sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Negritude

Mamãe, em 2011 eu quero transar com um negro
Ciência e Humanidades - Outros Critérios
Cesar Kiraly
Dez 29 |18:31


É muito difícil lidar com o racismo. Em qualquer sociedade. Inclusive naquelas muito homogêneas, tal como Portugal e países da Escandinávia. Dentre outras razões, porque é complicado estabelecer um medidor para sentimentos imorais. Mas se não podemos estabelecer um medidor de racismo – o nível de desemprego, pessoas em cargos de direção, índice de escolaridade etc. não são medidores de um sentimento imoral, mas apenas dos efeitos deletérios da estratificação sobre as instituições, bem como, não pode ser considerado um bom medidor, por si só, o número de casamentos entre pessoas de origens diferentes – que saibamos, pelo menos, uma região de seu espectro.
Recentemente, por exemplo, a corte constitucional do Brasil julgou um habeas corpus concernente a um editor de livros anti-semitas no sul do país. Como sempre é o caso foi um arremedo de lambanças entre juristas, caminhões de metafísica prêt-à-porter e sociologismos de papel de pão. Como não podia deixar de ser a discussão se deu entorno da noção de raça. Falou-se que segundo os geneticistas as raças não existem entre humanos, que há mais semelhança genética entre um branco e um negro do que entre dois brancos. Os teólogos disseram que os homens são feitos do mesmo barro à imagem e semelhança de Deus, e que por isso são todos iguais. E os juristas disseram que a constituição proíbe a distinção entre raças. Mas e daí? O bom foi que a despeito do banho de tinta e saliva a decisão foi correta e se negou o habeas corpus ao editor.
De todo sabemos que as raças não existem, não porque os geneticistas nos disseram, mas por uma razão moral, é melhor que elas não existam. Não seria difícil aos geneticistas reinventarem os seus critérios para reinventar as raças, de um modo parecido à (des)invenção de Plutão. Mas existe algo comum ao que chamamos de racismo em todas as suas dimensões – o que o torna uma palavra boa para entendermos os modos da homofobia – é que ele trata de uma repulsão sexual. Gilberto Freyre no seu investimento anti-racismo, como também Aluísio de Azevedo e suas belas imagens de coito selvagem entre brancos e mulatos, apesar do predomínio do patriarcalismo branco, enfrenta a repulsa sexual à diferença de maneira bastante intensa, mostrando a sexualização dos doces que comemos, dos corpos que aprendemos a ver, usar e exibir, e, principalmente, do forte sadismo sexual das relações de hierarquia em nossa cultura. Ele tenta dissolver a universal repulsa ao sexo com o diferente – que também pode assumir contornos de compulsão ao sexo com o diferente, como compensação história – por um dionisíaco repositório de sêmen universal. Que preservaria um tipo ibérico de organização social, segundo o qual o sêmen se modificaria no ventre das diferentes. Sempre com a preservação das fêmeas dominantes e sucessiva alteração da possibilidade de repulsa pelo coito entre brancos e diferentes.
Não parece haver problemas em se trancar as brancas para não serem comidas por negros, enquanto também não parece haver problema no sadismo dos rapazes brancos com as negras. Contudo, apesar do compreensível privilégio do iberismo no pensamento de Freyre, dele podemos tirar duas regras sobre aquilo que se denomina racismo. (I) Que o racismo é na verdade o nome de uma repulsão sexual ao diferente, que toma forma política em práticas sociais. (II) Que a repulsão sexual ao diferente é própria à natureza humana, ainda que nas suas formas compensatórias, mas que suas instituições não o são, podendo, portanto, serem extintas ou melhoradas. (III) O modo mais eficiente de contenção ao diferente sexual é a hierarquia social e financeira, tanto no sentido de estabelecer uma via única de sêmen universal ibérico, quanto no sentido de impedir uniões sexuais entre diferentes.
Pois bem, se não há um contador geiger para o racismo, existe um território claro no qual ele pode ser identificado, e tal é o da sexualidade. A região de sua intensidade se encontra na repulsa sexual ao diferente, o que faz com que o combate ao racismo se dê, num certo sentido, na mesma seara do combate à homofobia ou à dominação às mulheres, e um dos indicadores de racismo é a manifestação cultural de coitos entre diferentes. A repulsa é natural e alguma manifestação até desejável, porque significa que estamos vivos, mas quando toma forma na cultura é algo a nos preocupar. A repulsa sexual se dá com mais intensidade entre inimigos históricos, como brancos e negros, chineses e japoneses, judeus e árabes, cristãos e judeus, ou, entre grupos tão próximos que se repelem pele similitude, aquilo que Freud chamava de narcisismo das pequenas diferenças, como israelenses e palestinos. Mas ainda que possamos extinguir politicamente as grandes repulsões, restarão sempre as pequenas repulsões, seja lá quais forem, entre grandes e pequenos, louros e morenos etc., bem como, as formas de reversão compensatória.
Estranhamente as medidas de ação afirmativa não são boas, apenas, porque ajudam a distribuir renda, mas porque, se bem feitas, criam oportunidades de uniões entre diferentes, e, até mesmo, chance, aos mais reprimidos, de colocarem em prática seus desejos sexuais compensatórios. Seria uma tolice julgar que na compensação não estivesse em questão um pagamento sádico, como, por exemplo, na relação entre o homem negro e a mulher branca. Esses “pagamentos” podem ser vistos de modo escandalizado por alguns, mas são bastante naturais. Até mesmo quando são mal sucedidas essas medidas são interessantes, porque ainda que existam a formação de grupos que se odeiam, por serem obrigados a estudar em uma mesma universidade, ou na mesma escola, ou freqüentarem os mesmos empregos, eles terão maior chance de desenvolvimento de uma erótica, do que no estado anterior. A admissibilidade de experiências homossexuais de indivíduos que não sentem desejo predominante por parceiros do mesmo sexo pode ser vista na mesma chave. Até mesmo o sadismo erótico-sexual compensatório é mais moral do que as práticas de violência em função da repressão à repulsão sexual. A distribuição de renda entre grupos diferentes impede um dos tipos mais horrendos de violência, que é a sexual.
Por certo, que não estou enganado acerca da possibilidade de controle sobre a condução da erótica da nossa natureza, mesmos que nos quiséssemos em viveiros, eles nos seriam vedados, de toda forma, não deixam de ser interessantemente divertidas as intuições de Fourier sobre a sexualidade compartilhada. Da perspectiva do delírio imoral as orgias públicas sugeridas por ele aplacariam boa parte do ódio social brasileiro entre classes, mas não permitiriam muito no que concerne à mudança das classes sociais e a sua estratificação das diferenças. Mas também é necessário abrir os olhos para o componente de repulsão sexual compositivo das classes sociais. Afinal de contas, parece que a herança perde um pouco de seu sentido, uma vez sentida como uma instituição ao diferente. Por fim, lembro da peça de Nelson Rodrigues, Bonitinha, mas Ordinária, na qual um homem é instado a casar por dinheiro com uma bela moça de 17 anos que fora violentada sexualmente por 5 negros. Não só a violência tornaria a moça suja para um casamento convencional, como se torna sexualmente ainda mais asquerosa por ter sido "currada" por 5 negros. Mais para frente a repulsão sexual, em sua versão reversa, torna-se ainda mais evidente. A suposta violência foi desejada e encomendada pela moça branca a um seu amante. Dentre outras interpretações, fora uma espécie de presente. O que, no contexto da peça, apenas aumenta o asco por ela despertado.
(O Pensador Selvagem)

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