução
Na próxima semana, comentaremos com maior vagar o que vem ocorrendo na Líbia em particular. Reunimos neste momento farta documentação sobre o processo histórico que lá vem se dando, desde o início da revolução liderada pelo coronel Muammar Kadafi em 1969, na esteira do nacionalismo árabe, até os dias atuais.
Quero me deter em um panorama geral da situação no mundo árabe. Não por acaso os analistas e correspondentes internacionais vem dizendo que as coisas vão mudar profundamente de figura quando as manifestações e a revolução atingir a Casa de Saud, da monarquia saudita que governa esse país que tem o nome da família, há mais de 200 anos. Todos os quase dois mil príncipes dessa monarquia absolutista, reacionária e pró-americana, devem dormir todos os dias em verdadeiro pânico.
Quero aqui comentar e reforçar a minha convicção de que esta em curso uma revolução no mundo árabe. Um processo revolucionário, ainda que não concluído. O caráter, o conteúdo desse processo revolucionário em curso ainda está em disputa. Disputa essa que se trava com ninguém menos que a maior potência econômica e militar do planeta, que são os Estados Unidos. As máquinas militar, diplomática, política e econômica dessa nação estão todas em movimento para fazer com que esse processo revolucionário não rompa as relações com os EUA, que poupe Israel e que o status quo na região seja integralmente mantido. Ou dito de outra forma, que os interesses estratégicos estadunidenses e israelenses sejam todos preservados, ainda que alguns dos aliados históricos dessa potência imperial possam e devam ser sacrificados (como estão sendo, um a um).
Como diz Carlos Fonseca Terán, secretário adjunto de Relações Internacionais da FSLN, da Nicarágua, que as esquerdas tradicionais demoraram a entender que o que ocorria na Venezuela e na Bolívia eram processos revolucionários. Essa mesma esquerda demorou a saudar tais revoluções. Nós não podemos cometer o mesmo erro com relação à revolução árabe. Sei que o processo pode ser truncado em breve, a qualquer momento poderemos presenciar inclusive alguns retrocessos, mas, no geral, em perspectiva, há um claro processo revolucionário em curso, com mudanças substanciais com relação a uma situação anterior que se vivia.
Insisto em dizer: não devemos nos iludir sobre quem é o inimigo maior com quem nossas baterias devem se voltar. É o império norte-americano, neste momento chefiado por Barak Obama, que cumpre direitinho e à risca as determinações desse império, cuja ação serve aos trustes internacionais e ao capital estadunidense.
Obama sabe do efeito dominó. Ali naquela região poderá não ficar nada em pé em termos dos governos ditatoriais e monarquias absolutistas, todas, sem exceção, amigas de Washington. Pessoalmente, em médio prazo, vislumbro que venham a ser trocados todos ou praticamente todos os governos dos 22 países árabes. Ou sofrerão mudanças profundas. Onde eram ditaduras, devem florescer democracias árabes, ainda que jovens e com problemas, mas, enfim, democracias. Onde eram monarquias absolutistas, poderão vir a ser transformadas em constitucionais, nos moldes da inglesa e espanhola ou mesmo transformadas em repúblicas.
Como tenho afirmado neste espaço, estou convencido que quaisquer que venham a ser os governos que emergirão tanto do Egito como na Tunísia em alguns meses ou em todos os países que hoje presenciam manifestações gigantes de rua, tais governos, sejam moderados ou revolucionários, nunca mais serão os mesmos e nunca mais poderão agir como agiam seus predecessores. Ou seja, perdem profundamente os Estados Unidos e Israel. Vislumbro o surgimento de um novo Oriente Médio, mais progressista, mais democrático, mais popular e quiçá mais revolucionário e até socialista.
Aqui vale registrar que vários autores que tenho lido, têm feito comparações dessa revolução árabe com a revolução de 1848, ocorrida em várias localidades da Europa. Como registra Antônio Luiz Costa (Carta Capital de 9 de março de 2011, página 41), as semelhanças mais marcantes são o forte entusiasmo que as massas vêm demonstrando por autonomia e autodeterminação de seus povos, certa liderança mais difusa (nunca muito visível), também objetivos não muito claros em termos estratégicos e uma ansiedade geral das diversas tendências ideológicas de interpretar e mesmo cooptar tais movimentos. De fato, são fortes semelhanças.
