segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Papa

O problema não é o Papa


"Ou o Papa não tem a autoridade que representa, ou ele representa mal uma coisa que é tão séria como a própria autoridade de Deus. Em todo caso, se Deus é Deus, não parece que ele possa andar mudando de ideias e tomando decisões variáveis e volúveis, como acontece conosco, os mortais."

A opinião é do teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado no sítio Religión Digital, 28-11-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O livro que Bento XVI acaba de publicar dá o que pensar. O Papa tem o poder e a autoridade que tem porque, em última instância, o Papa fala em nome de Deus, invocando o poder e a autoridade que Deus lhe concedeu. Se não existe Deus, que sentido tem o Papa e o papado?

Para os que não creem em Deus, que sentido tem acreditar no que o Papa diz e obedecer ao Papa? Portanto, o problema não é o Papa. O problema é Deus. Por isso, disse que o livro de Bento XVI dá o que pensar.

Porque, vejamos, segundo o que acabo de indicar, há poucos meses, quando esse Papa viajou à África, Deus não queria o preservativo em nenhum caso. Agora, o quer, pelo menos "como um primeiro ato de responsabilidade".

Pois bem, se agora Deus não quer que a mulher seja ordenada sacerdote, quem me pode assegurar que, dentro de alguns meses (ou anos), Deus não possa mudar de opinião, como parece ser que começa a mudar com relação ao preservativo? Por trás do livro do Papa, está o problema de Deus.

Não é preciso ser um lince para suspeitar (pelo menos suspeitar) que, em todo esse assunto complicado, há algo que não se enquadra. Porque, ou o que acontece é que o Papa não tem a autoridade que representa, ou o que acontece é que ele representa mal uma coisa que é tão séria como a própria autoridade de Deus. Em todo caso, se Deus é Deus, não parece que ele possa andar mudando de ideias e tomando decisões variáveis e volúveis, como acontece conosco, os mortais.

Houve tempos em que os Papa organizavam guerras, condenavam os heterodoxos e queimavam vivos os hereges, porque Deus assim queria. Agora, os Papas dizer que Deus não quer nada disso. Então, em que ficamos? Será que Deus, que o Papa representa, é um Deus "cultural"? Ou o que acontece é que se trata de um Deus "contracultural"? O Deus que, pela boca de um Papa, condenou Galileu é o mesmo Deus que, pela boca de outro Papa, pediu perdão pelo que se fez com Galileu.

Ao dizer essas coisas e me propor essas perguntas, o que estou fazendo, nem mais nem menos, é pôr-me na pele de muitas pessoas que, se pensarem detidamente em todo esse assunto, vão se fazer as mesmas perguntas que eu estou me fazendo.

Dessa forma, o que (a meu ver) parece mais certo é isto: o que é próprio e específico de Deus é a "transcendência". O que quer dizer que Deus não está ao nosso alcance, "ninguém viu a Deus" (Jo 1, 18). Porque o que é próprio e específico dos humanos é a "imanência". Mas, a partir do "imanente", o que dizemos que sabemos sobre o "Transcendente" não é Deus em si, nem é o que Deus pensa ou o que Deus quer, mas sim a "representação" ou "imagem" de Deus, que nós nos fazemos Deus.

Não nos enganemos. Nem nos deixemos enganar. O imanente fica sempre na imanência. Portanto, é a partir do próprio interior do mundo, da história e das liberdades humanas como Deus nos fala e nos diz o que quer. Pois bem, se Deus não é uma invenção humana, a única coisa certa que dele podemos saber é que Deus quer a plena humanização do humano. Isto é, o que nos faz mais humanos, dignifica nossa humanidade e torna mais humana, mais digna e mais feliz a existência dos humanos. Um Deus que não quer isso não é Deus, mas sim a representação de Deus que nos fazem aqueles que nos dizem que falam em nome de Deus.

Não faltará razão ao grande místico que foi o Mestre Eckhart (século XIV) quando dizia: "Peço a Deus que me livre de Deus". Por isso, Simone Weil escreveu: "Deus brilha, no sentido mais positivo do termo, por sua ausência". Isso não é negar ou anular a Deus. Isso é respeitar a Deus. Ou melhor, "deixar Deus ser Deus". E se tudo isso parecer estranho, basta pensar que a revelação definitiva em Jesus Cristo culmina na morte do seu Filho na cruz, isto é, "na aparentemente mais total de suas ausências" (J. Martín Velasco).
Para ler mais:
• Preservativo: símbolo da relação entre moral e sexualidade
• A Igreja e os preservativos: ''O corpo de Cristo tem Aids''
• A visão de mundo de Bento XVI
• Ratzinger, o Papa frágil
• ''Luz do mundo'': a primeira vez de um Papa
• Preservativo: um mal menor? Carta aberta de González Faus
• O Papa e os preservativos: mudar ou não mudar? Artigo de Anthony Egan, jesuíta
• Evolução histórica de Bento XVI sobre o preservativo
• O preservativo e os ''bombeiros'' do Papa
• Papa diz que suas palavras sobre o preservativo não precisam de correção
• A entrevista com o Papa. Trechos do livro ''Luz do mundo''
• ''Anúncio de Bento XVI é um passo revolucionário'', afirma teólogo
• Papa Ratzinger entre burcas e preservativos
• Camisinha pode ser aceita em alguns casos, diz papa
• (Inst, Humanitas Unisinos)

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