sábado, 25 de dezembro de 2010

Blogosfera

Quando a blogosfera subiu a rampa
Entrevista inédita de Lula a blogueiros representou um momento inédito na comunicação brasileira e causou irritação na mídia comercial
Por Renato Rovai
No dia 24 de novembro, o presidente Lula concedeu uma entrevista de 2h07 aos seguintes blogueiros: Altamiro Borges, do Blog do Miro; Conceição Oliveira, do Blog Maria Frô; Rodrigo Vianna, do Blog Escrevinhador; Leandro Fortes, do Blog Brasília, eu vi; Túlio Viana, do Blog do Túlio Viana; Pierre Lucena, do Blog Acerto de Contas; William Barros – popularmente conhecido como Sr. Cloaca, do Blog Cloaca News; Altino Machado, do Blog Altino Machado; José Augusto Duarte, do Blog Os Amigos do Presidente Lula; Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania e Renato Rovai, do Blog do Rovai, editor desta Fórum e responsável pela seleção dos trechos que seguem.

A entrevista entra para a história da cobertura política brasileira por ter sido a primeira concedida por um presidente da República à blogosfera. E principalmente porque foi à blogosfera independente.

Isso causou irritação tanto nos veículos da mídia tradicional, como em alguns atiradores dessa elite que ainda não perceberam que a internet não é o quintal deles e nem de seus produtos, mas uma porta que permite novas iniciativas midiáticas.

A acusação mais recorrente foi a de que teria sido um encontro de amigos (vulgo chapa branca), porque boa parte dos presentes apoiou a candidata do presidente Lula nas últimas eleições. A “acusação” é de um ridículo sem tamanho. O Estado de S. Paulo publicou editorial apoiando José Serra e nenhum desses “corajosos” polemistas saiu dizendo que seria um absurdo que seus repórteres entrevistassem o candidato tucano.

Além disso, o conteúdo das perguntas realizadas é a prova mais cabal de que mesmo respeitando a história do presidente da República e reconhecendo méritos no seu governo, os blogueiros que foram ao Palácio do Planalto não estavam à caça de tapinhas nas costas. Queriam respostas a questões mal explicadas ou a ações não encaminhadas pelo governo. A primeira pergunta realizada pelo autor deste texto foi “Por que a democratização da comunicação não avançou no seu governo?” Ou seja, deixa clara a avaliação negativa do perguntador acerca das medidas nesta área. Pergunta que, nestes oito anos de Lula, nunca foi feita por nenhum jornalista que cobre o Palácio para o presidente. Fundamentalmente porque aos seus patrões não interessa a democratização da mídia.

Como já disse num texto publicado no blog no dia da entrevista, quantas vezes na história deste país o presidente da República teve de responder, por exemplo, à seguinte questão: Por que recuou no PNDH 3? Quantas vezes teve de se explicar sobre a saída de Paulo Lacerda da PF? Quantas vezes foi cobrado pelo fato de o governo não ter se empenhado para a aprovação das 40h semanais? Em que momento falou sobre o Acre e suas idiossincrasias políticas? Quantas vezes discutiu o capital estrangeiro na mídia? Quantas vezes falou sobre o AI-5 digital? Quantas vezes tratou da educação para o povo negro? Quantas vezes abordou a cobertura da Globo no episódio da bolinha de papel?

A entrevista que segue não foi só inédita, mas completamente diferente. O lugar dos entrevistadores não é comum. Eles estavam ali representando a maioria. E não uma elite que tenta fazer de conta que é a opinião pública. Por isso essa entrevista foi a mais criticada “da história deste país”. Confira trechos abaixo.

Democratização dos meios de comunicação

Os avanços na questão dos meios de comunicação dependem muito da correlação de forças estabelecida na sociedade e dentro do Congresso Nacional. Você sabe o esforço imenso que nós fizemos para fazer uma simples lei, que é o Projeto de Lei 29, de que o Jorge Bittar foi o relator, antes da Maria do Carmo, e que isso já está há cinco anos rolando e a gente não consegue fazer avançar porque quando chega em um determinado lugar ele para. (...)