Nunca devemos esquecer que nesse revolucionário ano de 1848, no dia 21 de fevereiro, saiu nas livrarias londrinas um Manifesto que procurava tornar claro a opinião dos comunistas sobre aquele momento político que vivia a Europa. Escrito por dois jovens comunistas que sequer haviam completado 30 anos, Marx e Engels, tal documento veio a influenciar profundamente a vida da humanidade até os dias atuais. Não vejo perspectivas de que naquela região toda, com esse grau atual de ebulição social, de ruptura com velhos e carcomidos modelos, possamos presenciar transições completamente controladas e consentidas. Imagino mudanças reais e profundas em toda a região.
Análise e observações gerais do processo
A economia – Uma das explicações das insatisfações das massas árabes está, seguramente, na política econômica adotada nos últimos trinta anos em toda a região do OM. Praticamente sem nenhuma exceção – ou à exceção de Iraque e Síria – todos os países adotaram o modelo econômico neoliberal. Privatizaram quase tudo, liberalizaram o fluxo de capitais e deixaram o câmbio flutuar livremente. Isso afetou profundamente as economias que, só não foram à bancarrota porque as receitas da conta do petróleo sustentou certo crescimento e desenvolvimento social, ainda que tenha concentrado renda.
Com a revolução em curso, esse modelo sofrerá profundo abalo. Os novos governos que emergirão na região não poderão seguir aplicando a mesma cartilha do FMI, Banco Mundial e outros órgãos à serviço do império norte-americano.
A religião – Em momento algum, desde dezembro na Tunísia, passando por fevereiro no Egito e agora em março na Líbia, o Islã foi alternativa ao processo revolucionário em curso. Ainda assim, a mídia insiste em mostrar um conflito completamente permeado pela religião. Fala-se em controle pelos fundamentalistas, na instituição de estados teocráticos. Mas isso nunca esteve na ordem do dia. Nem os partidos mais profundamente religiosos, como a Irmandade Muçulmana no Egito, nunca pregou a edificação de um estado teocrático nos moldes do Irã, da Arábia Saudita ou de Israel (sim leitor, você não leu errado: Israel é um estado teocrático, judaico e discriminador, sem constituição).
Todas as propostas emanadas de todos os partidos, frentes partidárias, coligações, alianças que têm vindo à tona nunca sequer mencionaram, em momento algum, que a alternativa deveria ser o estado islâmico. Muito ao contrário. O secularismo segue forte no Egito, na Síria e no Iraque, que também sofre abalos com as manifestações de massa. Não se viu cartaz em apoio à Osama Bin Laden em lugar algum, em praça nenhuma do OM.
Mitos que caíram – Uma revolução sempre coloca por terra muitos mitos, muitas mentiras que, contadas ao longo do tempo, eram vistas como verdadeiras. Duas delas, bem recentes, caíram por terra nesse processo ainda em curso no OM árabe. O primeiro deles é de que a Internet teria jogado um papel central. Alguns chegaram a chamar – na ânsia de dar um nome àquela revolução – de Revolução Facebook, pelo simples fato que algumas pessoas criaram comunidades de protestos e convocaram manifestação por essa rede social. Também aqui não se viu cartaz algum em apoio à Mark Zuckerberg.
Aqui os números falam por si só. Apenas 20% da população do Egito possui acesso á rede de Internet por banda larga e no máximo 50% possui celulares. E ainda assim, tanto a rede de banda larga como de telefonia móvel foram completamente desligadas no Egito todo por vários dias antes das grandes manifestações, em uma das atitudes desesperadas tomadas por Mubarak antes de sua renúncia em 11 de fevereiro.
A outra é que a revolução foi espontânea, sem líderes. É bem verdade que poucos foram os nomes mais expressivos e conhecidos que vieram à tona no processo, em especial no Egito. Alguns, inclusive, ex-colaboradores do antigo regime como Mohammed El Baradei e Amr Moussa. Mas, tais nomes tinham mais conhecimento no exterior e nos meios acadêmicos e diplomáticos do que do povo egípcio.
No entanto, o que se presenciou foi uma aliança, ainda que não previamente estabelecida, de todos os setores sociais da sociedade egípcia e tunisiana (e isso vale para todos os outros países árabes que presenciam manifestações de rua), em especial da esquerda, dos patriotas, dos seculares, dos muçulmanos progressistas, dos socialistas e comunistas em geral, que jogaram papel decisivo nesse processo. Foi uma aliança de entidade sindicais proletárias, de sindicalistas profissionais liberais oriundos da classe média – em especial médicos, advogados e engenheiros – entidades de jovens e de estudantes com os diversos partidos políticos e frentes partidárias pré-existentes ou formadas no processo.
