terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Beto II

quem sou eu:
Como Dom Bosco,o santo,que profetizou a construção de Brasília, eu fui arrebatado em sonho.Mas ao contrário do Dom, o meu dom não foi o futuro: foi voltar 51 anos atrás pro lugar em que Dom Bosco apontou. Era Natal. Chovia, uma chuva fina e persistente,como sempre acontece esta época no cerrado brasileiro. No meu sonho, vi um acampamento de operários que jogavam na terra enlameada a comida servida como almoço.Gritavam que a comida estava estragada e queriam respeito. Pois
estavam construindo a nova capital do Brasil. O capataz da obra avisou
pros engenheiros, que avisaram pros donos da construtora :e os empresários avisaram pra polícia que queriam uma pronta ação:
“Os operários vieram aqui trabalhar.Fazer greve...Não!Chegam do Nordeste passando fome e ainda acham ruim a ração ?Isso é subversão!”
Eu no sonho vi no chão a comida e os operários irritados.Vi porcos cheirando e recusando a comida dos peões. Vi mulheres como estátuas solidárias junto dos maridos.
Hora e meia depois eu em sonho vi chegar policiais bem armados para atender aos empresários. Chegaram já metralhando quem corria e quem ficava.Entraram em cada lona e os que estavam deitados ali mesmo ficavam.Até um operário, , de sono mais pesado,nem com o barulho dos tiros despertou.O soldado não hesitou: bala na cabeça do homem que sonhava, que ali mesmo ficou junto com o sonho dele. Que não acabou,continuou. E eu vi o que o sonho dele sonhava; O homem morto via muita goiabada e queijo coalho, com macaxeira e carne de sol. Ele, a mulher e os filhos, ao redor de uma mesa farta. Longe,bem longe de Brasília, num sertão nordestino.
Trezentos mortos!E eu via que os peões tinham a cara de Marighela, Lamarca, Mário Alves, Stuart Angel, Vladimir Herzog , Miguel Filho, Jarbas Pereira Marques, Odijas, Fernando Santa Cruz, Osvaldão do Araguaia, Soledad Barrett, Pauline Reischull e muitos outros que só 13 anos depois começariam a morrer: torturados,metralhados, fuzilados, ou então jogados no mar. Um trator abriu a vala, e os corpos foram jogados. Alguns ainda gemendo mas logo silenciavam. Depois coberta de terra a vala comum serviu de alicerce pra um dos prédios da nova capital:Um ministério impoortante de um ministro sisudo,uma Super Quadrabacana ou a própria Catedral.
(Brasília é uma cidade nova mas cheia de mistérios antigos como o que acontecem desde o nosso “descobrimento”.)Sonho meu,sonho meu, acordei lembrando tudo. Não foi sonho somente, tudo assim aconteceu. Em 1959,no silêncio do Planalto, onde ficaram em silêncio os ancestrais do Carandiru. Era Natal e chovia no cerrado brasileiro. Faz 51 anos.
Nove anos depois - 1968 - outro Natal brasileiro terrível: as botas da ditadura mais pesadas ainda com o AI-5.
RobertoMenezes

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