Nós poderíamos ter feito mais, mas não fizemos porque o debate é mais encruado do que a gente pensa. As reivindicações são sempre muito fortes, o que é bom; mas as recusas também são sempre muito fortes, o que é ruim. (...) Mas nós precisamos ter uma correlação de forças mais homogênea, uma coisa mais forte. Como o Congresso foi renovado em 48%, se não me falha a memória, nós temos chance de ter mais alguns avanços.

Por outro lado, possivelmente eu não tenha nem dimensão daquilo que nós avançamos ou que não avançamos, porque ontem eu disse para a imprensa que eu, primeiro, quero desencarnar da presidência. A palavra “desencarnar” é porque você precisa deixar internamente de ser presidente (...) Então, eu quero desencarnar. E aí vou ter uma noção maior do que a gente fez e do que a gente não fez (....).

Nós temos muita coisa para votar no Congresso Nacional. Espero que esse Congresso seja mais moderno. Vocês estão lembrados do projeto de regulação da internet, do senador Azeredo (AI-5 digital), e que eu me coloquei contra, porque acho estupidez, a qualquer pretexto, querer censurar a internet.

Educação / questão racial

Nós estamos provando que não basta fazer uma lei para enfrentar o preconceito, o racismo... A lei é um instrumento legal. O que vai mudar concretamente é o processo de elevação do nível de consciência das pessoas.

Vou dar um exemplo: nós estamos brigando há quantas décadas para aprovar as cotas para os negros na universidade? A nossa companheira Nilcéa [Freire], ministra da Secretaria Especial das Mulheres, quando reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi a primeira mulher, a primeira reitora a aprovar as cotas, e teve polêmicas exuberantes. Nós matamos esse problema com o ProUni. Ou seja, no ProUni nós temos 45% de estudantes que são negros, meninas e meninos da periferia. Ainda assim, nós, em muitas universidades, tivemos denúncias de pessoas pobres que entraram na universidade e que são olhadas com um certo viés, como se fosse algo estranho naquela universidade.(...)

As pessoas têm que aprender que os negros não eram escravos, eles eram livres e foram escravizados para vir para cá, e que foram escravizados mesmo dentro da África, para serem vendidos para os navios negreiros. Então, acho que é um processo. Trabalho com a certeza de que a atual geração, que está fazendo o ensino fundamental, quando estiver com seus 20, 25 anos, quando estiver na universidade, vai estar com uma cabeça mais arejada para tratar essa questão da igualdade racial com mais força.

Tenho incentivado a Secretaria da Igualdade Racial a apressar a questão dos quilombos, porque o quilombo simboliza a coisa mais pobre desse mundo negro, além das favelas dos grandes centros urbanos. É um trabalho imenso convencer o prefeito de que é possível fazer uma escola lá. Se for no padrão dos projetos normais, não faz. Então, quando deixar a presidência, pretendo visitar algumas regiões do país, quero visitar alguns quilombos, saber se houve avanço ou se não houve, porque, quem sabe de fora eu possa dar mais palpite e ver as coisas que acho que nós precisamos enxergar.

PNDH 3, tortura e desaparecidos políticos

Na questão do relatório dos direitos humanos, a questão mais grave que está colocada lá foi a questão do aborto, que mais chamou atenção. Nós temos uma posição histórica, enquanto partido político. (...) Enquanto cidadão, sou contra o aborto. Enquanto chefe de Estado, tenho que tratar o aborto como uma questão de saúde pública, porque tenho que reconhecer que ele existe, que estão aí milhões de pessoas fazendo aborto, meninas pelo interior deste país colocando fuligem de fogão de lenha no útero, meninas furando o útero com agulha de crochê, meninas tomando chá de caroço de abacate, chá de caroço de azeitona... (...)

Acho que nós nos deixamos levar porque os setores que nos criticaram com o relatório apresentado pela Comissão de Direitos Humanos não tinham lido o relatório de [19]96 e o relatório de 2000. Os dois, feitos no governo Fernando Henrique Cardoso, tratavam as coisas quase que do mesmo jeito que tratamos... Um dia chamei o Paulinho Vannuchi [ministro dos Direitos Humanos] aqui e falei: “Paulinho, nós não temos que recuar nessas coisas, porque está aqui, ou seja, os mesmos meios de comunicação que estão te triturando e não falaram nada quando foi feito o primeiro e o segundo, e estão agora em cima do terceiro”. Por isso, nós flexibilizamos... Até o controle social da mídia está colocado no segundo e no primeiro (...).