O tempo da revolução – Como disse certa vez, quando perguntaram para Chu En Lai em 1970, líder da revolução chinesa, sobre o que ele achava da revolução francesa de 1789 e ele respondeu, para espanto do entrevistador, que ainda era cedo para avaliarmos. Pois da mesma forma é o que ocorre no OM árabe. É muito prematuro fazermos afirmações sobre os rumos do processo, suas consequências. No entanto, como já disse Marx quando analisou o processo revolucionário da Comuna de Paris em 1871 – que este ano comemoramos 140 anos em julho! – que o grande erro dos comunardos teria sido o fato de que eles não marcharam sobre o Palácio de Versalhes. Da mesma forma posso dizer isso. É preciso ficar atento ao processo de ocupação de tomada do poder político pelas forças comprometidas em transformações profundas na região e não em simples transições controladas e consentidas.
Da mesma forma que pode parecer cedo afirmarmos que o nacionalismo árabe, chamado de pan-arabismo, estaria de volta e com força. Mas, os indícios são fortes nesse sentido, tanto pelos discursos das lideranças, como pelas plataformas que têm vindo à público das frentes e alianças partidárias que vêm sendo constituídas. Emanam quase que como consenso em todos os programas e propostas a questão da soberania nacional, a independências dos países, a não ingerência das potências estrangeiras – leia-se EUA e Israel – e a integridade territorial dos países. A questão das amplas liberdades, da democracia, da constituinte, da anistia irrestrita são bandeiras que aparecem em todos os países. Nas monarquias aparece a luta pela instituição de repúblicas democráticas, quiçá populares. Cartazes de Nasser tem sido ostentados amplamente.
Quem ganha e quem perde
Mesmo que ainda seja cedo para fazermos afirmações peremptórias de quem sairá ganhador e perdedor do processo revolucionário em curso, alguns atores e agentes já podem ser identificados. Com base em diversos autores que tenho lido, podemos concluir, preliminarmente, sobre isso.
Os grandes perdedores – Poderíamos listar muitos, mas vamos aos essenciais:
EUA – Não consegui achar um autor, por mais direitista que seja, que tenha concluído que os EUA sejam os grandes vencedores. Foram derrotados na sua tosca e obscura tentativa de “levar” a democracia para o Oriente Médio. De fora para dentro, desde a era Bush em 2001. Como diz Andrew Bacevich, acadêmico da Universidade de Boston “durante anos os EUA forçaram uma porta (a democracia no OM) que só abre para fora. E mais, essa porta só abre por vontade própria; os acontecimentos das últimas semanas demonstraram com clareza que não apenas partes importantes do OM estão prontas para a mudança, mas também que esse impulso de mudança vem de dentro”. Estou plenamente de acordo com essa afirmação. As patéticas coletivas de imprensa dadas por Obama e pela Senhora Clinton, eram cenas cômicas que poderíamos resumir como que se eles estivessem correndo atrás dos acontecimentos que, aliás, nunca conseguiram prever, apesar de terem 27 agências ditas de inteligência e de segurança interna.
Nesse caso, mesmo que se instalem governos moderados, de transição controlada e consentida em toda a região, esses governos nunca poderão ser descaradamente pró-EUA como foram os governos de Mubarak e Ben Ali no Egito e Tunísia.
Israel – Não vejo maior perdedor, depois dos EUA, do que Israel. Também aqui, em todas as leituras feitas, pesquisas acadêmicas, não se encontra autor que diz que esse processo favorece Israel. Ao contrário. A tônica é que vai se instalando em toda a região governos anti-Israel, antissionistas. Não dá para acreditar que o primeiro Ministro de Israel, Benjamin Netanyahú venha conseguindo dormir em paz. Nesse sentido, em médio prazo, a questão palestina tem que voltar ás mesas de negociações.
Al Qaeda – Seu programa fundamentalista prega a revolução islâmica, pela forma violenta, atentados que matam indiscriminadamente – a que toda a esquerda árabe se coloca contrário – e um estado islâmico. Nada disso se verificou no processo em curso. Ninguém defende a violência indiscriminada e um estado teocrático. Sem dúvida, um dos grandes derrotados.
