sábado, 25 de dezembro de 2010

Globalização

O lado bom da globalização
A globalização, que influi sobre nossas sociedades, gostemos ou não, é uma ameaça para a identidade?
Por Pascal Lamy
[21 de dezembro de 2010 - 18h16]
A globalização, que influi sobre nossas sociedades, gostemos ou não, é uma ameaça para a identidade? Se acreditarmos em tudo que ouvimos, os ventos da globalização estão causando estragos por todos os lados, destruindo identidades e culturas que durante séculos determinaram as relações humanas e levando de roldão todos os valores e costumes locais.

Segundo este ponto de vista, a globalização é uma espécie de homogeneização que está debilitando nossas forças e nos levando à decadência. Há uma quantidade de exemplos para ilustrar este estendido enfoque. Graças ao espetacular desenvolvimento dos transportes e das tecnologias da informação, nosso planeta se converteu em uma grande aldeia cujos habitantes estão desenvolvendo cada vez mais estilos de vida e pautas de consumo similares. Em Paris, Brasília, Xangai ou Montreal, as mesmas redes de restaurantes e de roupas invadem as áreas comerciais, os mesmos filmes estão inundando os cinemas e a mesma música apodera-se das rádios.

Esta globalização, frequentemente, vista como uma penetrante força homogeneizadora que ameaça a enorme diversidade de identidades que tanto contribuiu para o mundo em que vivemos, pareceria estar provocando uma súbita reafirmação de identidade, como uma reação contra o que é percebido como a dominação de uma cultura sobre a outra, que nos priva do que faz com que cada um de nós seja único.

O renascimento do nacionalismo, a emergência ou ressurgimento de movimentos políticos que defendem a identidade nacional, étnica ou religiosa, não são uma prova concreta desta reação?

Esta é uma questão perfeitamente legítima, que tenta interpretar estes fatos como um “choque de civilizações”, para citar a conhecida frase de Samuel Huntington.

Entretanto, existe realmente um choque? Globalização e identidade pertencem a dois universos diametralmente opostos? Quando são produzidas novas tecnologias para a informação, movimentos de capitais e a abertura do comércio, e se estendem as cada vez mais internacionalizadas redes de produção, que seguem de mãos dadas com a globalização econômica, as fronteiras já não contam mais. Por outro lado, a identidade tem suas raízes nas localidades, na história, na cultura, nos valores, em uma linguagem ou em uma crença. A globalização significa movimento, mudança perpétua, enquanto a identidade significa raízes. A identidade é sedentária e o progresso tecnológico é nômade.

Visualizo três maneiras para manejar a relação entre a globalização e as identidades.

A primeira consiste em refletir sobre os valores globais que guiam nossas ações, vivamos em Ouagadougou ou Moscou. Estes valores são de três tipos.

Em primeiro lugar está a “solidariedade”, que, em conexão com a governança, significa o sentimento compartilhado de pertencer a uma comunidade.

Este sentimento, geralmente forte em nível local, tende a enfraquecer na medida em que a entidade implicada se expande.

Há também uma “crença comum”, que inclui os valores compartilhados. Esta ideia surgiu com força depois da Segunda Guerra Mundial. A adoção da Carta das Nações Unidas, em 1945, marcou a fundação de um sistema de valores comuns que desde então se propagaram.

A difusão dos valores referentes aos direitos humanos, econômicos e sociais, que, na minha opinião, são inseparáveis, é inquestionavelmente um dos êxitos mais espetaculares da globalização.

A segunda maneira de dar mais peso ao conceito de identidade inclui a negociação de acordos globais específicos, que permitam a expressão das identidades. Tenho em mente, em particular, a Convenção da Unesco sobre Diversidade Cultural de 2005, que agora é parte integrante do arsenal de normas que guiam as relações internacionais.

A terceira via para promover a expressão da identidade é a de incorporar flexibilidades nas regras que guiam a globalização, de modo a preservar margens de manobra em casos específicos. A este respeito, a Organização Mundial do Comércio, para muitos um símbolo da globalização, é um bom exemplo: os acordos da OMC fornecem uma considerável liberdade de ação. Deste modo, a ampla maioria dos membros escolheu não assumir compromissos na área dos serviços culturais, de maneira a preservar o espaço para proteger o que para eles constitui um componente fundamental de sua identidade.

Além disso, uma quantidade de membros da OMC apoia ativamente sua indústria cultural e para isso pode estabelecer uma cota de utilização de produtos com “conteúdo nacional” em filmes, televisão e rádio, e conceder isenções ou subsídios para as indústrias audiovisuais.

Uma globalização que respeite os valores, as culturas e as numerosas histórias que integram a estrutura de nosso mundo não é uma utopia. Cabe a cada um de nós trabalhar para atingir este objetivo e contribuir para o desenvolvimento de um “projeto de identidade”. Envolverde/IPS

*Pascal Lamy é diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Fonte ENVOLVERDE http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=85041&edt=1
Foto de Herschell Hershey
(Blog do Rovai)

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