Sinceramente, te confesso que eu fiz o que eu sabia e o que eu podia fazer na questão de direitos humanos. Ou seja, eu gostaria de ter encontrado os cadáveres que as pessoas queriam que se encontrasse. Por isso a comissão que foi para o Araguaia, uma comissão em que participaram companheiros importantes, inclusive da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, um companheiro como o Ricardo Kotscho, que eu pedi pessoalmente para ele participar como jornalista, para investigar. Espero que a Dilma tenha mais sorte do que eu e que possa encontrar ou que algum dia alguém tenha sorte, porque de uma coisa tenho clareza: é justo que a história seja contada na sua totalidade, não apenas meia história.

Derrota no Acre

Tenho a convicção de que se pegar tudo o que foi feito no governo Fernando Henrique Cardoso, governo Itamar, governo Collor, governo Sarney, se somar tudo não dá a metade do dinheiro que eu pus no estado do Acre para fazer as coisas. (…) O PT governa 12 dos 22 municípios, tem mais cinco aliados e perdeu em quase todos, ou seja, é inexplicável. Acho que precisa um estudo sociológico sobre o Acre, sobre o que os companheiros erraram na política dali. Tem erro, tem erro... Não ouso dizer aqui o erro antes de fazer uma análise. Mas, daqui a uns seis meses, quando eu for ao Acre sem ser presidente, me comprometo a te dar uma entrevista dizendo o que acho que aconteceu ali. Não quero ser grosseiro e fazer um julgamento precipitado. Mas, certamente, nós erramos no Acre por presunção. Não sei se você sabe, na minha opinião uma das razões pelas quais a Marina foi candidata a presidente é que ela tinha convicção de que não se elegeria senadora pelo Acre, como aconteceu, de fato, uma votação pequena.

Capital estrangeiro na mídia e relação com a imprensa

Acho que é diferente ser dono de banco e ser dono de um meio de comunicação. Nós precisamos ter claro: um trabalha com o bolso e o outro trabalha com a cabeça das pessoas. Nós temos que ter um certo controle da participação de estrangeiros, sim, essa é a minha tese.

Tenho problemas, são públicos, na minha relação com a chamada mídia antiga. E de vez em quando, digo que vou ter orgulho de terminar meu mandato sem precisar ter almoçado em nenhum jornal, nenhuma revista e nenhum canal de televisão. Não precisei almoçar, não precisei jantar para poder sobreviver. Sei que, durante muito tempo, eles torceram para me derrotar. Eu dizia sempre o seguinte: olha para mim, eu sou o resultado da liberdade de imprensa neste país. Com todos os defeitos, sou o resultado da liberdade de imprensa neste país. Quem tem que julgá-los não sou eu, que não vou ficar xingando. Nós temos telespectador, temos leitor, temos os ouvintes que vão julgar. Eles se enganam quando muitas vezes pensam que o povo é massa de manobra, como era no passado; que eles podem derrotar um candidato, tirar candidato, pôr candidato, eles se enganam. O povo está mais inteligente, está mais sabido, e eles agora têm que lidar com uma coisa chamada internet que eles não sabiam como lidar. Agora, quando um cidadão conta uma mentira, é desmentido em tempo real e, muitas vezes, tem que se explicar.

(...) Fico até com medo se daqui a cem anos alguém for fazer a história do meu mandato e pegar algumas revistas. A impressão que ele vai ter do meu mandato vai ser a pior possível. Ele vai ter que comprar uma revista brasileira e uma revista americana, uma revista inglesa, uma revista alemã, para ele poder fazer uma comparação, ou vai, quem sabe, se informar na internet.