Fundamentalismo – Considero derrotados todos os grupos que pregaram, em algum momento, a constituição de estados teocráticos como saída para a crise na região. Se é certo que cresceu a identidade muçulmana, cresceu também a identidade nacional, de ser árabe. Grupos que sempre defenderam a instalação de repúblicas islâmicas na região perderam espaços na sociedade e seu destino será seguramente o gueto, pois tais propostas não mais encontram eco nas massas árabes, sedentas de democracia.
Neoliberalismo – Perde, como vem perdendo espaço e terreno em todo o mundo capitalista, o modelo de capitalismo financeiro e neoliberal. Ainda que seja cedo para afirmarmos que estão derrotados, no OM árabe sofreram abalo significativo. As economias sofrerão profundas mudanças. Entendo que essa crise geral que vive o OM é parte da crise do modelo capitalista em vigor e da decadência do próprio império norte-americano.
Monarcas e ditadores – Esses são os grandes derrotados localmente falando. Monarcas absolutistas, quase feudais, regados aos petrodólares, são grandes perdedores. Devem ser ou substituídos por monarquias constitucionais ou mesmo seus países verão a queda de seus reinados, seus impérios, seus sultanatos e outras formas autocráticas de governos. Perdem também os ditadores travestidos de “presidentes” em repúblicas farsescas. Esses devem ser substituídos em curto prazo por governos de transição ou em médio prazo por governos constitucionais democráticos eleitos diretamente pelo povo, com novas constituições soberanas, eleitas em regime de ampla liberdade, com anistia aos presos e liberdades políticas e sindicais.
Os que ganham – A advertência anterior vale para os ganhadores. Podemos listar aqui em primeira análise, que coincide com diversos analistas internacionais, os que, preliminarmente, ganham com esse processo revolucionário.
Reformadores e reformistas – Como o processo revolucionário esta ainda em curso, não é certo que teremos mudanças de cunho revolucionário, de troca de classes no poder, de mudança de orientação de modelo econômico, para o socialismo, por exemplo. Isso não está claro ainda. Mas, podemos dizer que profundas reformas ocorrerão em toda a região. As coisas não ficarão mais como se encontram. Ainda que não venham a ser mudanças profundas, elas serão amplamente significativas para a região. Assim, as correntes mais reformistas já podem dizer-se, desde já, vitoriosas nesse processo. E tais mudanças, não serão como falava Lampedusa, no seu clássico romance O Leopardo, quando se dizia “que tudo tem que mudar para que fique como está”.
Nacionalismo árabe – Ainda que não possamos afirmar com certeza que ele voltará a triunfar como da época de Gama Abdel Nasser, presidente do Egito (1954-1970), ele cresceu no processo. Colocou-se de forma aberta e clara para as massas. Seus partidos nacionalistas e seculares, na maioria clandestinos, puderam voltar a expor amplamente suas propostas para as massas árabes. Pode-se dizer igualmente que ganham as propostas chamadas pan-arabistas em geral.
Esquerda árabe – Se em alguns países, como a Palestina e a Síria, os comunistas e socialistas já são respeitados e relativamente fortes, no restante do mundo árabe a esquerda em geral – patriotas, nacionalistas progressistas, socialistas e comunistas – podemos dizer que ela terá uma oportunidade histórica para expor de forma clara suas propostas, seu programa e fazer alianças inteligentes e amplas, que possam valer seus programas de transição rumo a uma sociedade mais justa, o socialismo.
Irã – Difícil não concluir que o Irã foi um dos grandes vencedores no processo. Sai fortalecido. Massas xiitas em vários países o têm como referência, ainda que não defendam em seus países estados islâmicos. Difícil imaginar que haja algum clima para tanto os EUA como Israel de bombardearem esse país, tal como essa proposta esteve nas mesas de conversações na região. Enfrenta uma oposição pró-ocidental no país, mas tem conseguido amplo apoio das massas iranianas ao seu processo revolucionário de feições próprias de características islâmicas, a qual devemos respeitar.
De um modo geral, essas são conclusões que chegamos neste momento histórico que vivemos na região e depois de dois meses de meio de amplas manifestações em todos os países da região, desde que em 15 de dezembro de 2010, o jovem de 26 anos Mohammed Boazizi, vendedor de frutas ambulante, mas com formação universitária, decidiu atear fogo ao seu corpo em frente ao palácio presidencial na cidade de Túnis. Muitas vezes a história tem os seus saltos a partir de episódios menores como esse, mas que surtem imensos efeitos.

