quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Bom Trabalho

Bom de papo
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Por Sergio Santeiro, de Niterói


Depois de mutuamente atirarem-se o chá e as xícaras de porcelana chinesa resta nada, não se há de emendar os cacos.

Colagem de Luiz Rosemberg Filho

Nem pensar. Não quer, não quer. Ponto final. Te vendo a minha parte e estamos conversados. Não sei não é coisa de amante, é coisa de amador. Esse lero-lero já foi letra de bolero. Se a coisa não é a coisa é que estamos perdidos. Caímos na qualquer coisa. E qualquer coisa não é mole não. E aí vem aquele bode. Essa vontade de chorar. Faz bem. Limpa o espírito. Lava a alma. Refaz-se a calma.

Como dizia meu velho pai: “O problema é que você pensa muito rápido. Tem que pensar duas vezes.” Mas quem é que segue conselho? A gente segue a trilha aos pinotes. Será que pré-traçada, pré-determinada ou é pós-determinada, entrando-se na trilha que entre inúmeras se escolhe? De vez em quando a trilha vai dar noutra trilha ou numa clareira.

Certa vez sobrevoei de helicóptero a beirada da Floresta Amazônica, no Pará, naquela mineração de ferro, a maior do mundo, Carajás. É extasiante, é impressionante, as árvores ondulam como um oceano. E, de repente, uma clareira, e aí a gente enxerga vendo o chão o que é o porte da floresta.

Cumes altíssimos como montanhas. E uma quantidade de espantar. E eu só estive ali naquela beirada. Não era a propriamente dita que mereceu uma das grandes maravilhas da música brasileira que é a Floresta Amazônica de Villa-Lobos. Ouvindo-a, adivinho-a, admiro-a.

“Acorda, vem olhar a lua, que brilha na noite escura”. Quem dera. Ah! Quem dera. Eu já a tive e com a Bidu Sayão. Talvez por não crer em deus, ele também não me ajuda: meu disco original vinil sumiu. Claro, Villla Lobos foi um gigante, e juntando-se Glauber a ele deu no que deu: Deus e o Diabo na Terra do Sol. É bom ou quer em dobro?

Moustache, por Ben Heine
Fonte: benjaminheine.blogspot.com/
E como não lembrar do meu longe e próximo compadre, agora longe, Sergio Wladimir Bernardes, contemporâneos no Colégio São José, na Tijuca, o internato lá em cima na Conde de Bonfim, e seu espantoso e vertiginoso Tamboro, um passeio na floresta até o Roncador, aquele inacreditável monolito de terra e o seu topo verde como uma pirâmide. Só acredito porque vi com meus próprios olhos no filme. Talvez não seja o Roncador, mas o nome Roncador ronca no meu coração. Diz o povo: - Ronca mesmo em todos nós.

Nostálgico, deve ser o banzo de minhas três raças tristes, mas não melancólico. Bom de corrida ao copo nas mesas de bar ou, para ser mais preciso, na minha mesa de onde contemplo e ouço o infinito à minha frente. O eco vira palavra que vira eco.

Depois de mutuamente atirarem-se o chá e as xícaras de porcelana chinesa resta nada, não se há de emendar os cacos. Na minha idade nada é melhor que paz e sossego, valem ouro. Tudo não pode ser senão definitivo. Odeio mudanças. Casar pra mim é não dormir na mesma cama só quase nunca.

Doa mais ou doa menos, nada a fazer se não mais se doam. Morremos de indiferença. Fica uma estranheza, a irritação que transforma-se em frieza. Não gosto de frio, não gosto de chuva, não gosto de lágrimas. Gosto do gozo. Num gesto, num sorriso, numa palavra e nem precisa ser pra mim, basta que exista, a nossa sensibilidade saberá avaliá-lo, é uma sensação.

A tarde já vai tarde, o sol se põe atrás de alguma cortina porque lá ele continua: um lance de dados não abole o sol, esse trem da vida. A galinha caipira que inventa sua ração e bota ovo vermelhinho, tem a carne mais gostosa, cozinha melhor, é mais gostosa de comer.

- Deixa quieto, disse o povo.

13/11/2010

Fonte: ViaPolítica/O autor

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E-mail: santeiro@vm.uff.br

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