40 horas semanais e o fator previdenciário

Quando as centrais sindicais me procuraram para que nós mandássemos uma medida provisória, um projeto de lei, disse para os dirigentes sindicais para fazer um pouco de política, e que eles não poderiam ficar no sindicato, achando que daqui eu poderia fazer tudo, mandar. Sugeri a eles que transformassem a redução das 40 horas em um movimento político. Que fossem para porta de fábrica, coletar assinaturas, e que a gente desse entrada no Congresso Nacional com 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões de assinaturas, para que a conquista fosse resultado de um movimento, e não apenas uma coisa de um presidente da República, como fez o [Lionel] Jospin [ex-primeiro ministro] na França e que terminou não dando certo. Agora o projeto está lá. É um movimento que vai evoluir. E vai evoluir na medida em que nós estamos percebendo a economia crescendo, o emprego crescendo. (...) A redução da jornada de trabalho ainda será uma conquista dos trabalhadores e eu estarei, onde estiver, brigando para que ela aconteça. Só achei que não era correto fazer por medida provisória, porque seria uma coisa meio falsa.

Quanto ao fator previdenciário, nós fizemos um acordo com o movimento sindical. Eles sabiam que a gente não poderia revogar o fator previdenciário como eles queriam, porque isso poderia quebrar a Previdência, era uma coisa muito forte. Então, fizemos um acordo, o governo fez uma proposta, sentado com o deputado Pepe Vargas, com as centrais sindicais, com o ministro Gabas – antes, o ministro Pimentel. Quando essa proposta foi para ser votada, o pessoal recuou. E aí resolveu votar a totalidade, e eu não podia deixar porque quem está nesta cadeira de presidente tem que ter um pouco mais de dureza, às vezes, nas coisas. Não adianta você aprovar uma coisa que você sabe que vai causar um prejuízo maior. Vetei, e o movimento sindical sabe que tanto eu quanto a futura presidente estamos dispostos a negociar para encontrar um denominador comum, que não prejudique os trabalhadores na questão da aposentadoria.

Reforma política

Pretendo trabalhar muito para a reforma política. E pretendo trabalhar junto com os partidos políticos no Congresso Nacional e junto à sociedade. É inconcebível este país atravessar mais um período sem fazer a reforma política, é inconcebível. Obviamente que não é papel de quem está na Presidência, é papel dos partidos políticos, é papel do Congresso Nacional. Então, a primeira coisa que a gente tem que fazer, no meu caso, é convencer o meu partido de colocar a reforma política como prioridade; segundo: convencer os partidos de esquerda, que muitos não querem. Quero compreender qual é a divergência que existe entre nós, no bloco de esquerda, sobre a questão da reforma política. É porque, a partir daí, se você construir um pensamento homogêneo entre determinados blocos, você pode tentar trabalhar com outros blocos.

Se for necessário, a gente tem que defender uma Constituinte própria para isso. Sinceramente, se você quiser minha opinião, acho que a reforma política é uma coisa prioritária no Brasil. É preciso que os partidos sejam fortalecidos, tenham mais responsabilidade, e é preciso que as coisas aconteçam com a seriedade que nós queremos que aconteçam no Brasil, sobretudo na questão de financiamento de campanha. Já disse publicamente: prefiro financiamento público, que a gente sabe quanto vai custar uma campanha, cada partido vai ter responsabilidade da quantidade de recursos que vai receber, cada partido vai fiscalizar o seu recurso, e não ficar essa loucura que é uma campanha em que a gente não tem nunca noção se são verdade ou não as contas, aquele negócio todo.

Comportamento da imprensa na crise financeira

Quando surgiu o negócio da crise econômica americana, comecei a ficar assustado, por quê? Porque as manchetes eram o seguinte: “A economia vai parar”; “o consumidor vai deixar de comprar, os trabalhadores não querem fazer dívida porque estão com medo de perder o emprego”. Eu falei: Franklin [Martins], preciso fazer um pronunciamento. Preciso dizer para os trabalhadores que, se eles pararem de comprar, vão perder o emprego. Bem, me reuni com o Guido [Mantega], me reuni com o [Henrique] Meirelles – a gente tinha certeza do que ia acontecer no Brasil. Tenho dito em debates com setores industriais que eles se acovardaram na época da crise. Não precisava ter dado a brecada que deram, aqui, no Brasil, não precisava ter dado aquela brecada que a economia fez entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009. A indústria automobilística exagerou, outros setores exageraram – no medo, apenas no medo.