Lejeune Mirhan

Lejeune Mirhan é Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association e colunista da Revista Sociologia da Editora Escala.
(IcArabe)

Um emeio

SANDRA CABRAL"
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Muitos Beijos.....
Sandra




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Amazing speech by war veteran_LEGENDADO_PT_BR
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(De um emeio recebido)

Mulheres

As mulheres não são homens
16/03/2011 | Boaventura de Sousa Santos

Celebrou-se esta semana o Dia Internacional da Mulher. Os dias ou anos internacionais não são, em geral, celebrações. São modos de assinalar que há pouco para celebrar e muito para denunciar e transformar. Não há natureza humana assexuada; há homens e mulheres. Falar de natureza humana sem falar na diferença sexual é ocultar que a "metade" das mulheres vale menos do que a dos homens. Sob formas que variam consoante o tempo e o lugar, as mulheres têm sido consideradas como seres cuja humanidade é problemática quando comparada com a dos homens. À dominação sexual que este preconceito gera chamamos patriarcado e ao senso comum que o alimenta e reproduz, cultura patriarcal.
A persistência histórica desta cultura é tão forte que mesmo nas regiões do mundo em que ela foi oficialmente superada pela consagração constitucional da igualdade sexual, as práticas quotidianas continuam a reproduzir o preconceito e a desigualdade. Ser feminista significa reconhecer que tal discriminação existe e é injusta e desejar ativamente que ela seja eliminada.
A cultura patriarcal vem de longe e atravessa tanto a cultura ocidental como as culturas africanas, indígenas e islâmicas. Para Aristóteles, a mulher é um homem mutilado e para São Tomás de Aquino, sendo o homem o elemento ativo da procriação, o nascimento de uma mulher é sinal da debilidade do procriador.
Esta cultura, ancorada por vezes em textos sagrados (Bíblia e Corão), tem estado sempre ao serviço da economia política dominante que, nos tempos modernos, tem sido o capitalismo e o colonialismo. As Novas Cartas Portuguesas, publicadas em 1972 por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, denunciavam o patriarcado como parte da estrutura fascista que sustentava a guerra colonial. "Angola é nossa" era o correlato de "as mulheres são nossas (de nós, homens)" e no sexo delas se defendia a honra deles. O livro foi imediatamente apreendido porque justamente percebido como um libelo contra a guerra colonial e as autoras só não foram julgadas porque entretanto ocorreu o 25 de Abril, a revolução que tantos hoje desejam nunca tivesse acontecido.
A violência que a opressão sexual implica ocorre sob duas formas, hardcore e softcore. A versão hardcore é o catálogo da vergonha e do horror do mundo. Em Portugal, morreram 43 mulheres em 2010, vítimas de violência doméstica. Na Cidade Juarez (México) foram assassinadas nos últimos anos 427 mulheres, todas jovens e pobres, trabalhadoras nas fábricas do capitalismo selvagem, as maquiladoras, um crime organizado hoje conhecido por femicídio. Em vários países de África continua a praticar-se a mutilação genital. Na Arábia Saudita, até há pouco, as mulheres nem sequer tinham certificado de nascimento. No Irão, a vida de uma mulher vale metade da do homem num acidente de viação; em tribunal, o testemunho de um homem vale tanto quanto o de duas mulheres; a mulher pode ser apedrejada até à morte em caso de adultério, prática, aliás, proibida na maioria dos países de cultura islâmica.
A versão softcore é insidiosa e silenciosa e ocorre no seio das famílias, instituições e comunidades, não porque as mulheres sejam inferiores mas, pelo contrário, porque são consideradas superiores no seu espírito de abnegação e na sua disponibilidade para ajudar em tempos difíceis. Porque é uma disposição natural não há sequer que lhes perguntar se aceitam os encargos ou sob que condições. Os cortes nas despesas sociais do Estado atualmente em curso vitimizam em particular as mulheres. As mulheres são as principais provedoras do cuidado a dependentes (crianças, velhos, doentes, pessoas com deficiência). Se os doentes mentais são devolvidos às famílias, o cuidado fica a cargo das mulheres. A impossibilidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho doméstico faz com que Portugal tenha um dos valores mais baixos de fecundidade do mundo. Cuidar dos vivos torna-se incompatível com desejar mais vivos.
Fonte: Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada

Boaventura de Sousa SantosBoaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
(IcArabe)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Obama

