quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Pensamentando II

Vou virar
manchete de jornal
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Por Mouzar Benedito



Mouzar Benedito, por Carriero
Fonte: humordaterra.com

Ai, se a Folha de S. Paulo, o Estadão ou a Veja descobrirem a minha história, posso virar notícia e tirar uns votos de Dilma Rousseff.

Nestes tempos eleitorais, parece que o mais importante em qualquer notícia é saber se alguém que cometeu alguma coisa votou na Dilma, trabalhou com ela, conhece alguém que trabalhou com ela, se é filiado ao PT, essas coisas importantíssimas para identificar um criminoso ou contraventor.

Ainda haveremos de ler notícias muito interessantes na nossa gloriosa imprensa, que diz ser independente e lutadora pela liberdade, como o Estadão, que brada pelo direito de opinião e demite a colunista Maria Rita Kehl por delito de opinião.

Ou a Veja, que tem a redação ao lado do buraco do metrô de Pinheiros, que desabou e matou um monte de gente, mas passou como coisa corriqueira pela revista, que tem a redação bem ao lado do buraco. Ah... se o governo não fosse tucano... Imagino que até hoje estariam falando das pessoas que morreram ali, do prejuízo causado, da culpa do governo etc.

Bom... Voltando às importantes notícias que espero ler até o dia 31, penso que virão matérias como “Eleitor de Dilma solta pum no elevador”, “Petista colou na prova de matemática no ginásio”, ou “Dilmista chegou atrasado na repartição mas não cortaram o ponto dele”.

E por que eu imagino que posso ser notícia dessa imprensa? Não sou mais petista, me desfiliei em 1994, e não tenho emprego no governo. Mas vou votar em Dilma, ou melhor, vou votar contra o Serra.

E se essa imprensa libertária e imparcial for pesquisar a minha história vai descobrir que, quando era criança, roubei jabuticaba no quintal de um vizinho.

Pior ainda: na minha cidade era costume da rapaziada roubar frango nos quintais e em galinheiros para fazer o que chamávamos de ceia, nos bares, durante a madrugada, e na época eu participei de umas farras dessas. A tal ceia era um mero arroz com frango ensopado, regado a cachaça e cerveja, em que muitas vezes o próprio dono dos frangos roubados era convidado a cear, sem saber que o objeto da ceia saíra de seu quintal.

Uma vez roubamos dois frangos do galinheiro do padre. Roubar frango e, além disso, do padre? Crime brabo e de ateu, anticristão. Motivo para cadeia e excomunhão.

Então imagino o que falarão de mim. Talvez mereça até manchete: “Eleitor de Dilma foi ladrão de frango”, e no corpo da matéria o leitor vai ser informado que fui reincidente, pois quando criança já roubava jabuticaba.

23/10/2010

Fonte: ViaPolítica/O autor

O jornalista Mouzar Benedito nasceu em Nova Resende, Minas Gerais, em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros, em Minas, e Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de O anuário do Saci (2009, Publisher Brasil), Ousar Lutar (2000, Boitempo), em co-autoria com José Roberto Rezende, e Pequena enciclopédia sanitária (1996, Boitempo). Recentemente, Mouzar Benedito lançou o livro Meneghetti, o gato dos telhados.

E-mail: mouzarbenedito@yahoo.com.br

Mais sobre Mouzar Benedito

A caricatura de Mouzar Benedito é de Carriero, em Humor da Terra

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