Confecom e regulação da mídia

Acho que, depois da Confecom, será inexorável a gente colocar em prática parte das decisões. Você participou, e você percebe que você tem posições extremadas de todos os lados, de todos os segmentos, e vocês conseguiram – eu digo “vocês” porque o resultado da Confecom foi quase que um processo de depuração daquilo que era exagerado para um lado ou para o outro e a construção do caminho do meio, do possível a ser colocado. E isso ficou muito mais visível agora quando o companheiro Franklin Martins convoca a conferência internacional e traz para cá os Estados Unidos, a Inglaterra, a Alemanha, a Espanha, Portugal, a França, e todo mundo que é utilizado como exemplo neste país. E eles vêm e dizem que lá tem regulação sim, e que não é crime ter regulação. É crime ter censura, mas ter regulação das coisas não é crime nenhum.

Então, por que aconteceu naquele momento? É porque as coisas só podem acontecer quando atingem um grau de maturidade para acontecer. Você está lembrado que, aqui no governo, quando nós tentamos aprovar a Ancinav, a gente nem tinha feito o projeto e saiu uma guerra de tal magnitude que fui obrigado a convocar uma reunião ministerial para saber o que estava acontecendo. E descobri que o projeto não estava pronto, era apenas um esboço para debate. Está lembrado quando os jornalistas resolveram propor a criação do conselho nacional, como tem a OAB, a guerra que foi feita? E o que é mais grave é que a própria categoria tem medo de fazer essa briga, acha que é crime ter um conselho.

(...) A sociedade brasileira tem tanta sede de discutir esses assuntos quanto um nordestino do semiárido tem de encontrar uma cacimba com água gelada. Está posto o debate. E espero que a gente tenha condições de apresentar o texto ainda antes de terminar o meu mandato, pelo menos para apresentar para a companheira Dilma – porque, no final, também não vou fazer nada mais sem passar por ela, porque é ela que vai dar sequência nesse debate. E eu acho que... vocês conhecem a Dilma, ela vai fazer esse debate, certamente vai mandar para o Congresso Nacional, e aí vocês entrarão em campo, meus filhos. Esse é o dado concreto.

STF

Graças a Deus, o Supremo não é a minha cara. Porque, se fosse a minha cara, nós estaríamos repetindo os erros do tempo do Império, repetindo o erro do Poder Legislativo da Bahia, quando Antônio Carlos Magalhães era governador, em que eram os amigos que eram escolhidos, quando a imprensa dizia sempre que ele jantava, almoçava com desembargadores.

Só para você ter ideia das indicações que eu fiz, o primeiro cidadão que indiquei foi o companheiro Britto, e foi uma indicação de dois grandes juristas de esquerda deste país, Fábio [Konder] Comparato e Celso Bandeira de Mello. Depois, queria indicar um negro. Quando a gente fala que não tem preconceito, tem; quando não tem discriminação racial no Brasil, tem. Porque não foi fácil encontrar um negro que estivesse à altura de a gente poder indicar para a Suprema Corte, e, quando eu indiquei o Joaquim, tinha denúncias de problemas com ele, esperei quase seis meses para indicá-lo. Não conhecia o Joaquim.

Certamente, houve épocas no Brasil em que o presidente, para indicar o cara, chamava e falava: “Vou te indicar, mas você tem que votar a meu favor”. Não faço política assim. (...) A gente não pode indicar as pessoas pensando na próxima votação na Suprema Corte, pensando nos processos que vai ter contra o presidente da República. Você tem que indicar pensando se a pessoa é ou não competente para exercer aquele cargo.

Eu não leio jornais [do PIG]

Acho que quando você acusa uma pessoa tem que ter provas. E, se der errado, você pede desculpas. No Brasil parece que é feio pedir desculpas, lembro da Escola Base, de São Paulo, que é um marco. Então, eu... olhe, gente, sofri, não me queixo, mas apenas constatando: quando eu deixar a presidência vou reler, porque vocês sabem que parei de ver revista, parei de ver jornal. A raiva deles é que eu não os leio. Então, pelo fato de não os ler, não fico nervoso. Mas podem ficar certos de que trabalho com muita informação, mas não preciso ler muitas coisas que eles escrevem.