Obama foi anulado pelo conservadorismo de bordel dos EUA"
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, a economista Maria da Conceição Tavares fala sobre a visita de Obama ao Brasil, a situação dos Estados Unidos e da economia mundial. Para ela, a convalescença internacional será longa e dolorosa. A razão principal é o congelamento do impasse econômico norte-americano, cujo pós-crise continua tutelado pelos interesses prevalecentes da alta finança em intercurso funcional com o moralismo republicano. ‘É um conservadorismo de bordel’, diz. E acrescenta: "a sociedade norte-americana encontra-se congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada”.
Redação
Quando estourou a crise de 2007/2008, ela desabafou ao Presidente Lula no seu linguajar espontâneo e desabrido: “Que merda, nasci numa crise, vou morrer em outra”. Perto de completar 81 anos – veio ao mundo numa aldeia portuguesa em 24 de abril de 1930 - Maria da Conceição Tavares, felizmente, errou. Continua bem viva, com a língua tão afiada quanto o seu raciocínio, ambos notáveis e notados dentro e fora da academia e esquerda brasileira. A crise perdura, mas o Brasil, ressalta com um sorriso maroto, ao contrário dos desastres anteriores nos anos 90, ‘saiu-se bem desta vez, graças às iniciativas do governo Lula’.

A convalescença internacional, porém, será longa, adverte. “E dolorosa”. A razão principal é o congelamento do impasse econômico norte-americano, cujo pós-crise continua tutelado pelos interesses prevalecentes da alta finança em intercurso funcional com o moralismo republicano. ‘É um conservadorismo de bordel’, dispara Conceição que não se deixa contagiar pelo entusiasmo da mídia nativa com a visita do Presidente Barack Obama, que chega o país neste final de semana.

Um esforço narrativo enorme tenta caracterizar essa viagem como um ponto de ruptura entre a ‘política externa de esquerda’ do Itamaraty – leia-se de Lula , Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães - e o suposto empenho da Presidenta Dilma em uma reaproximação ‘estratégica’ com o aliado do Norte. Conceição põe os pingos nos is. Obama, segundo ela, não consegue arrancar concessões do establishment americano nem para si, quanto mais para o Brasil. ‘Quase nada depende da vontade de Obama, ou dito melhor, a vontade de Obama quase não pesa nas questões cruciais. A sociedade norte-americana encontra-se congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada”. O entusiasmo inicial dos negros e dos jovens com o presidente, no entender da decana dos economistas brasileiros, não tem contrapartida nas instâncias onde se decide o poder americano. “O que esse Obama de carne e osso poderia oferecer ao Brasil se não consegue concessões nem para si próprio?”, questiona e responde em seguida: ‘Ele vem cuidar dos interesses americanos. Petróleo, certamente. No mais, fará gestos de cortesia que cabem a um visitante educado’.

O desafio maior que essa discípula de Celso Furtado enxerga é controlar “a nuvem atômica de dinheiro podre” que escapou com a desregulação neoliberal – “e agora apodrece tudo o que toca”. A economista não compartilha do otimismo de Paul Krugman que enxerga na catástrofe japonesa um ponto de fuga capaz, talvez, de exercer na etapa da reconstrução o mesmo efeito reordenador que a Segunda Guerra teve sobre o capitalismo colapsado dos anos 30. “O quadro é tão complicado que dá margem a isso: supor que uma nuvem de dinheiro atômico poderá corrigir o estrago causado por uma nuvem nuclear verdadeira. Respeito Krugman, mas é mais que isso: trata-se de devolver o dinheiro contagioso para dentro do reator, ou seja, regular a banca. Não há atalho salvador’.

Leia a seguir a entrevista exclusiva de Maria da Conceição Tavares à Carta Maior.

CM- Por que Obama se transformou num zumbi da esperança progressista norte-americana?

Conceição - Os EUA se tornaram um país politicamente complicado... o caso americano é pior que o nosso. Não adianta boas idéias. Obama até que as têm, algumas. Mas não tem o principal: não tem poder, o poder real; não tem bases sociais compatíveis com as suas idéias. A estrutura da sociedade americana hoje é muito, muito conservadora –a mais conservadora da sua história. E depois, Obama, convenhamos, não chega a ser um iluminado. Mas nem o Lula daria certo lá.

CM- Mas ele foi eleito a partir de uma mobilização real da sociedade....

Conceição - Exerce um presidencialismo muito vulnerável, descarnado de base efetiva. Obama foi eleito pela juventude e pelos negros. Na urna, cada cidadão é um voto. Mas a juventude e os negros não tem presença institucional, veja bem, institucional que digo é no desenho democrático de lá. Eles não tem assento em postos chaves onde se decide o poder americano. Na hora do vamos ver, a base de Obama não está localizada em lugar nenhum. Não está no Congresso, não tem o comando das finanças, enfim, grita, mas não decide.

