quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Exército

"Exército não pode atuar contra seus compatriotas"
O capitão do Exército Mário Soares Júnior, que lançou recentemente, sob a assinatura de Capitão Marinho, o livro Exército na Segurança Pública ‒ Uma guerra contra o povo brasileiro!, reitera o entendimento explicitado no título de seu livro e afirma que não há tarefa de segurança pública que esteja acima da capacidade policial.
Por Mauro Malin
[07 de dezembro de 2010 - 18h22]

Os jornais noticiaram na sexta-feira (3/12) que o Exército empregará na Vila Cruzeiro e no Alemão forças semelhantes às que atuam no Haiti, ou seja, com poder de polícia. Nesta entrevista ao Observatório da Imprensa, o capitão do Exército Mário Soares Júnior, que lançou recentemente, sob a assinatura de Capitão Marinho, o livro Exército na Segurança Pública ‒ Uma guerra contra o povo brasileiro!, reitera o entendimento explicitado no título de seu livro ‒ "o Exército não pode atuar contra seus compatriotas, principalmente em um país democrático" ‒ e afirma que não há tarefa de segurança pública que esteja acima da capacidade policial. Sobre a "batalha do Alemão", diz que, embora o Exército se tenha encarregado do cerco, os bandidos fugiram.

O Capitão Marinho cursou a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, graduou-se em ciência militar pela Academia Militar das Agulhas Negras e pós-graduou-se pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO). Bacharel em Direito, fez outros cursos nessa área. O livro é uma adaptação de tese de mestrado defendida em 2008 sob a orientação da professora Jacqueline Muniz. Nele se lê: "(....) Querer que os militares do Exército empreguem a força somente se necessário e de forma comedida, como devem ser as ações policiais em um Estado Democrático de Direito, é a mesma coisa que querer criar uma onça como um gatinho de estimação, é contrariar a natureza. Os militares do Exército são treinados para não ter compaixão, para beber o sangue do inimigo como se bebe um copo de água gelada em uma tarde quente de verão. Não se pode exigir de um combatente a postura de um gentleman, solicitando ao suspeito a gentileza de acompanhá-lo à delegacia."

Marinho escreve no blog www.capitaomarinho.blogspot.com

A seguir, a entrevista.


A corrupção não é inerente a uma profissão


O senhor concorda, doutrinariamente, com o uso das Forças Armadas em curso nas operações da Vila Cruzeiro e do Alemão?


Capitão Marinho – Não concordo com o uso do Exército nas operações da Vila Cruzeiro e do complexo do Alemão. O Exército não está preparado e nem pode atuar contra seus compatriotas, principalmente em um país democrático. Isso tem que ser rechaçado. A finalidade do Exército é defender a pátria!


Desde 1992 (Rio 92), as Forças Armadas foram chamadas em diversas ocasiões para coadjuvar as forças de segurança. Trinta anos antes, em 1962, o chamado Motim da Fome, marcado por quebra-quebras, saques e muitas mortes, em Duque de Caxias e outros pontos da Baixada Fluminense, só foi debelado com a intervenção de tropas do Exército. No dia seguinte, o Exército se retirou e a Associação Comercial de Duque de Caxias criou uma "milícia" para proteger as lojas, sob o comando de um delegado de Polícia. Foi a origem de notórios grupos de extermínio dessa região. Esses exemplos não indicam que, em certas circunstâncias, e tendo em vista as deficiências históricas das policias, se faz necessária a ação das Forças Armadas, embora isso fira sua razão de existir?


C.M. ‒ Não. A deficiência histórica da polícia, como você colocou, sempre existiu no Brasil. Em 1863, o então marquês de Caxias, no seu Relatório anual de ministro da Guerra, fala da importância de manter o Exército na segurança pública. Já em 1865, dois anos depois, o visconde de Camamu, então ministro da Guerra, coloca no seu Relatório anual que a Guerra do Paraguai só tomou grandes proporções porque o Exército perdeu seu poder de persuasão, pelo fato dos seus homens estarem nos batalhões de polícia preocupados com a segurança pública. Ou seja, temos que capacitar melhor nossa polícia, mas, paralelamente a esta capacitação, as autoridades governamentais têm de fazer ações sociais, como escolas, áreas de lazer (esporte e cultura), saneamento, posto de saúde, transporte etc. Temos de parar de achar que a polícia não resolve os problemas. Segurança pública não se resume às ações policiais. No caso das operações do Complexo do Alemão, afirmo de forma bastante segura que a polícia conquistaria o território com ou sem a presença dos militares do Exército.


Qual é seu sentimento ao ver a bandeira brasileira hasteada num ponto elevado do Alemão, como se fosse território estrangeiro conquistado?


C.M. – Meu sentimento é que as autoridades reconheceram que naquela comunidade existem cidadãos brasileiros, que são excluídos de forma perversa, e que a partir daquele momento o Estado vai lembrar que os moradores dali são brasileiros. Mas também tive um sentimento, ainda que rápido, de que aquele ato foi um sensacionalismo descabido.


O senhor teme a convivência de militares com policiais em áreas com forte histórico de delinquência, onde circula usualmente muito dinheiro ilícito?


C.M. – Claro que sim. A corrupção não é inerente a uma profissão. Qualquer profissão tem pessoas que podem ser corrompidas.


Os policiais devem estar focados em fazer policiamento


O que, na sua opinião, poderia ter sido feito para garantir o êxito de uma operação policial como a que se realizou nas favelas da Vila Cruzeiro e do Alemão descartando-se a participação das Forças Armadas?


C.M. – Oitocentos policiais substituiriam muito bem os 800 militares do Exército nesta atividade. Caso o Rio não tivesse de onde tirar este efetivo policial, poderia pedir ajuda à Força Nacional. E, pelo que sei, os militares ficaram responsáveis pelo cerco. Então, cadê os bandidos? O território foi tomado e os bandidos não foram presos. Será que eles se "desintegraram"?


O senhor é favorável à existência de forças policiais militarizadas, como são as PMs?


C.M. – Claro que não. Acho o modelo militarizado totalmente em desacordo com o que deve ser a polícia em um Estado Democrático de Direito. Os policiais devem estar focados em fazer policiamento, em interagir constantemente com os cidadãos e as cidadãs da sociedade, a fim de prestar um melhor serviço policial, usando da força somente em último caso. Os policiais não podem ficar preocupados em fazer uma boa ordem unida, com o brilho dos seus coturnos, ou em "combater os inimigos". Eles têm de ter flexibilidade de raciocínio e iniciativas autônomas nas suas ações, atributos que são cerceados, dentro de uma escala hierárquica, aos soldados, cabos e, às vezes, aos sargentos. Ou seja, mais da metade do efetivo policial.



Publicado por Observatório da Imprensa. Foto por Marcello Casal Jr./ABr.
(Revista Forum)

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