Mas vou reler muita coisa porque quero saber a quantidade de leviandades, de inverdades que foram ditas a meu respeito, quantas coisas que não foram ditas, apenas para conhecimento, e gravar na história do Brasil, porque não foi fácil o jogo, não. Não é fácil, sobretudo quando você não quer se curvar, sobretudo quando você quer ter independência no seu comportamento.

Política externa e Irã

A política externa do Brasil é uma coisa muito forte e respeitada. Eu falo para todo mundo: o companheiro Celso Amorim é, inegavelmente, o ministro das Relações Exteriores mais respeitado de todos os que conheço no mundo. E eu conheço muita gente, hoje, muita gente. Mas de vez em quando, parece que há um profissionalismo para fazer crítica. Quando fui ao Irã, por que eu fui ao Irã? Porque tinha conhecido o Ahmadinejad em Nova Iorque e, em duas horas de conversa, percebi que poderia convencê-lo a se sentar à mesa, na questão nuclear, o que era o grande desafio, pois ninguém queria conversar com ele. E a primeira coisa que falei para o Ahmadinejad foi a seguinte: presidente, me diga uma coisa, é verdade que Vossa Excelência não acredita no Holocausto? Porque se for verdade, só o senhor não acredita. Ele falou: “Não, eu não quis dizer isso”. Aí explicou que o que ele queria dizer, na verdade, era que “morreram 70 milhões de pessoas na Segunda Guerra e parece que só morreram judeus”. Eu falei: “mas se é isso que você quer falar, então diga! Diga agora, como você me contou, mas não negue o Holocausto! (...)”.

Fui para a reunião do G-20. Cheguei lá, tinham dado uma entrevista coletiva o Obama, o primeiro-ministro inglês Gordon Brown, e o Sarkozy falando mal do Ahmadinejad. Aí cheguei lá: presidente Obama, o senhor já conversou com o presidente Ahmadinejad? “Não”. Porque o presidente dos Estados Unidos é tão importante, que poderia pegar o telefone, ligar para ele e convidar para vir aqui. Mas nunca tinha feito! Fui conversar com o Sarkozy, também nunca tinha feito; fui conversar com a Angela Merkel, nunca tinha feito; fui conversar com o Gordon Brown, nunca eles tinham conversado com o Ahmadinejad. Bem, falei para eles: vou a Israel, vou à Palestina, e depois eu vou ao Irã (...).

O que pergunto é o seguinte: quem quer paz no Oriente Médio? Na minha opinião, o povo, o povo quer paz. Mas será que alguns representantes querem paz? Ou será que essa discórdia favorece politicamente a alguém? Então, essa é uma inquietação. Aí fui conversar com o Ahmadinejad. Quando cheguei, ele cumpriu a primeira promessa, às 6h da manhã libertou uma francesa que precisava libertar e que a França tinha nos pedido. Bem, disse para o companheiro Ahmadinejad: “Olhe, você sabe que estou aqui, que estou apanhando, sei que você não conhece a imprensa brasileira, mas eu estou apanhando. Alguns amigos meus no mundo político, do G-20, do G-8, estão irritados, profundamente chateados (…)”.

O Franklin e o Marco Aurélio estavam pessimistas. Nós saímos do hotel e eles falaram: “Olha, quebrou. Não tem acordo, agora prepare as costas para a imprensa brasileira, presidente Lula”. Falei: “vocês são pessimistas, rapazes. Vamos ali, que vai dar certo!” Aí cheguei lá e falei: “Olha, presidente – eram nove horas da noite – amanhã vou embora. Agora, não vou sair daqui sem um acordo (...)”. Bem, lá para as tantas, estava quase pronto... Tem muito assessor; assessor ajuda, mas de vez em quando atrapalha, porque tinha um cidadão lá que a toda hora dizia uma coisa no ouvido dele e ele voltava atrás. E nós queríamos colocar uma data, e ele não queria data. Falei: “Companheiro, temos que ter data porque sabe o que dizem lá no G-8? Que você não cumpre os acordos que você faz. Então a data é que vai dar garantia”. Ele colocou a data. Qual foi a minha surpresa? Surpresa, não, frustração como ser humano, é que nós conseguimos o que o Conselho de Segurança da ONU queria. E quando conseguimos, eles se sentiram derrotados porque não foram eles que conseguiram.