CM - O deslocamento de fábricas para a China, a erosão da classe trabalhadora nos anos 80/90 inviabilizaram o surgimento de um novo Roosevelt nos EUA?

Conceição - Os EUA estão congelados por baixo. Há uma camada espessa de gelo que dissocia o poder do Presidente do poder real hoje exercido, em grande parte, pela finança. Os bancos continuam incontroláveis; o FED (o Banco Central americano) não manda, não controla. O essencial é que estamos diante de uma sociedade congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada...

CM- É uma decadência reversível?

Conceição – É forçoso lembrar, ainda que seja desagradável, que os EUA chegaram a isso guiados, uma boa parte do caminho, pelas mãos dos democratas de Obama. Foram os anos Clinton que consolidaram a desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora.

CM - Esse colapso foi pedagógico; o poder financeiro ficou nu, por que a reação tarda?

Conceição - A sociedade americana sofreu um golpe violento. No apogeu, vendia-se a ilusão de uma riqueza baseada no crédito e no endividamento descontrolados. Criou-se uma sensação de prosperidade sobre alicerces fundados em ‘papagaios’ e pirâmides especulativas. A reversão foi dramática do ponto de vista do imaginário social. Um despencar sem chão. A classe média teve massacrados seus sonhos do dia para noite. A resposta do desespero nunca é uma boa resposta. A resposta americana à crise não foi uma resposta progressista. Na verdade, está sendo de um conservadorismo apavorante. Forças e interesses poderosos alimentam essa regressividade. A tecnocracia do governo Obama teme tomar qualquer iniciativa que possa piorar o que já é muito ruim. Quanto vai durar essa agonia? Pode ser que a sociedade americana reaja daqui a alguns anos. Pode ser. Eles ainda são o país mais poderoso do mundo, diferente da Europa que perdeu tudo, dinheiro, poder, auto-estima... Mas vejo uma longa e penosa convalescença. Nesse vazio criado pelo dinheiro podre Obama flutua e viaja para o Brasil.

CM – Uma viagem cercada de efeitos especiais; a mídia quer demarcá-la como um divisor de águas de repactuação entre os dois países, depois do ‘estremecimento com Lula’. O que ela pode significar de fato para o futuro das relações bilaterais?

Conceição - Obama vem, sobretudo, tratar dos interesses norte-americanos. Petróleo, claramente, já que dependem de uma região rebelada, cada vez mais complexa e querem se livrar da dependência em relação ao óleo do Chávez. A política externa é um pouco o que sobrou para ele agir, ao menos simbolicamente.

CM – E o assento brasileiro no Conselho de Segurança?

Conceição - Obama poderá fazer uma cortesia de visitante, manifestar simpatia ao pleito brasileiro, mas, de novo, está acima do seu poder. Não depende dele. O Congresso republicano vetaria. Quase nada depende da vontade de Obama, ou dito melhor, a vontade de Obama quase não pesa nas questões cruciais.

CM - Lula também enfrentou essa resistência esfericamente blindada, mas ganhou espaço e poder...

Conceição - Obama não é Lula e não tem as bases sociais que permitiriam a Lula negociar uma pax acomodatícia para avançar em várias direções. A base equivalente na sociedade americana, os imigrantes, os pobres, os latinos, os negros, em sua maioria nem votam e acima de tudo estão desorganizados. Não há contraponto à altura do bloco conservador, ao contrário do caso brasileiro. O que esse Obama de carne e osso poderia oferecer ao Brasil se não consegue concessões nem para si próprio?

CM – A reconstrução japonesa, após a tragédia ainda inconclusa, poderia destravar a armadilha da liquidez que corrói a própria sociedade americana ? Sugar capitais promovendo um reordenamento capitalista, como especula Paul Krugman?