Paulo Lacerda e Polícia Federal

Primeiro, sou agradecido a todos que passaram pelo governo e que prestaram serviço, dentre eles o Paulo Lacerda. A operação que cuidava de investigar as atividades do banco do Daniel Dantas, ela começou no nosso governo, com a Polícia Federal, e vai terminar no nosso governo, porque ainda não terminou. Tanto o Paulo Lacerda quanto o Luiz Fernando receberam orientação da presidência da República que era preciso a gente investigar até o fim. Acontece que quando você está investigando... Tenho coisas que não posso dizer como presidente da República até porque tem um processo em andamento... Mas acho que a primeira coisa que nós precisamos ter clara é a seguinte: qual é o problema da corrupção? É que quanto mais você combate a corrupção, mais ela aparece. Seria mais fácil jogar embaixo do tapete. Sabe aquele negócio: “vamos empurrando, vamos empurrando” (...).

O Paulo Lacerda saiu porque acho que tinha que sair, ele já estava há muito tempo na Polícia Federal, que teve uma ascensão importante, hoje tem mais quadros, mais plano de carreira, mais salário, mais motivação. Não sei se a Dilma vai manter ou não, mas esse companheiro Luiz Fernando [Côrrea] é um grande diretor-geral da Polícia Federal, está fazendo um trabalho extraordinário. E a Polícia Federal como um todo só merece elogios. E veja, no meu governo, no meu mandato a minha família foi investigada. Entraram na casa do meu irmão, poderia ter evitado e não evitei.

O pior dia na presidência

O dia em que sofri mais aqui na presidência foi o do acidente da TAM no aeroporto de Congonhas. Nunca vi tanta leviandade. Estava na minha sala e recebi uma informação de que tinha pegado fogo no aeroporto de Santos Dumont, numa sala em que estavam os móveis, porque tinha sido reformado e a gente ia colocar móveis novos; tinha muito material plástico, cadeiras, e fez uma fumaça negra e suspendeu os voos no Santos Dumont. Estava recebendo essa informação, quando entra um companheiro e fala para mim: “Presidente, acho que pegou fogo em um hangar da TAM em São Paulo. Deve estar passando na televisão.” Aí liguei o canal de televisão, fiquei vendo lá, só vi o fogo, a gente não via avião, não via nada. Daqui a pouco, começa dizendo: “... porque o avião da TAM tem 200 passageiros; a culpa é do governo; porque a pista não sei das quantas; porque...” Aí fiquei na minha sala das sete da noite... – eu não sei bem o horário – até quase onze e meia, meia-noite, assim. A cada dia, a cada hora a notícia era pior, e o governo carregava 200 mortos nas costas, e o governador de São Paulo correu lá para ver o incêndio, e eu não sei mais quem correu para lá. Acho que eles pensaram: “Puxa vida, agora sim, agora nós pegamos o Lula e trucidamos ele”.

Passa um dia, um dia e meio, mais ou menos, recebo um telefonema: “Presidente, nós temos uma fita aqui, feita pela Infraero (...)”. Quando vi a fita, tive a sensação de alívio por ter descoberto a verdade. Depois é que ficou patente, visível que não era problema de pista. Só para vocês terem ideia, os meus pilotos foram no simulador, descer o mesmo avião, com a mesma carga, com a mesma chuva, tudo simulado e caiu sempre no mesmo lugar. Teve editoriais acusando o governo de carregar duzentos mortos nas costas. Então, aquilo para mim foi o dia mais triste de oito anos de mandato. Porque estava lidando com vidas humanas... e eu trouxe pilotos para conversar, especialistas. Ninguém falava de erro humano, somente depois que se vê a fita é que todo mundo começou a descobrir. Esse foi o dia mais nervoso, mais triste da minha vida. Não quero nunca mais que isso se repita.

Blogueiro e tuiteiro

Quero desencarnar, desencarnar primeiro para a gente começar a conversar. Agora, pode ficar certo que eu serei tuiteiro, que eu serei blogueiro, vou ser um monte de coisas que eu não fui até agora.
(Revista Forum)
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