Conceição - A situação da economia mundial é tão complicada que dá margem a esse tipo de especulação. Como se uma nuvem atômica de dinheiro pudesse consertar uma nuvem atômica verdadeira. Não creio. Respeito o Krugman, mas não creio. O caminho é mais difícil. Trata-se de devolver a nuvem atômica de dinheiro para dentro do reator; é preciso regular o sistema, colocar freios na especulação, restringir o poder do dinheiro, da alta finança que hoje campeia hegemônica. É mais difícil do que um choque entre as duas nuvens. Ademais, o Japão eu conheço um pouco como funciona, sempre se reergueu com base em poupança própria; será assim também desta vez tão trágica. Os EUA por sua vez, ao contrário do que ocorreu na Segunda Guerra, quando eram os credores do mundo, hoje estão pendurados em papagaios com o resto do mundo –o Japão inclusive. O que eles poderiam fazer pela reconstrução se devem ao país devastado?

CM – Muitos economistas discordam que essa nuvem atômica de dinheiro seja responsável pela especulação, motivo de índices recordes de fome e de preços de alimentos em pleno século XXI. Qual a sua opinião?

Conceição - A economia mundial não está crescendo a ponto de justificar esses preços. Isso tem nome: o nome é especulação. Não se pode subestimar a capacidade da finança podre de engendra desordem. Não estamos falando de emissão primária de moeda por bancos centrais. Não é disso que se trata. É um avatar de moeda sem nenhum controle. Derivam de coisa nenhuma; derivativos de coisa nenhuma representam a morte da economia; uma nuvem nuclear de dinheiro contaminado e fora de controle da sociedade provoca tragédia onde toca. Isso descarnou Obama.

É o motor do conservadorismo americano atual. Semeou na America do Norte uma sociedade mais conservadora do que a própria Inglaterra, algo inimaginável para alguém da minha idade. É um conservadorismo de bordel, que não conserva coisa nenhuma. É isso a aliança entre o moralismo republicano e a farra da finança especulativa. Os EUA se tornaram um gigante de barro podre. De pé causam desastres; se tombar faz mais estrago ainda. Então a convalescença será longa, longa e longa.

CM – Esse horizonte ameaça o Brasil?

Conceição - Quando estourou a crise de 2007/2008, falei para o Lula: - Que merda, nasci numa crise mundial, vou morrer em outra... Felizmente, o Brasil, graças ao poder de iniciativa do governo saiu-se muito bem. Estou moderadamente otimista quanto ao futuro do país. Mais otimista hoje do que no começo do próprio governo Lula, que herdou condições extremas, ao contrário da Dilma. Se não houver um acidente de percurso na cena externa, podemos ter um bom ciclo adiante.

CM – A inflação é a pedra no meio do caminho da Dilma, como dizem os ortodoxos?

Conceição - Meu temor não é a inflação, é o câmbio. Aliás, eu não entendo porque o nosso Banco Central continua subindo os juros, ainda que agora acene com alguma moderação. Mas foram subindo logo de cara! Num mundo encharcado de liquidez por todos os lados, o Brasil saiu na frente do planeta... Subimos os juros antes dos ricos, eles sim, em algum momento talvez tenham que enfrentar esse dilema inflacionário. Mas nós? Por que continuam a falar em subir os juros se não temos inflação fora de controle e a prioridade número um é o câmbio? Não entendo...

CM - Seria o caso de baixar as taxas?

Conceição - Baixar agora já não é mais suficiente. Nosso problema cambial não se resolve mais só com inteligência monetária. Meu medo é que a situação favorável aqui dentro e a super oferta de liquidez externa leve a um novo ciclo de endividamento. Não endividamento do setor público, como nos anos 80. Mas do setor privado que busca lá fora os recursos fartos e baratos, aumentando sua exposição ao risco externo. E quando os EUA subirem as taxas de juros, como ficam os endividados aqui?

CM – Por que o governo hesita tanto em adotar algum controle cambial?

Conceição - Porque não é fácil. Você tem um tsunami de liquidez externa. Como impedir as empresas de pegarem dinheiro barato lá fora? Vai proibir? Isso acaba entrando por outros meios. Talvez tenhamos que implantar uma trava chilena. O ingresso de novos recursos fica vinculado a uma permanência mínima, que refreie a exposição e o endividamento. Mas isso não é matéria para discutir pelos jornais. É para ser feito. Decidir e fazer.

CM - A senhora tem conversado com a Presidenta Dilma, com Lula?

Conceição - O governo está começando; é preciso dar um tempo ao tempo. Falei com Lula recentemente quando veio ao Rio. Acho que o Instituto dele está no rumo certo. Deve se debruçar sobre dois eixos fundamentais da nossa construção: a questão da democracia e a questão das políticas públicas. Torço para que o braço das políticas públicas tenha sede no Rio. O PT local precisa desse empurrão. E fica mais perto para participar.
(Carta Maior)